22 de maio de 2012

ASCENSÃO ECONÔMICA AMPLIA ESPAÇO PARA MÚSICA DE CONCERTO NO BRASIL - Augusto Valente



Ao contrário do que se poderia crer, concertos sinfônicos e interesses macroeconômicos não são campos dissociados. Além disso, música como formadora de caráter equilibra a balança humana em tempos de prosperidade.

A ascensão do Brasil como protagonista no cenário econômico mundial é tão irrefreável quanto impossível de ignorar. Seu papel, sobretudo no setor da energia – ambientalmente correta ou não –, faz convergir para o país investimentos e parcerias; um efeito grandemente amplificado a curto prazo pela perspectiva da realização, no país, da Copa do Mundo de Futebol 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016.

Ao mesmo tempo, florescem no país as iniciativas de fomento à música clássica e à formação musical. Projetos relativamente recentes – como os Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis da Bahia (Neojibá) – se afirmam lado a lado com iniciativas já estabelecidas – a Orquestra Jovem do Estado de São Paulo (Ojesp), a Escola de Música Tom Jobim (Emesp), ou o Mozarteum Brasileiro.

Um indicador da presença crescente da música de concerto no Brasil foi a presença simultânea de duas orquestras de gabarito internacional na capital paulista, em meados de maio de 2012. A Deutsches Symphonie-Orchester Berlin (DSO) veio regida por Vladimir Ashkenazy, enquanto a Orchestre National du Capitole de Toulouse (ONCT) apresentou-se sob o jovem maestro osseta Tugan Sokhiev, antes de seguir para o Rio de Janeiro.

Mas a quase super-oferta sinfônica não para por aí. Após ter proporcionado as quatro apresentações da DSO, no Parque do Ibirapuera e no Teatro Municipal, somente o Mozarteum Brasileiro ainda levará a São Paulo, até novembro deste ano, a National Symphony Orchestra Washington (NSO) e as alemãs Orchester de Klangverwaltung e MDR Sinfonieorchester Leipzig.

Levar a DSO ao Teatro Municipal de São Paulo foi um empreendimento gigantesco
Notas musicais e cifrões

Música erudita e interesses macroeconômicos: dois campos da atividade humana totalmente dissociados? A passagem da DSO por São Paulo é prova de quanto a atual abundância de ofertas culturais e de formação musical estão associadas a este tão favorável momento econômico do Brasil.

Viajar com toda uma orquestra sinfônica – acompanhada de pessoal administrativo e médico, relações públicas, imprensa, num total de mais de cem participantes, sem falar no transporte de instrumentos – é um empreendimento complexo e caro. Assim, a tendência é procurar tirar o máximo de proveito do investimento, extrapolando aquilo que seria "apenas" uma turnê de concertos.

Nessa linha, o Mozarteum Brasileiro propôs que, numa de suas apresentações populares, a DSO Berlin se unisse à Ojesp para executar parte do programa. Como parte dos preparativos, as duas orquestras trabalhariam juntas pela internet, com os experientes músicos de ponta da Alemanha orientando seus jovens colegas brasileiros.

Além disso, durante sua permanência na metrópole, vários instrumentistas da DSO se colocariam à disposição da Emesp – à qual a Orquestra Jovem está ligada – em dois dias de master-classesintensivos para os alunos da instituição. Com essa ideia de caráter educativo e social, o Mozarteum e a orquestra alemã conquistaram o patrocínio da Mercedes-Benz do Brasil, peça vital para o financiamento da estada da DSO no Brasil. A turnê da orquestra, que seguiu pela Argentina, teve também o apoio da Deutsche Welle e do Ministério Alemão do Exterior.

Hora de os governos fazerem mais

Em 1981, juntamente com Claude Sanguszko, a alemã Sabine Lovatelli fundou o Mozarteum Brasileiro, com o fim de promover a música de concerto no país. Ela situa sua atividade no contexto maior da situação nacional.

Sabine Lovatelli, do Mozarteum Brasileiro (esq.) e Vladimir Ashkenazy no Auditório Ibirapuera
"Acho que o papel da música agora é muito importante. Eu gostaria que o governo e todo o mundo também se desse conta disso. Ultimamente tudo se concentrou na economia, no desenvolvimento. Claro, o Brasil fez grandes progressos. Mas a cultura sempre ficou para trás, havia a saúde, o esporte, tudo estava na frente. Nós percebemos isso, e colocamos a parte da educação, os eventos gratuitos, no mesmo patamar dos concertos noturnos."

De início, todo esse trabalho aconteceu exclusivamente por iniciativa privada. Mas hoje o Mozarteum já consegue envolver o governo brasileiro em seus projetos. Por exemplo: quando a associação cultural leva orquestras jovens nacionais para o exterior, as passagens aéreas são pagas com verbas públicas. Lovatelli tem, ainda, conseguido que o governo financie parte das bolsas de estudo e master classes que a instituição sediada em São Paulo oferece.

No entanto, para Lovatelli o processo ainda é lento demais: é preciso "acelerar um pouco o passo". As instâncias públicas estão como que surpresas, sobrecarregadas, "mimadas". "Muitos estrangeiros vêm aqui, muitos fazem investimentos, abrem empresas, ajudam também. Outros dão importância para o Brasil. Agora nós também temos que entrar nesse movimento."

Num momento em que a economia e as finanças representam um papel tão central, há o perigo de o país perder a alma em nome da prosperidade financeira e do crescimento? "A alma ele não vai perder, o brasileiro é muito enraizado em si. Mas a música vai ajudar, porque através dela os jovens vão abrir seus horizontes, vão ser pessoas mais críticas", prevê Lovatelli.

Formadora de opinião e caráter

O militante cultural paulista Francisco Coelho concorda quanto ao potencial da música como instrumento de formação de opinião. Em seu trabalho de curador e coordenador de música junto ao Centro Cultural São Paulo, ele também se bate pelo repertório erudito, documentando a produção musical nacional.

Num de seus projetos de grande porte, ele tem divulgado, em DVD, CD e partitura, peças inéditas ou raramente executadas de compositores brasileiros dos séculos 20 e 21. Cada registro fonográfico é acompanhado de um livro contendo catálogo de obras, fotos e biografia do músico, assim como ensaios e análises de suas obras.

Coelho registra uma lacuna de mais de quatro décadas na formação cultural no Brasil. "Em 1967, o governo dos militares retirou do currículo escolar a música e a filosofia, que são matérias formadoras de opinião e de caráter." Apesar de tentativas de corrigir essa distorção – como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de Darcy Ribeiro, em 1993 –, a música só retornou de forma concreta às escolas brasileiras em 2008, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Músicos da Ojesp: sob o signo da esperança
Fator esperança

Coelho reconhece as diferenças entre a música popular e a denominada "erudita" (na falta de termo mais apropriado), sobretudo por a primeira ser transmitida pelo fazer, a outra pelo saber. No entanto, ele não considera a distinção relevante, no que tange à qualidade ou relevância cultural: "A criatividade não está balizada pelas classes sociais", afirma.

Ele define seu papel de animador e apoiador cultural como o de "registrar o que está acontecendo agora, pois não se sabe o que vai ficar" – como demonstram séculos de história da arte e cultura. Coelho saúda iniciativas como o grande concerto ao ar livre da DSO com a Ojesp: "fisgar o público para a cultura, através do entretenimento", é uma estratégia perfeitamente válida quando se trata de expandir horizontes e gostos.

Para os músicos aspirantes brasileiros, a aproximação com os profissionais de Berlim foi essencial, por representar, acima de tudo, esperança. A exposição a outras realidades culturais e de formação profissional contribui para renovar, "mudar a cabeça", até mesmo na vida pessoal. A semente está lançada e irá germinar: se não for nesta geração, que seja nas próximas, aposta Coelho, cujos filhos – a violista Thais e o violinista Luiz Filipe – fazem carreira na Europa.


Extraído do sítio Deutsche Welle

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