29 de maio de 2012

COMO UM ANTIGO POEMA FEZ O MUNDO DAR UMA GUINADA - Helen Whittle



Será que a descoberta do poema "De rerum natura" numa abadia alemã em 1417 fez mesmo o mundo dar a guinada para a era moderna? "The swerve", livro ganhador do Prêmio Pulitzer de Stephen Greenblatt discute essa ideia.

A história de um escrivão papal italiano andando por uma biblioteca monástica 600 anos atrás e encontrando um poema romano que mudaria o mundo ocidental parece enredo de conto histórico popular. Mas é exatamente isso que o professor de Harvard e estudioso das obras de Shakespeare, Stephen Greenblatt, argumenta em seu livro The swerve: How the world became modern (A guinada: Como o mundo se tornou moderno).

Ele narra o descobrimento de De rerum natura (Sobre a natureza das coisas) por Poggio Bracciolini, numa abadia alemã, em 1417. Trata-se de um tributo ao filósofo grego Epicuro. Entre outras coisas, o poema nega a existência de deuses e propõe que o mundo consiste de pequenas partículas de energia, antecipando assim as ideias da ciência moderna. Greenblatt argumenta que o poema teve uma profunda influência nos pensamentos de uma diversa gama de pensadores, desde Galileo e Freud, até Darwin e Thomas Jefferson.

Este ano o livro recebeu um Prêmio Pulitzer e foi publicado na Alemanha. A DW conversou com Stephen Greenblatt sobre "a guinada".

DW: Como tomou conhecimento da história sobre como Poggio Bracciolini descobriui o poema de Lucrécio De rerum natura?
Autor Stephen Greenblatt


Stephen Greenblatt: Na verdade, achei um exemplar do poema de Lucrécio numa loja, quando era estudante de Yale. Comprei-a por dez cents de dólar, por gostar da capa! Achei o texto extraordinário, um entendimento impressionante do mundo moderno. Por alguma razão, eu voltava sempre a ele.

O que o inspirou a escrever o livro?

Sempre me interessei por mobilidade cultural, como os textos cruzam fronteiras, desaparecem, voltam, mudam, são traduzidos e dizimados. É fascinante o fato de o poema de Lucrécio ficar fora de circulação por mais de mil anos, e de repente ser redescoberto e recolocado em circulação. Isso realmente me inspirou a escrever o livro. Durante décadas, eu tinha vontade de compartilhar meu fascínio com este texto em particular.

O texto de Lucrécio contém uma série de ideias controversas, como por exemplo, de que não há recompensa eterna para a virtude, nem punição para vício. Quão radicais eram essas ideias no tempo de Bracciolini?

Bem, a mensagem do poema estava tão longe do que se tinha como aceitável na época, que deve ter sido simplesmente tachada de excêntrico. Mas essas ideias também eram consideradas perigosas. Pensadores que apoiavam abertamente o livro, como Giordano Bruno, foram executados por heresia. Quer dizer, a maior parte dos norte-americanos não acredita no que esse livro antecipa, essencialmente, no que a ciência nos diz atualmente (ri). Seria difícil para um candidato democrático abraçar tal plataforma política, muito menos um republicano.

Se que o conteúdo do livro era tão radical, como as ideias de Lucrécio ganharam aceitação?

Uma das razões é que o livro simplesmente era tão excêntrico, na época. As pessoas provavelmente não reconheciam sua verdade natureza. Ele primeiro se tornou popular como texto erudito, por ser interessante e difícil. Havia um certo prestígio acadêmico associado ao estudo do texto. Mas a razão mais importante é o texto, em si, ser fascinante e incrivelmente bonito. Artistas ficaram entusiasmados com o livro, ele realmente estimulava as pessoas.

"É importante a sociedade entender as conexões com o passado", afirma Greenblatt
Como lida com os perigos de retroativamente projetar, num poema de 2 mil anos atrás, coisas que o autor talvez não tenha querido dizer?

Naturalmente temos uma predisposição de ler o livro com olhos modernos. Não conseguimos escapar disso, e não acho que deveríamos. Lucrécio sugeriu que somos feitos da mesma matéria das estrelas e oceanos, de pequenas partículas plenas de energia. Atualmente, as chamamos de átomos. Não podemos ler o livro num vácuo. A linha que vai deste livro à modernidade não é direta. Mas um dos meus principais interesses é justamente isso: em que relação o presente se encontra com o passado.

A popularidade de The swerve trouxe um interesse renovado pela obra de Lucrécio. É, de certa maneira, a história se repetindo?

Estou absolutamente adorando que Lucrécio seja redescoberto. Na verdade, ele se tornou um dos textos antigos mais populares no mercado livreiro. A ideia de que De rerum natura esteja inspirando uma nova geração, é fascinante para mim. Uma das emoções em ganhar o Pulitzer, é a ideia de que um número significativo de pessoas está compartilhando a importância desta história.

O jurí do Prêmio Pulitzer descreveu The swerve como um livro "provocador". Era sua intenção?

Não diria que estava tentando provocar. Trata-se, antes, de compartilhar meu encanto em relação ao texto. Realmente sinto que é importante a sociedade ser capaz de entender suas conexões com o passado. Sua relação com a Renascimento, a Grécia e Roma Antiga. É imperativo não esquecer, ou ao menos ter essa consciência. É importante as pessoas de todo o mundo reconhecerem que o presente mantém relação significativa com o passado. Acho que todo o mundo é capaz de ver o sentido disso.

Extraído do sítio Deutsche Welle

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