29 de fevereiro de 2012

"NÃO GOSTO DE PERSONAGENS LINEARES. GOSTO DA POLÊMICA", AFIRMA FERNANDO MORAIS - Alessandra Ungria


Fernando Morais em palestra sobre su novo livro na PUC-SP. Foto: Jessica Oliveira
Jornalista há 50 anos, Fernando Morais está sempre à procura de uma boa história para contar. Em palestra a alunos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), na quarta-feira (7), ele reafirmou essa postura. "Eu sempre preferi a reportagem. Não só acho que é a melhor escola como é a área mais sedutora do jornalismo". E acrescenta: "Não gosto de personagens lineares. Gosto da polêmica".

Lançando o décimo livro de sua carreira, "Os últimos soldados da Guerra Fria", Morais tem passagem, também, pelas principais redações do país, como da revista Veja, da Folha de S.Paulo e da TV Cultura. Entretanto, segundo ele, "o grau de liberdade que se tem ao publicar livros é muito grande. E a gratificação pessoal também é enorme. Quando você escreve seu livro-reportagem, você é seu próprio pauteiro". 

Quase um especialista em matérias especiais, o jornalista tem histórico em produção de biografias. Morais escreveu "Montenegro", sobre a história do Marechal Montenegro; "Chatô, o rei do Brasil", sobre o empresário criador do Masp, Assis Chateaubriand; "Olga", sobre a mulher do comunista Luís Carlos Prestes, que foi deportada para a Alemanha nazista, e "O Mago", sobre a vida do escritor Paulo Coelho. "Sobre tudo em biografias, o ideal é que você consiga desenterrar o defunto e o faça andar quase como antes, quando era vivo. Não se pode nem crucificar nem canonizar o biografado".

Outro aspecto recente, porém importante nas obras de Morais, são suas adaptações para o cinema. "Olga" foi transformado em filme, em 2004, e bateu recordes de bilheteria nacional, ultrapassando os três milhões de espectadores. "Nunca vi um filme ser tão escorraçado pela crítica e tão amado pelo público", diz o jornalista sobre a produção. 

Para um futuro próximo, "Na Toca dos Leões" deve ser também transformado em longa-metragem, com a direção de Fernando Meirelles. Morais diz que costuma não se envolver com o roteiro desenvolvido, apesar de se colocar sempre à disposição para colaborar. "Só há um filme que é fidelíssimo ao livro: aquele que você coloca uma câmera em cima do livro e filma o virar das páginas".

Na ocasião, Morais também deu pistas sobre seu próximo trabalho. "Já estou arrastando minha asinha pro Lula, pode ser que venha algo por aí", afirmou. Nas próximas semanas, ele deve continuar com a divulgação do novo livro, que teve tiragem inicial de 30 mil cópias.

Extraído do sítio Portal da Imprensa

O AJUDANTE DE GUARDA-LIVROS - Robson Alkmin

“Tenho assistido, incógnito, ao desfalecimento gradual da minha vida, ao soçobro lento de tudo quanto quis ser.” (trecho 193)

Alguém disse uma vez que o Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa, composto por seu heterônimo Bernardo Soares, o ajudante de guarda-livros de Lisboa, era o livro mais triste do mundo. Uma acusação injusta para a profundidade da consciência da realidade, de um homem perante o mundo mais ameaçador. Um livro fragmentado, sem histórias. A vida cotidiana que se passa por um estado físico, psíquico, intelectual, louvando a si mesmo como ser pensante, emotivo e solitário. Escrito em pedaços de textos muitas vezes magistrais, trabalhados com o “demônio” de Pessoa, assumindo o caráter infindável de sua escrita.

Richard Zenith, organizador do livro pela Companhia das Letras, define o Livro do Desassossego:

“O que temos aqui não é um livro mas a sua subversão e negação, o livro em potência, o livro em plena ruína, o livro-sonho, o livro-desespero, o antilivro, além de qualquer literatura. O que temos nestas páginas é o gênio de Pessoa em seu auge.”

Diz-se que o Livro se aproxima de outro heterônimo de Pessoa, Álvaro de Campos, pela manifestação melancólica em que se dá a obra. Os fragmentos foram escritos até praticamente o final sua vida. No início, há quase 100 anos, ele tinha a ideia de escrever um livro, mas nunca foi capaz de organizá-lo como história, o que se lê é como um diário. Havia sim, ali, a imensidão de uma vida interior inapta para a vida exterior, a realidade como tédio constante, as impressões da querida Lisboa, o tempo e o espaço do coração que se dilacera nas páginas do Desassossego.

“O homem vulgar, por mais que dura lhe seja a vida, tem ao menos a felicidade de não a pensar. Viver a vida decorrentemente, exteriormente, como um gato ou um cão – assim fazem os homens gerais, e assim se deve viver a vida para que possa contar a satisfação do gato e do cão.” (trecho 188)

A maioria das passagens do livro são desconcertantes para os menos avisados e que veem um tom pessimista naquelas frases de puro abatimento e cansaço. O que jorra ali é a total capacidade de sentir a realidade, e por senti-la, cai em sonhos.


“Estou quase convencido de que nunca estou desperto. Não sei se não sonho quando vivo, se não vivo quando sonho, ou se o sonho e a vida não são em mim coisas mistas, interseccionadas, de que meu ser consciente se forme por interpenetração” (trecho 285)

Um livro incômodo, contraditório, ambíguo, quase religioso, quase ateu, moderno e tradicional, escrito entre o sono e o despertar. O absurdo da vida levou diversos autores e filósofos a se debruçarem em questionamentos existencialistas no século passado. Talvez muitas dúvidas pudessem ter sido resolvidas se tivessem tido a oportunidade de ler o livro do ajudante de guarda-livros. Um livro visionário sem querer ser. O livro que nunca foi.


Extraído do sítio Soul Art

DICA: O EVANGELHO DOS LOUCOS

Formato: LIVRO e E-BOOK
2ª ed. - 2011
212 p
Assunto: LITERATURA NACIONAL

Sinopse: Depois que o escritor desapareceu, Glauco Valentim passou a viver enclausurado naquele apartamento. Quando saía, buscava refúgio na miséria do subúrbio. A realidade se tornara cinza, a comida perdera o sabor. Seu velho mundo estava destruído. Talvez o adequado fosse saltar daquela ponte, matar-se, assumindo radicalmente a negação metafísica de Brás, o dono da tabacaria. Claro, era uma possibilidade. Mas outra hipótese ia, aos poucos, insinuando-se na existência de Glauco. Sim, outro tipo de realidade, composta por personagens extravagantes e misteriosos. O Evangelho dos Loucos conduz o leitor pelos caminhos do desespero e da redenção deste protagonista. O desespero de um indivíduo que não consegue identificar o seu lugar na sociedade, e a redenção obtida através da descoberta de verdades esquecidas. Permeado com reflexões a respeito do sucesso, das convenções sociais, da loucura e de Deus, este romance oferece ao leitor outras perspectivas a respeito do mundo. (Clube de Autores)

CONHEÇA OS ESTÚDIOS INTERNACIONAIS DE CINEMA DE HENGDIAN, OS MAIORES ESTÚDIOS DA CHINA

Hengdian faz parte da província Zhejiang, no sul da China. Perto de Hengdian, a uma curta distância de 36 quilômetros, encontramos outra cidade, Yiwu, famosa por produzir toda uma série de produtos e bugigangas que são vendidas um pouco por todo o mundo. Hengdian não chega ao Cinemania, no entanto, devido à sua vizinhança, mas sim porque aí se encontram os famosos Estúdios de Hengdian. Com cerca de 495 mil metros quadrados de área, estes estúdios são os maiores do país e até da Ásia, motivo pelo qual foram considerados a "Hollywood da China" pela revista norte-americana "Hollywood Reporter".


Até ao momento, o investimento feito na construção deste enorme complexo de estúdios de filmagem já alcançou os 3 bilhões yuans, cerca de 5 milhões de dólares. O negócio é controlado por investidores privados e está sob gestão do Grupo Hengdian, fundado em 1975 por Xu Wenrong, o atual presidente da companhia. O estúdio é composto por 13 áreas de filmagens. A "Rua de Guangzhou" foi o primeiro local construído, no ano de 1996, para servir de cenário do longa "A Guerra de Ópio", dirigido por Xie Jin, um famoso diretor chinês nascido na década de 20 do século passado.



"A Guerra de Ópio" passa-se na dinastia Qing e tem como pano de fundo a primeira guerra de ópio, ocorrida entre os anos 1840 e 1842. A trama segue Lin Zexu, um político e ideólogo chinês, que é considerado um herói nacional por liderar a tentativa de proibição do contrabando de ópio em Guangzhou, capital da província de Guangdong, no sul da China. A "Rua de Guangzhou" ocupa cerca de 200 mil metros quadrados de terreno e exibe réplicas de edifícios chineses típicos da época da guerra. Além de "A Guerra de Ópio", foram gravados no mesmo local mais de 100 outros filmes e telenovelas cuja ação decorre no mesmo período.


A Rua de Guangzhou é apenas uma das muitas zonas do estúdio. Há ainda a Rua de Hong Kong , a zona das Casas populares das dinastias Ming e Qing e o Templo Budista. Estes cenários acabam por ser representativos de milhares de anos de história chinesa e evidenciam as diferenças nas técnicas de construção entre o norte e o sul. Especialmente impressionante é o Palácio Imperial Qin (a primeira dinastia chinesa, há dois mil anos atrás). Esse local de filmagem foi construído em 1997 e é um dos três maiores cenários do estúdio, ultrapassando os 110 metros quadrados. Aí foram já dirigidos diversos filmes e telenovelas bem conhecidas, tanto entre os cinéfilos chineses como entre os estrangeiros. Como exemplos podemos citar os filmes "Herói", dirigido por Zhang Yimou em 2002 ou "Reino Proibido", que foi produzido em 2008 e conta com Jet Li e Jackie Chan. A série televisiva do canal TVB, de Hong Kong, "A Step Into The Past", produzida em 2001, foi também aí rodada.



Além destas 13 áreas de características típicas chinesas, foram também construídos no local, em 2000, dois estúdios internos de grande escala. Um desses estúdios possui 1944 metros quadrados de área sendo o maior estúdio do país. As instalações modernas facilitam os trabalhos durante as filmagem e atraíram, devido a isso, famosos diretores e atores que aí escolheram realizar seus projetos. Até agora, os Estúdios Internacionais de Hengdian foram usados por mais de 200 equipas de filmagem que produziram cerca de 4000 trabalhos na área do audiovisual, entre filmes e telenovelas. Estes números ultrapassam os de todos os outros estúdios do país.


Atualmente, os estúdios concentram 305 produtoras cinematográficas do país. No local são organizados o Festival Internacional de Cinema para Crianças e a Exposição Cinematográfica e Telenovelas da China. A popularidade da sétima arte ajuda a impulsionar o desenvolvimento turístico local. No início do século 21, os estúdios foram considerados pela Administração Nacional do Turismo como um dos pontos turísticos de qualidade AAAAA (a classificação superior em qualidade de turismo da China). Segundo dados estatísticos de 2007, cinco milhões de visitantes visitaram Hengdian. Em 2010, esse número subiu até 8,4 milhões de pessoas, o que coloca a região no quarto lugar do ranking dos cem pontos turísticos mais populares da China.



Dentro do estúdio, a representação não é uma tarefa da exclusiva responsabilidade de atores profissionais. Os visitantes podem alugar diversos acessórios e trajes e experimentar entrar no mundo da sétima arte em diversos cenários. Esta medida fortaleceu o turismo nos estúdios e o número de visitantes subiu. Com tanto para ver e tanto para fazer, uma visita a Hengdian é garantia de um momento bem passado, especialmente para os fãs do mundo do cinema e da televisão!




Extraído do sítio da CRI - Rádio China Internacional 

OSCAR 2012 VALORIZA O CLÁSSICO E A FRANÇA AO PREMIAR 'O ARTISTA' - Guilherme Bryan

Durante 100 minutos, um filme mudo e em preto e branco retrata a passagem do cinema silencioso para o sonoro por meio de uma história de amor de dois atores – ele em decadência e ela em franca ascensão. O que se houve é uma belíssima trilha musical e alguns segundos de som. Nada mais do que isso. Algo que poderia soar inimaginável para o cinema do século 21, mas que o talento do diretor Michel Hazanavicius e do ator Jean Dujardin fizeram de “O Artista” a grande sensação do cinema mundial e o grande vencedor do Oscar 2012 - na cerimônia realizada na noite do domingo (26), em Los Angeles.

"O artista", grande vencedor das principais categorias do Oscar 2012, que homenageia o próprio cinema em filme mudo e preto-e-branco (©divulgação)

“O Artista” venceu em cinco categorias das dez a que concorria. Mas levou o que é mais importante para casa – melhor ator, diretor e filme, além de trilha sonora e figurino. Prova de que os membros da denominada academia cinematográfica dos Estados Unidos ficaram encantados por um filme que, acima de tudo, valoriza o passado do cinema e sinaliza para o fato de que ainda há público interessado em lotar as salas de exibição em busca de algo que seja muito mais profundo e significativo do que um mero entretenimento.

Também chama bastante atenção o fato de tratar-se de uma produção majoritariamente francesa. Assim como os discursos, tanto de Hazanavicius como de Dujardim, que prestaram homenagens a dois monstros poucas vezes lembrados do cinema: o diretor Billy Wilder, responsável por clássicos como “Quanto Mais Quente Melhor”, “Crepúsculo dos Deuses”, “Irma La Douce” e “Farrapo Humano”; e o ator Douglas Fairbanks, que imortalizou no cinema heróis como Zorro, Pirata Negro, O Homem da Máscara de Ferro e Robin Hood. Algo bastante sintomático, num ano em que o cinema perdeu uma das últimas divas de sua história, Elizabeth Taylor.

Não se trata aqui de apontar “O Artista” como um merecido e justo vitorioso. Afinal, ele concorria com pelo menos outros dois fortíssimos candidatos, que também se voltam para o passado e tem a França como foco. “A Invenção de Hugo Cabret”, de Martin Scorsese, que presta uma homenagem ao ilusionista francês, um dos pioneiros do cinema, Geórges Méliès - a obra foi premiada com melhores efeitos visuais, edição de som, mixagem de som, direção de arte e fotografia; e “Meia-Noite em Paris”, premiado como melhor roteiro original para Woody Allen, que, como sempre, faltou na cerimônia.

Trata-se sim de uma prova cabal de que, no melhor ano do Oscar, pelo menos na última década, Hollywood mostra-se realmente preocupada com os destinos do cinema, não só em termos de produção, mas também com relação aos potenciais de exibição, num momento em que perde cada vez mais espaço para a exibição doméstica. Não há dúvidas de que “O Artista”, “A Invenção de Hugo Cabret” e “Meia-Noite em Paris” ganham muito mais força se exibidos na tela grande. 

No mais, a festa confirmou os esperados prêmios para a atriz (que já merecia ser hours-concours) Meryl Streep, pela atuação como Margareth Tatcher em “A Dama de Ferro”; e de melhor roteiro adaptado para “Os Descendentes”, em que o ator George Clooney precisa cuidar das duas filhas adolescentes por conta do estado terminal da mãe delas.

O Brasil, mais uma vez, ficou no quase. Únicos representantes do país na premiação, Carlinhos Brown e Sergio Mendes, que concorriam na categoria "canção original" viram a estatueta parar nas mãos dos colegas responsáveis pelo tema principal de "Os Muppets".

Detalhe da cerimônia foi o apresentador Billy Cristal, que apareceu discretamente, exceto pela constrangedora abertura, em que contracenou com Tom Cruise e Justin Bieber.

Confira abaixo todos os vencedores da noite.

Filme – O Artista
Diretor – Michel Hazanavicius – O Artista
Ator – Jean Dujardim – O Artista
Atriz – Meryl Streep – A dama de ferro
Ator coadjuvante – Christopher Plummer – Toda forma de amor
Atriz coadjuvante – Octavia Spencer – Histórias Cruzadas
Filme em língua estrangeira – A separação (Irã)
Animação – Rango
Documentário (longa-metragem) – Undefeated
Roteiro adaptado – Os descendentes
Roteiro original – Meia-noite em Paris
Fotografia – A Invenção de Hugo Cabret
Direção de arte – A Invenção de Hugo Cabret
Figurino – O Artista
Maquiagem – A Dama de Ferro
Edição – Os Homens Que Não Amavam as Mulheres
Edição de som – A Invenção de Hugo Cabret
Mixagem de som – A Invenção de Hugo Cabret
Efeitos Visuais – A Invenção de Hugo Cabret
Trilha Sonora Original – O Artista
Canção Original – “Man On Mupper”, de “Os Muppets”
Curta-metragem – The Shore
Documentário (curta-metragem) – Saving Face
Curta-metragem de animação – The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore

Extraído do sítio Rede Brasil Atual

NOSSA LÍNGUA, NOSSA ALMA - Ivan Lessa


Começou tudo de novo. Passou uns tempinhos e o pessoal, preocupado com bullying e fashion weeks, voltou à carga trazendo à baila para o baile aquela festança que abundou no Barsil (ou é Brisal? Vivo confundindo o nome do país) as alegrias de fazer cara feia e apontar o dedo para o politicamente incorreto.

Está nas folhas e em despacho oficial. O Ministério Público Federal quer retirar de circulação exemplares do dicionário Houaiss, sob alegação de que a obra contém referências “preconceituosas” e “racistas” contra ciganos.

Estes, por sua vez, sempre segundo o noticiário, nada têm a dizer sobre o assunto.

Algum zíngaro (êi, “seu” Ministério, zíngaro pode?) foi consultado a respeito? Uma delegação compareceu à sede do Ministério Público Federal para dar queixa?

Nem me ocorre indagar se a Academia Brasileira de Letras foi consultada. Os acadêmicos estão mais ocupados brincando com suas espadinhas fantasiados de imortais franceses nos altos edifícios de sua indiferença ao que fazem em nome da língua que já foi portuguesa do Brasil e, agora, com seu aval, estende seus tentáculos para com Portugal e colônia menores, pois a reforma, que eles gostam de chamar de “acordo ortográfico”, dá um dinheirão para a indústria do livro e aqueles – como os “imortais” – que dela vivem.

Desconfio que o dicionário Houaiss pisou nos calos de algum figurão com uma espada maior e mais mortífera do que as outras. No entanto, fui conferir e lá está mesmo, no Houaiss, constando ainda as acepções “zíngaro”, “vida incerta e errante”, “boêmio, “vendedor ambulante”, “mascate”. Tsk, tsk, tsk.

A notícia com que me ocupo hoje não aconteceu (é preciso escrever sobre como se anda usando esse verbo de uns anos para cá) entre os chamados “alfabetizados” do país. Esses estão mais preocupados com BBBs e a eterna questão do “denegrir a imagem do país no estrangeiro”.

Voltando ao Ministério Público Federal: em nota oficial, ele argumenta que, em versões eletrônicas, o Houaiss chega a definir “cigano” como “aquele que faz barganha”, “esperto no negociar” e “apegado ao dinheiro, agiota, sovina”.

O Houaiss diz isso mesmo. Algumas páginas eletrônicas e gutemberguianas adiante, na letra jota, lá está outra infâmia, digo apontando o dedo duro que Deus ou Jeová me deram: na entrada referente a “judeu”, além de dar a definição mais aceita (“indivíduo da tribo de Judá”), acrescenta ainda, cuidando de avisar que é uso pejorativo, que a palavra pode ser empregada também no sentido de povo nômade, cigano (é, cigano) e – horror dos horrores – “pessoa usurária, avarenta”.

“Judiaria”, em seu sentido figurado, também está exposta à visitação pública, Que coisa, hem, sô!

Mas a ação da Procuradoria proposta em Uberlândia (MG) pede a supressão dos termos e o pagamento, pela editora Objetiva e o Instituto Antônio Houaiss, de R$ 200 mil de indenização por “dano moral coletivo”.

Segundo a Procuradoria, a atribuição viola o artigo 20 da Lei 7.716/89, que tipifica o crime de racismo. O Instituto informou que o diretor Mauro Villar, que poderia falar sobre o assunto, está fora do Brasil. Será ele um “cigano”, na melhor acepção do termo, se essa tiver sido poupada?

Enquanto isso, na ABL, há farta distribuição de jetons e é servido um chazinho com biscoitos importados e pão de leite.

Uma rápida conferida em outras páginas do Houaiss me informa que “racismo” é o “conjunto de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre as raças, entre as etnias.”

E “veado”, além do mamífero ruminante é também usado para se referir a homossexuais do sexo masculino.

Mais: “preto” diz-se de uma “pessoa que pertence à raça negra”. E que “crioulo” pode ser “cria ou escravo que ...” – segurem-se – “... ou quem é nascido no Brasil” e ainda acrescentam “diz-se de qualquer negro”.

Fascismo? Pois não. Lá está consignado direitinho: “Tendência para o exercício de forte controle autocrático ou ditatorial”.

Extraído do sítio da BBC Brasil

28 de fevereiro de 2012

DICA: REVISTAS DE INVENÇÃO: 100 REVISTAS DE CULTURA DO MODERNISMO A ATUALIDADE

Formato: LIVRO
Autor: SERGIO COHN
Editora: AZOUGUE EDITORIAL
1ª ed. - 2011
248 p
Assunto: LITERATURA BRASILEIRA - MODERNISMO


Sinopse: Novo livro de Sergio Cohn reconstitui a história dos periódicos artísticos e culturais brasileiros.
Dentre os valores exaltados pelos futuristas italianos, comandados por F. T. Marinetti (1876 - 1944) nas primeiras décadas do século XX, dois se lançavam contra ideais que, por muito tempo, acompanharam as artes ocidentais. O dinamismo, o gosto pela renovação constante, ia de encontro às tradições sólidas, à reverência aos clássicos; e a velocidade, mais parecia o avesso da almejada imortalidade das obras.
As vanguardas que se seguiram à futurista se balizavam entre estes dois valores. Os artistas enxergaram na imprensa, no formato de jornais, mas, sobretudo, das revistas, um canal privilegiado. Mais eficiente, mais simples e mais barato de se produzir. A efemeridade que era própria aos periódicos seria usada a favor de seus autores.
Não é à toa que o período modernista foi escolhido pelo poeta e editor Sergio Cohn para servir de ponto de partida de seu "Revistas de Invenção: 100 revistas de cultura do modernismo ao século XXI". O livro é uma espécie de compêndio que lista, descreve e comenta uma centena de publicações culturais. Poucas são jornalísticas. A maioria trazia ilustrações, poemas, ficções, ensaios e críticas, experimentos e cartas de intenções dos movimentos artísticos.
Como o próprio faz questão de ressaltar, o modernismo não inaugura as revistas literárias no País. Contudo, é quando este gênero parece crescer em importância. Cohn não diz diretamente, mas seu livro mostra que é possível distinguir uma linhagem de revistas que ainda tomam o modelo dos modernos como referência. São elas, aliás, o fio condutor do livro - as tais "revistas de invenção", em que se privilegia o experimentalismo, a criação do novo.
"A revista é um veículo importante para jovens artistas, escritores, poetas e críticos", explica Sergio Cohn. "Pense no caso do cinema brasileiro, que tem vivido um período de efervescência. Ele tem sido acompanhado por jovens críticos. O melhor espaço para eles aparecerem são nas revistas. O livro ainda é difícil e, muitas vezes, eles não têm nomes consolidados que abram espaço na mídia tradicional. A revista é importantíssima para essa renovação, tanto de geração, quanto da linguagem", ilustra.
Os blogs, sites e revistas eletrônicas, reconhece Cohn, desempenham papel importante nesta renovação. Ainda assim, segundo o pesquisador, não se deve pensar numa substituição do formato impresso. "A memória é um ponto a ser colocado. No livro, você vê revistas de 90 anos, mas quanto tempo um blog vai estar disponível? Corremos o risco de que uma grande parte da produção cultural se perda em médio prazo", avalia.
"A verdade é que esse recorte não é tão justificável assim", confessa o autor. "Melhor seria ter tomado da vinda da Família Real (em 1808) para cá, quando foram instaladas as primeiras gráficas e tivemos os primeiros resultados de revistas brasileiras. No pré-romantismo, romantismo, simbolismo já tínhamos revistas literárias", explica.
Contudo, o ideal bateu de frente com a dura realidade da pesquisa histórica no Brasil. Sergio Cohn encontrou um sem número de dificuldades. A bibliografia específica foi, talvez, a menor delas. Difícil mesmo era encontrar exemplares e informações precisas sobre revistas menos conhecidas. Cohn explica que, diferente dos livros, as revistas não são facilmente encontradas nos acervos das bibliotecas públicas, o que obriga os pesquisadores a apelar pela boa vontade dos colecionadores particulares. O esforço do pesquisador, no entanto, salta aos olhos. Cohn não reduziu o País a seus centros editoriais. São Paulo e Rio de Janeiro até contam com mais publicações incluídas no livro, mas não faltam seus pares de diversos estados. Caso de Bahia Invenção, com poemas de escritores baianos; Norte, editada no Pará; e O Saco, do grupo cearense homônimo.
O empenho de Cohn não foi apenas profissional. Afinal, a pesquisa tornou-se, também, uma questão pessoal. "A pesquisa do livro tem duas motivações básicas: uma ligada ao projeto que realizei no Ministério da Cultura (quando Cohn foi convidado para pensar políticas de incentivo aos periódicos culturais e artísticos) e outra, pessoal. A primeira foi uma exigência minha: expliquei que não era possível pensar num edital para as revistas culturais sem pensar historicamente a questão e trazer isso a público", conta. A questão pessoal nasce de uma iniciativa de Cohn, que criou, em 1994, a revista Azougue e sentiu falta de referências para sua empreitada. "O vazio histórico atrapalha muito pensar as inovações. É como se você fosse criar tudo do zero. A partir daí, comecei a construir privadamente minha biblioteca de revistas. E me interessei de pensar a história delas". (Diário do Nordeste)

RECANTOS DA CIDADE: LAMI, UMA PRAIA PARA OS PORTO-ALEGRENSES - Francisco Ribeiro


A viagem até o bairro Lami é longa, cerca de uma hora e trinta minutos, se feita de ônibus, linha 267, a partir da Borges de Medeiros, no Centro de Porto Alegre. Mas o trajeto é bastante ilustrativo sobre a desordenada ocupação de uma parte sul da cidade, especialmente o trecho que vai da Cavalhada a Restinga que, nos últimos 40 anos, deixou de ser uma zona semi-rural para transformar-se num aglomerado de prédios comerciais e condomínios habitacionais, destinados, principalmente, as classes populares e médias.

Contudo, a partir da Restinga, a região preserva as características rurais, pré-especulação imobiliária, com muitas chácaras e fazendolas, até chegar ao Lami, com seu aspecto de vila e suas ruas transversais de terra, casinhas simples e pátios arborizados, e que abriga uma população de cerca de três mil pessoas.


A praia do Lami possui cerca de 1500 metros e pode ser divida em duas partes: do calçadão, que vai da Rua Nova Olinda até a ponte; depois, numa extensão de cerca de 600 metros, uma faixa de areia, onde fica a praia propriamente dita.

O primeiro trecho, bem a beira d’água, guarda o seu aspecto primitivo de banhado e juncais. Essa linha de vegetação natural é precedida por uma longa faixa de grama e chorões, transformada em área de lazer, equipada com sanitários, e muitas churrasqueiras utilizadas, principalmente, pela população de baixa renda oriunda de bairros próximos, como a Restinga.


Além da praia – cuja análise da água, regularmente efetuada no laboratório do DMAE, indica ser própria para banhos –, outra atração do Lami é a sua reserva biológica de 169 hectares. Ela garante a preservação da flora e de uma fauna constituída por espécies como: jacarés do papo amarelo, capivaras, bugios e, submersas, algumas lontras.

A faixa destinada aos banhistas, entretanto, deixa a desejar pelo lixo que se acumula na areia. Ele é constituído por dejetos de banhistas relaxados que largam suas garrafas pets e restos de farofa e, também, por restos de oferendas aos deuses afros que religiosos colocam junto à água. “Já desenterrei muita galinha de despacho. Fora isto, impedimos que algumas pessoas lavem cavalos ou entrem com seus cachorros na água”, diz o soldado Roberto Costa, há dois anos lotado como salva-vidas na praia do Lami e que, nesta temporada, realizou apenas dois salvamentos: “é muito tranquilo, nada comparado ao mar”, salientou.

Também o aposentado Alcides Martins – residente em Canoas e que junto com a mulher, Júlia, costuma frequentar a praia – reclama da sujeira: “a prefeitura deveria cuidar melhor da limpeza da faixa de areia, isso tornaria o lugar mais atraente”. E acrescenta que, embora não deixe de tomar banho, não chega a sentir confiança na qualidade da água: “o chão parece pegajoso”.


Quanto à última observação de Martins, vale ressaltar que a maioria das pessoas, hoje, desconhece ou desaprendeu as características do Guaíba, e o primeiro contato pode causar estranhamento. O leito é lodoso e isso deixa desconfiado quem não está acostumado com esse tipo de terreno, mas é apenas barro. No mais, o fluxo constante em direção a lagoa dos Patos deixa a água fresca, convidando a mergulhos e braçadas, sob os olhares, numa cerca próxima, de bois e vacas.

A praia do Lami, nos finais de semana do verão, costuma receber, às vezes, cerca de três mil pessoas. Embora a maioria prefira trazer o lanche de casa, há algumas biroscas no local oferecendo comidas e bebidas a valores não tão salgados, pois a clientela é humilde.


Por outro lado, quituteiras do bairro e adjacências ajudam a manter especialidades culinárias antigas, encarregando seus filhos de venderem, a preços módicos, fatias de bolos, pastéis, picolés caseiros, rapadurinhas, refrescos.

Guloseimas que podem ser saboreadas em redes armadas a sombra dos chorões, com vista para o espelho d’água e a ponta de Itapuã, numa atmosfera de piquenique que já foi comum a todas as praias do Guaíba até os anos 1960, e que no Lami permanece. Afinal, como gostam de brincar alguns frequentadores: “trata-se de um pequeno paraíso frequentado por pobres’. Ou seja, o Lami, enquanto espaço, ao contrário de certas áreas degradadas da cidade, não precisa ser reinventado, apenas preservado, o que já não é pouca coisa.

* Texto e Fotos: Francisco Ribeiro

Extraído do sítio do Jornal Já

27 de fevereiro de 2012

LIMA BARRETO E O REFÚGIO DOS INFELIZES - Adelto Gonçalves*

Não se pode dizer que a reedição de Clara dos Anjos, de Lima Barreto (1881-1922), que narra as desventuras de uma adolescente pobre e mulata, filha de um carteiro, seduzida por um malandro branco, apesar das cautelas familiares, seja uma boa oportunidade para se reavaliar o conceito emitido por antigos críticos segundo o qual este romance que não estaria à altura da melhor produção de seu autor. Não está mesmo. Se não constitui um romance de todo falhado, a verdade é que, se comparado com os de Machado de Assis (1839-1908), cujas origens sociais são idênticas às de Lima Barreto, este livro deixa a desejar em alguns aspectos, inclusive, em certa pobreza vocabular, ainda que seja fundamental conhecê-lo para se entender a grandeza de toda a obra do autor.

Publicado postumamente em folhetim entre 1923 e 1924 e em livro em 1948, Clara dos Anjos, provavelmente, ainda passaria várias vezes pela lima horaciana de Lima Barreto, não tivesse o autor uma vida tão breve e interrompida aos 41 anos de idade por um colapso cardíaco depois de impiedosamente minada pelo alcoolismo. Fosse como fosse, o certo é que a trajetória de uma mulata jovem moradora nos subúrbios do Rio de Janeiro do começo do século XX foi uma ideia que perseguiu Lima Barreto desde cedo, exatamente desde 1904, quando começou a tentar colocar em pé o esqueleto desse romance. Levou quase vinte anos nessa luta e, quando morreu, ainda estaria às voltas com o romance.

De fato, a obra traz algumas descrições que, mesmo hoje, quando o Rio de Janeiro está totalmente desfigurado em relação ao que era há um século, graças às picaretas de uma falsa modernidade que não respeita nada e só leva em conta os lucros das construtoras e incorporadoras que seguem sempre montadas à ignorância cavalar dos governantes, seriam perfeitamente dispensáveis, pois tiram um pouco o ritmo da trama. Uma trama cujo desfecho está anunciado desde as primeiras páginas: a de que a jovem mulata haveria de sucumbir à lábia do malandro carioca suburbano, de nome Cassi Jones, entregando-se a ele para, logo em seguida, ser rejeitada. E condenada a criar um filho sem pai. 

Já o sedutor Cassi é pintado com tintas pouco carregadas. Contra ele, vê-se apenas que é um incorrigível galanteador de donzelas pobres, mas, ao contrário de outras personagens, não é dado ao vício da bebida. De pele sardenta e cabelos claros, pouco afeito ao trabalho, Cassi serviria hoje mais para compor um personagem comum na cena política brasileira: o malandrão de poucos estudos que, graças à lábia, sabe como convencer amigos, conhecidos e até multidões para, assim, galgar espaço na vida sem muito esforço. São tipos comuns hoje no sindicalismo e nos partidos políticos.

Apesar de tudo o que se escreveu aqui, é claro que Clara dos Anjos constitui um texto-chave para se entender a obra do criador de Triste fim de Policarpo Quarema, autor de cabeceira e inspirador de outro escritor que procurou retratar a vida dos proletários e marginais que habitam as periferias das grandes cidades brasileiras, João Antonio (1937-1996). Além disso, esta nova edição pela Companhia das Letras traz notas explicativas a cargo de Lilia Moritz Schwarcz e Pedro Galdino, que se tornam fundamentais para a compreensão de alguns trechos e para a localização de determinados logradouros que no Rio de Janeiro desfigurado de hoje já não existem. 

Sem contar que os editores tiveram o bom senso de reproduzir a introdução escrita por Lúcia Miguel Pereira (1901-1959), publicada originalmente na edição de Clara dos Anjos de 1948 pela editora Mérito, e o prefácio de Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), que saiu na edição de 1956 preparada pela editora Brasiliense. E ainda encomendar uma apresentação à crítica literária Beatriz Resende, professora titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro e especialista na obra de Lima Barreto, que não só elucida muitas passagens do romance e aspectos da escrita do autor como traça um panorama do que foi a rejeição sofrida pelo romancista/jornalista a uma época em que o Brasil vivia um regime de apartheid disfarçado.

Apartheid, aliás, que pôde ser superado por alguns poucos afrodescendentes que não só tiveram engenho para adquirir fortuna e prestígio social como por aqueles que souberam ascender socialmente por meio da aquisição de cultura e conhecimento. Entre esses, podemos citar não só Machado de Assis, que procurou seguir caminho inverso de Lima Barreto, saindo do morro do Livramento para viver em bairros de classe média e abastada, depois de conquistada uma boa posição na burocracia estatal, como ainda por pelo menos dois presidentes da República, Campos Sales (1841-1913) e Nilo Peçanha (1867-1924), ambos com visíveis traços fenótipos de descendência africana. Todos, obviamente, graças à riqueza familiar e ao prestígio social, tornaram-se "homens invisíveis", para se citar aqui Invisible Man (1952), romance do norte-americano Ralph Ellison (1914-1994).

É de lembrar que, no Brasil, o dinheiro sempre teve o poder de "embranquecer" pessoas que, quando bem postas na vida, sempre tratavam de "esquecer" as origens. Ainda na década de 1980 - não faz tanto tempo assim... -, alguns senadores e deputados fugiam de qualquer reportagem que pretendesse fazer alguma referência a suas origens raciais. Bem situados no poder, o que menos queriam lembrar era que carregavam sangue africano ou indígena nas veias.


Não foi o caso de Afonso Henriques de Lima Barreto, nascido no Rio de Janeiro, filho do tipógrafo João Henriques e da professora Amália Augusta, ambos mulatos. Seu padrinho era o visconde de Ouro Preto, senador do Império. A mãe, escrava liberta, morreu precocemente, quando ele tinha seis anos. As marcas desse período da história brasileira, que inclui a abolição da escravatura em 1888, sempre ocuparam o centro da obra literária de Lima Barreto, que procurou denunciar o preconceito racial e a difícil inserção de negros e mulatos na sociedade brasileira.

Lima Barreto sempre preferiu o subúrbio, o "refúgio dos infelizes", território que passara a abrigar "os que perderam o emprego, as fortunas, os que faliram nos negócios". Mas, ao contrário do pobre que só entraria triunfalmente no romance brasileiro na década de 1930 cheio de solidariedade com o próximo - inspirado pelas idéias socialistas e comunistas -, os pobres de Lima Barreto são "feios, sujos e malvados", para lembrar aqui um filme de Ettore Scola.

Nada solidário, quem é um pouco mais branco já olha o mais escuro com desdém. A família cujo patriarca - geralmente, funcionário público - ganha um pouco mais já encontra motivos para menosprezar aquela que vive em maiores dificuldades. A família de Cassi, por exemplo, fazia questão de se mostrar superior às demais no subúrbio porque teria tido um ascendente importante. Isso era comum no Brasil: não havia família de descendentes de portugueses que, ao enriquecer, não tratasse de recorrer à arte da heráldica. Mais tarde, quando um dos rebentos ia a Portugal em busca de terras e brasões, geralmente, descobria que pais, avós ou bisavós nunca passaram de aldeões que se haviam atirado ao mar para escapar da pobreza.

Diz Sérgio Buarque de Holanda que Lima Barreto nunca conseguiu reunir forças para vencer, "ou sutilezas para esconder, à maneira de Machado, o estigma que o humilhava". Pelo contrário. Em seus contos, romances e artigos de jornal ou revista, há vários exemplos de críticas ao comportamento larvar de alguns mestiços diante de brancos.

Diante disso, não foi à toa que Lima Barreto também encontrou obstáculos quando tentou ascender na república literária, ainda que a casa principal que abrigava a intelectualidade da época tivesse sido fundada exatamente por Machado de Assis. Intelectual versado em Humanidades, que por pouco não se formara engenheiro - a loucura que acometeria o seu pai o obrigaria a ganhar o sustento para a família -, Lima Barreto procurou por mais de uma vez alcançar o reconhecimento de seu talento por aquela sociedade ainda escravocrata no pensamento, ao candidatar-se sem êxito a uma vaga na Academia Brasileira de Letras.

Ainda no prefácio de 1956, Sérgio Buarque de Holanda recorda uma observação de Astrojildo Pereira (1890-1965) segundo a qual Lima Barreto pertenceria à categoria dos "romancistas que mais se confessam", isto é, daqueles que menos se escondem e menos se dissimulam. É o que se constata também nos registros de seu Diário íntimo, iniciado em 1900, que reúne impressões sobre a vida urbana do Rio de Janeiro.

Lima Barreto começou sua colaboração mais regular na imprensa em 1905, quando escreveu reportagens publicadas no Correio da Manhã, sobre a demolição do Morro do Castelo, no centro do Rio, consideradas um dos marcos inaugurais do jornalismo literário brasileiro. Dele são ainda os romances Recordações do escrivão Isaías Caminha e Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá.

O primeiro saiu em folhetim na revista Floreal, em 1907, e em livro em 1909 e o segundo seria publicado apenas em 1919. No primeiro romance, o jornal Correio da Manhã e seu diretor de redação são retratados de maneira impiedosa, ao que parece como uma espécie de vingança por seu autor ter sido maltratado. Provavelmente, Lima Barreto teria recebido como pagamento um salário tão miserável que não daria sequer para pagar uma dose diária de parati. Teve, então, seu nome proscrito na grande imprensa carioca.

O escritor publicou ainda crônicas, contos e peças satíricas em veículos como o Diabo, Revista da Época, Fon-Fon, Careta, Brás Cubas, O Malho e Correio da Noite. Colaborou também com o ABC, periódico de orientação marxista e revolucionária. Em 1911, escreveu e publicou Triste fim de Policarpo Quaresma em folhetim do Jornal do Commercio. Levando-se em conta a precariedade dos jornais e revistas da época, é de imaginar que escrevesse apenas pelo prazer da polêmica ou pelo fascínio da letra impressa. Afinal, se nos dias de hoje a grande imprensa costuma não pagar nada aos seus articulistas-colaboradores, só um tolo poderia imaginar que há cem anos teria sido diferente.

Publicou ainda Numa e ninfa (1915) e Histórias e sonhos (1920). Postumamente saíram Os bruzundangas e as crônicas de Bagatelas e mafuás.

CLARA DOS ANJOS, de Lima Barreto, com apresentação de Beatriz Resende, introdução de Lúcia Miguel Pereira, prefácio de Sérgio Buarque de Holanda e notas de Lilia Moritz Schwarcz e Pedro Galdino. São Paulo: Penguin & Companhia das Letras, 2012, 304 págs. Site: www.companhiadasletras.com.br

* Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira(Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br

Extraído do sítio do Pravda

DICA: 1922 - A SEMANA QUE NÃO TERMINOU

Formato: LIVRO
Autor: MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS
1ª ed. - 2012
376 p
Assunto: LITERATURA BRASILEIRA


Sinopse: Numa narrativa fluente, elegante e crítica, que mescla linguagem jornalística e relato histórico, o jornalista Marcos Augusto Gonçalves dá vida aos personagens e descreve as famosas jornadas que animaram o Teatro Municipal nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, durante o festival que ficou conhecido como Semana de Arte Moderna. Ao mesmo tempo em que reconstitui passo a passo o evento, o autor despe o episódio de mitos que o foram cercando ao longo do tempo: desde certas fantasias triunfalistas associadas a uma espécie de superioridade paulista na formação da cultura moderna brasileira, até as versões que, ao contrário, insistem em diminuir a importância histórica dos festivais encenados pelos rapazes modernistas e patrocinados pela elite econômica da emergente Pauliceia.Nesse sentido, o livro incorpora críticas que têm sido feitas, desde a década de 1980, a algumas “verdades” consagradas pela historiografia e pelo senso comum. Como a ideia de que a arte e a literatura dos anos que antecederam a Semana seriam apenas acadêmicas ou passadistas, resumindo-se, quando muito, a manifestações de caráter pré-modernista.
O autor procura reavaliar a participação do Rio de Janeiro naqueles anos de formação da modernidade artística, e inscreve os jovens personagens de 1922 numa rede de relações pessoais ampla e complexa - na qual trafegam oligarcas, playboys, mecenas, mulheres fatais, imortais da Academia e poetas “passadistas”.
Com base em ampla pesquisa, extensa bibliografia e entrevistas com especialistas, o livro - que também traz fotos e reproduções - é acessível ao leitor que se inicia no assunto, mas não deixará de despertar o interesse do meio acadêmico.
O título, como explica o autor, surgiu num chiste: “É uma paródia, uma espécie de blague quase oswaldiana a partir dos títulos de dois brilhantes best-sellers escritos pelos jornalistas Zuenir Ventura e Laurentino Gomes. Espero que me perdoem”. (Companhia das Letras)

PEGANDO UM BRONZE EM BEAGÁ - Humberto Werneck

Monumento à Civilização Mineira, obra do escultor italiano Giulio Starece, homenageando Bandeirantes e Inconfidentes, e inaugurado em 1930
Foi-se o tempo em que, batidas as botas, o cidadão notável era moldado em bronze e posto a pairar acima dos viventes, no topo de um pedestal. Em Belo Horizonte, pelo menos, não se usa mais. Lá, independentemente de a alma ter subido ao Céu ou baixado ao Inferno, o camarada está hoje condenado ao purgatório do rés-do-chão, com todos os inconvenientes que daí decorrem, inclusive a sem-cerimônia dos cachorros em demanda de poste. 

Talvez mais do que em outras cidades brasileiras, em Beagá parece ter vingado a moda da estátua pedestre. Embora menos que o pessoal de carne e osso, sua população brônzea não para de crescer. Dela faz parte, para começar, nosso maior poeta, que, desconfio, não deve estar gostando nada da berlinda. Não lhe bastasse ter sido chumbado a um banco na praia de Copacabana, onde volta e meia lhe afanam os óculos, na capital mineira Carlos Drummond de Andrade foi condenado a estar de pé no degradado Centro da cidade, a poucos metros da rua da Bahia que ele tanto palmilhou na mocidade. Menos mal que tenha ali, como teve em vida, a companhia do memorialista Pedro Nava, também ele antigo habituê da região, ambos um tanto escurecidos. Como lembra o escritor Jaime Prado Gouvêa, outro que corre o risco de virar estátua: aqueles dois pegaram um bronze.

Menos sorte teve a poeta Henriqueta Lisboa, a quem a posteridade reservou a solidão num canto de praça na Savassi, não longe, aliás, de sua penúltima morada. De pé ao lado de um tufo de vegetação, sua figurinha ficou ainda mais frágil. Indiferente ao mafuá etílico-musical em que o lugar se transforma nas manhãs de sábado, Henriqueta, talvez por falta de companhia para papear, tem nas mãos um livro aberto. Já o romancista Roberto Drummond, noutro canto da praça, não lê nem papeia: segue batendo pernas pela Savassi. Se em vida se recusava a revelar a idade, tem agora o consolo de estar estacionado, não só no chão como no tempo. De tanto que o tocam, apalpam e abraçam, o Roberto está cada vez mais brilhante.

É esse o problema da estátua pedestre: jazer, desfrutável, ao alcance da irreverência de quem passa. Numa terça-feira de Carnaval, fui ver na praça da Liberdade o grupo de estátuas dos chamados Cavaleiros de um Íntimo Apocalipse — e dei com um bebum aconchegado de comprido no colo gélido porém acolhedor de Fernando Sabino e Otto Lara Resende, os dois ficcionistas do célebre quarteto, sob as vistas dos poetas Hélio Pellegrino e Paulo Mendes Campos. Fiz uma foto que o Estado de Minas publicou. Mais tarde transferiram a turma para a entrada da Biblioteca Pública, local talvez à prova de desfrute.

A verdade é que em Belzonte a vida das estátuas, seja ao rés-do-chão, seja nas alturas, não tem sido fácil. E não é de hoje. No começo do século XX, a mulher do governador Francisco Salles se horrorizou com a nudez de três ninfas de mármore branco italiano que adornavam um laguinho da praça da Liberdade, e mandou trancafiá-las no almoxarifado da Prefeitura, onde as pétreas senhoritas amargariam quatro décadas de exílio. Não só elas. Vista por alguns como dama de costumes pouco recomendáveis, em 1926 Anita Garibaldi foi removida da praça Rui Barbosa para locação mais discreta, no Parque Municipal, onde está até hoje. 

Causou celeuma também o nu masculino que desde 1930 se exibe no Monumento à Civilização Mineira, na mesma praça, bandeira desfraldada em punho. Encomendada ao escultor italiano Giulio Starace, a estátua já ia ser fundida em bronze em São Paulo quando o governador Antônio Carlos mandou ver se tudo estava nos conformes. Não estava, constatou o emissário, a quem genitália do musculoso anônimo pareceu inadmissível. O pobre Starace tentou defender a integridade anatômica de sua criatura, mas teve que entregar os pontos — e providenciais ventos da moral montanhesa fizeram tremular a bandeira, drapeando-a de modo que uma das pontas, jogada contra o baixo ventre, se encarregasse de ocultar a indecorosa prenda. A Civilização Mineira estava salva.

Crônica integrante do livro "Esse Inferno Vai Acabar", Humberto Werneck, Arquipélago Editorial, 2011.


Extraído do sítio Alguma Poesia 

MARATONA CULTURAL 2012 VAI CELEBRAR O ANIVERSÁRIO DE FLORIANÓPOLIS

Da música à dança, passando pelo cinema, teatro, artes plásticas e intervenções urbanas. Estes são os elementos que compõem o pacote eclético de atrações da segunda edição da Maratona Cultural de Florianópolis. Nomes consagrados no cenário nacional como Mutantes e o grupo de teatro “Clowns de Shakespeare” integração a programação. Foto: Paulo Luis Cordeiro


Foi lançada oficialmente nesta quinta-feira (23), no Auditório da Secretária de Estado do Turismo, Cultura e Esporte, a edição 2012 da Maratona Cultural de Florianópolis. O evento, que movimentará pela segunda vez a classe artística de Santa Catarina, será realizado nos dias 23, 24 e 25 de março, e terá neste ano mais pontos de apresentações.



A edição 2012, que celebrará o aniversário de Florianópolis, levará para diferentes endereços uma vasta e diversificada programação artística, completamente gratuita, com artistas de diversas regiões de Santa Catarina, bem como oriundos de outros Estados e até mesmo da Argentina. Uma das novidades apresentadas foi o crescimento geográfico do evento, que passa a ter 30 pontos de atuação, com apresentações e intervenções na Praça de Canasvieiras, no Teatro Governador Pedro Ivo, na Galeria Flávia tronca, no cinema do CIC e na pista de skate da Trindade, além dos endereços da edição anterior.

Para o Secretário de Estado do Turismo, Cultura e Esporte, César Souza Junior, a Maratona Cultural comprovou ser um evento, que pela sua grandiosidade e sua qualidade, veio para ficar no calendário da cidade e do Estado. “Conseguimos envolver toda a área cultural de Florianópolis e quando a sociedade abraça um evento como este, ele vira uma causa social. Por isso, tenho certeza que a edição de 2012 será mais um sucesso, mais uma alegria para a população”, diz.

Os curadores da Maratona Cultural 2012, que irão selecionar as mais de 400 inscrições de grupos artísticos, peças de teatro, filmes, bandas e músicos, e demais manifestações culturais são: Lígia Gastaldi e Emerson Gasperim (Música), Marisa Naspolini (Teatro), Marta César (Dança) e Guto Lima (Cinema).

As atrações selecionadas pela equipe de produtores também prometem mobilizar um diversificado público. Nomes tradicionais da música catarinense como Dazaranha, Reino Fungi, Samba aí, Marujo Cogumelo e Guinha Ramires integram a programação de 63 shows de música durante os três dias do evento. Nomes como Lenine, Mutantes, Neguinho da Beija-Flor e Edgar Scandurra (ex- Ira) completam a escalação musical.

Esta segunda edição da Maratona Cultural de Florianópolis também terá uma atração internacional. A dança recebe os argentinos da Luis Garay e cia, que trazem para a capital catarinense seu espetáculo de dança contemporânea. Juntam-se a eles outras 30 apresentações de grupos catarinenses que serão realizadas em diferentes pontos da cidade.

Maratona Cultural de 2011 - Parque de Coqueiros
A primeira edição da Maratona Cultural foi realizada em novembro, reunindo um público total de 120 mil pessoas, em 25 endereços, com 230 apresentações de diversas artes, mais de 670 artistas locais e nacionais, num total de 36 horas de programação. O comparecimento em massa do público aos espetáculos, peças e demais atividades artísticas propostas foi o principal fator motivador para a realização da segunda edição, que realizada junto ao aniversário de Florianópolis, promete ser ainda mais grandiosa.

O evento, que é uma iniciativa da Secretaria do Estado de Turismo, Cultura e Esporte, Florianópolis Convention e Visitors Bureau junto com a Harmônica Arte e Entretenimento, levará para os quatro cantos da ilha uma vasta e diversificada programação artística, completamente gratuita. E para esta nova edição, algumas novidades já estão confirmadas, como o aumento no número de palcos e endereços contemplados com as apresentações, que também será ainda mais numerosas que na edição estreante.


Sítio: www.maratonacultural.com


Extraído do sítio Portal da Ilha

O OSCAR NA PERIFERIA DO MUNDO: ERA UMA VEZ UM IMPÉRIO QUE FAZIA CINEMA - Oscar Guisoni



Os prêmios da Academia de Hollywood foram entregues pela primeira vez no dia 16 de maio de 1929. O contexto político e social não pode ser mais significativo: faltam apenas alguns meses para o grande Crack de outubro, os Estados Unidos vive montado na maior bolha especulativa de sua história, a Europa se contorce no caos sob os efeitos das crises políticas que afetam a maior parte de seus países e, na periferia do mundo, poucos sabem ainda o que significa a palavra Hollywood, embora muitos já tenham percebido na própria pele em que consiste o novo poderio norte americano.

O prêmio de melhor filme coube a Wings, um melodrama de William Wellman sem nenhuma importância cinematográfica hoje em dia, mas cuja história se mostra reveladora do papel que jogou o cinema norte americano ao longo da maior parte do século XX. O filme conta a história de dois homens (Jack Powell e David Armstrong) confrontados pelo amor de uma mulher (Jobyna Ralston), até que estoura a Primeira Guerra Mundial e os sentimentos patrióticos se colocam acima das disputas amorosas. No final, todos terminam contentes e felizes, os homens compreendem que não existe mulher que valha mais que a amizade que se estabelece entre eles na frente de guerra e matar o inimigo é mais importante que qualquer ciúme doméstico. 

Desde que sintetizou sua extraordinária maneira de narrar, no começo do século XX, baseada na síntese extrema dos relatos, a importância das imagens acima dos textos e na construção de heróis de fácil assimilação pública, o cinema americano cumpriu dois papéis de vital importância em nível político: enviou uma mensagem de unificação nacional à convulsionada América da época, construindo uma potente mitologia patriótica e estabeleceu um modelo ideal de relato impregnado de densos valores morais, que seria estabelecido como padrão de um modelo de contar as histórias na periferia do mundo. O novo império político e econômico havia encontrado no cinema um instrumento de poder soft de primeiríssima importância. 

Ao glamour das novas estrelas, que começariam a brilhar com mais força a partir do cinema sonoro em 1930, se oporia, após 1933, um relato muito mais tosco e menos soft: a delirante propaganda nazista instrumentalizada por Joseph Goebbels. Como Hollywood, Goebbels também pretendia criar heróis e exaltar os valores patrióticos. Mas não tinha em conta que os principais recursos artísticos alemães marcharam para o exílio e estavam pondo todo seu conhecimento cinematográfico à serviço dos Estados Unidos. 

Iluminadores, atrizes, diretores, muitos dos grandes mestres do esplendor em preto e branco do cinema americano da convulsa década de 40 provêm da Alemanha e deixaram sua marca indelével na nova estética de Hollywood. 

O relato americano se torna tão potente, sobretudo depois da vitória sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial, que não tarda em começar a ser assumido como o grande modelo por excelência, sendo copiado sem clemência pela incipiente indústria cinematográfica da periferia, sobretudo na América Latina. Para perceber esta influência bastaria realizar um simples exercício de mistura de imagens tomadas ao acaso dos filmes mais populares produzidos no continente durante esses 20 anos cruciais, especialmente pelas potentes cinematografias nacionais mexicanas e argentinas: a mesma iluminação, o mesmo uso da música, os mesmos temas amorosos, o mesmo modo de construir os heróis. 

Hollywood impõe desta maneira uma poderosa narrativa própria que se reproduz internamente em cada país graças à numerosa trupe de imitadores que surgem em cada canto do mundo. Em 1956, como uma espécie de resposta indireta aos primeiros questionamentos europeus a esta narrativa invasiva – sobretudo franceses –, a Academia cria o Oscar ao Melhor Filme de língua não-inglesa. O prêmio havia começado a ser outorgado de fato em 1947, ao mesmo tempo em que os EUA estreavam como nova potência hegemônica mundial, mas não se afirmou até meados dos anos 50, quando ficou estabelecido como um prêmio a mais, como categoria permanente. 

Durante as primeiras épocas o galardão foi utilizado para premiar o melhor do cinema europeu contemporâneo. Premiando De Sica, Fellini, Buñuel, Truffaut ou Bergman, Hollywood se permitia um toque de arte diferente do que surgia de sua própria colheita e tratava de driblar as críticas à sua narrativa mais ideológica. O chamado Terceiro Mundo, enquanto isso, não merecia sua atenção. Com a exceção de um ou outro filme japonês e de algum filme de diretor europeu produzido em países africanos, a periferia cinematográfica do mundo não obteve nenhum prêmio da Academia até 1985 quando o argentino Luis Puenzo ganhou o prêmio com "A história oficial", um duro relato sobre os desaparecidos durante a ditadura militar do general Videla. E teve que esperar até a primeira década do presente século para ver premiadas produções da África do Sul, Taiwan ou Bósnia-Herzegovina.

Na atualidade a Academia padece da mesma anemia de poder que pouco a pouco foi se apoderando do império americano. Embora não tenha deixado de impor densos valores culturais ao resto do mundo, o glamour de suas estrelas já não brilha como antes e seu modelo narrativo já não produz tanto impacto. Vítima de seu próprio êxito, Hollywood se esforça a cada ano em renovar as expectativas em um mundo no qual os relatos se tornaram mais dispersos e menos hegemônicos graças à proliferação das novas tecnologias da comunicação. And the winner is… a periferia do mundo, que tem ainda muito para dizer e não pode nem quer dizer do jeito hollywoodiano.

* Tradução: Libório Junior.


Extraído do sítio da Carta Maior