7 de fevereiro de 2012

A SITUAÇÃO DA CULTURA EM MEIO À CRISE NA EUROPA - Jérônime Clément



O lugar da cultura na sociedade liberal e democrática sempre foi controverso: lembremos o debate sobre a exceção cultural e a época – os anos 1990 – em que as negociações do GATT (acordo geral sobre tarifas e comércio) queriam incluir a cultura na lista de mercadorias a serem liberalizadas. Por quê? Porque para os liberais imbuídos da ideologia de um capitalismo triunfante, somente um mercado livre de qualquer entrave permite garantir o progresso econômico e o bem-estar – felicidade – coletivo. Em 1993, faltou pouco para que ela não virasse uma mercadoria como as outras, sujeita à lei do mercado. Era preciso abolir todas as políticas nacionais de apoio à cultura porque elas prejudicavam a livre-concorrência. Nesse jogo, os mais fortes ganham. Os fracos são esmagados.

A cultura causa suspeitas de duas formas: ela custa caro – recebendo auxílio do Estado, de administrações locais, de mecenas -, traz pouco retorno e cria problemas, agitação, levanta questões provocadoras das quais não se precisa quando é necessário unir. Banalizá-la é matar dois coelhos com uma cajadada só para os conservadores: recupera-se dinheiro e calam-se os rebeldes. Maurice Druon, ministro da Cultura nos anos 1970, resumiu em uma frase a situação: “Com uma mão se passa o chapéu, com a outra se joga um coquetel Molotov”. Os conservadores não querem nem um, nem outro.

A tentação de silenciar a cultura existe hoje em certos países da Europa, sendo o pior caso a Hungria, cujo regime está se voltando para o totalitarismo. Há uma ameaça à imprensa, ao rádio, à televisão, aos intelectuais e agitadores culturais, e, por fim, às liberdades democráticas, um esquema clássico e provado. O mais surpreendente tem sido o silêncio da comunidade europeia, no sentido próprio do termo, desde o início dessas ações. Ela também se calou na Europa dos anos 1930. A Hungria é um caso extremo, felizmente, mesmo que a Itália de Berlusconi tenha sido igualmente desastrosa. Acontece que a cultura, em tempos de crise, é ameaçada. O Reino Unido, a Holanda, a Espanha e a Itália têm sacrificado muitos de seus bens culturais atualmente, em nome da ortodoxia orçamentária.

Por que gastar em algo que, afinal, parece secundário? Para quê servem os criadores em tempos de crise?

Depois de 1989 e da queda do muro, as sociedades modernas acreditavam ter encontrado a fórmula da felicidade coletiva na aliança entre democracia e liberalismo. Com o comunismo morto, só restava um grande mercado. Riqueza e felicidade garantidas. Claro, isso trazia à tona a questão central – e que hoje reaparece – do papel do Estado. Os mais radicais queriam seu enfraquecimento, ou até seu fim, o que levanta a questão do Ministério da Cultura, inútil resquício de uma época em que o Estado ainda representava o interesse geral e assumia orgulhosamente seu papel de serviço público. “Agências” poderiam cuidar isso. Privatizações, pedidos de mecenato a empresas privadas, transferência de custos, redução de verbas, era a época de triunfo dos bancos. Oh, não! Era esquecer a especulação, a ganância, ou mais simplesmente que o homem não é naturalmente nem bom, nem justo. Ele chegaria a ter funestas tendências ao inverso.

Plaf! Tudo entrou em colapso. E nas atuais incoerências, bem se vê que a questão do Estado é central. Seria preciso reintroduzi-lo no jogo, correndo o risco de quebrar os dogmas liberais, para regular os bancos, colocar um pouco de ordem, voltar a falar – um pouco – sobre o interesse geral, mas o menos possível para não perturbar o jogo das forças econômicas? Ou, pelo contrário, seria preciso voltar a lhe dar um papel central na forma como as questões do país são conduzidas?

Para a cultura, a pergunta é decisiva. Que farão os criadores sem meios para trabalhar e se expressar? Como manter teatros, produzir espetáculos, se o Estado tem como única resposta reduzir verbas? E a leitura e o aprendizado de música? Estes são elementos indispensáveis desde a mais tenra idade para se ter a chance de encontrar um lugar na sociedade e reduzir as desigualdades, num momento em que estas aumentam e uma parte da população empobrece. Sim, ao contrário do que afirmam os liberais que se entregaram com deleite nas mãos dos investidores, o Estado é necessário, especialmente para proteger os mais fracos, e garantir a justiça, a solidariedade e a fraternidade.

Para a esquerda, a cultura é uma prioridade absoluta. Ela deve afirmar isso com veemência. Apostar na inteligência, na criação, questionar ideias formadas não é uma aposta maluca, e sim indispensável. Diante da falência das elites e dos pseudo-mestres supostamente economistas que nos enganaram, é preciso voltar a colocar os loucos no coração da sociedade, aqueles que dizem a verdade ao Rei e aos cidadãos melhor que os conselheiros. Por serem livres, por não terem medo de incomodar e porque devemos escutá-los. A imaginação no poder não somente para agradar a alguns poucos intelectuais ou aos artistas, mas sobretudo o povo que corre para os museus, os cinemas e os teatros – as estatísticas de 2011 são prova disso – para se distrair, claro, mas também para refletir e para encontrar ali mais conforto e ideias do que em outros lugares. O Estado e as administrações locais devem ser os fiadores em um pacto a ser estabelecido por contratos entre eles. Um país entendeu isso: a Suécia, que tem aumentado sua verba para a cultura. Outro, a Alemanha, tem ido pelo mesmo caminho. Na França, vem uma ameaça após a outra. Ora, mais do que nunca precisamos dos artistas, dos intelectuais, dos escritores e dos autores.

A cultura precisa novamente fazer uma irrupção total na política. O debate das eleições presidenciais não deve abordar a política tributária ou a distribuição dos custos sociais. Em 1981, François Mitterrand ganhou a eleição assumindo posições corajosas sobre a pena de morte, mas também sobre a cultura. A crise atual é primeiramente uma crise de nossa maneira de pensar, quer se trate da gestão do planeta ou da economia, quer se trate da nossa forma de viver juntos. É preciso abrir as janelas, receber aqueles que vêm de outras partes, e não exclui-los como criminosos, organizar debates, pensar de outro jeito. A referência à História, à arte, à imaginação é mais necessária do que nunca, não somente para agradar – o belo sempre ajuda - , mas porque é útil.

Além disso, posso dizer que ainda por cima ela é lucrativa? Sabemos que os investimentos culturais também podem ter efeitos benéficos sobre a economia (Bilbao, o museu Pompidou em Metz, o projeto do Louvre em Lens etc.). A cultura é um grande trunfo para a economia francesa. Por que esse afluxo mundial de turistas, se não para admirar nossas cidades, nossos monumentos, para ver nossos filmes, provar de nossa arte culinária...? Nós dispomos de um savoir-faire e de uma tradição universalmente reconhecidos.

Mas minha intenção vai além dessa análise. Nas crises, o recuo, o nacionalismo, a exclusão, a violência estão lá, prontos para ressurgir e, com o tempo, culminar na guerra.

A única maneira de conjurar essa ameaça é fazendo o inverso, afirmando claramente o apelo pela inteligência, pela criação, pela pesquisa, pela cultura, oxigenar os discursos e soprar audácia nas ações. Rápido, rápido, estamos sufocando! 


Jérôme Clément, ex-presidente do canal de televisão Arte. Artigo publicado no . (tradução de Lana Lim).


Extraído de UOL Notícias

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