15 de fevereiro de 2012

P(*)EMAS C(*)M N(*)TAS DE R(*)DAPÉ - 36 - Humberto Gassinger


eu vivia esperando a vida aparecer no Jornal Nacional
com o olhar preso no vídeo
eu esperava o suicídio de algum boçal
você apareceu e disse:
"cara, eu prefiro outros canais!" 

Como se a vida tirasse férias na entressafra do verão, um reality show da rede de televisão hegemônica toma conta do país. A grosso modo, tudo que vale a pena ser dito a respeito do programa já foi dito há várias edições. As muitas críticas geralmente são mais interessantes do que os poucos elogios. Pelo sabor do exercício, vou tentar fazer um elogio: “talvez seja melhor ver aquilo do que estar morto”. Preste atenção, eu disse TALVEZ! Vai depender da sua crença a respeito do que acontece depois da morte.

A rede de TV hegemônica sempre foi suficientemente escrota para babar ovo dos governos mais escrotos e suficientemente esperta para comprar os equipamentos e a mão de obra mais espertos. Não me surpreende a força que ela tem. Também não me encanta. Ao menos podemos trocar de canal sem sair do sofá. Se as pilhas do controle remoto não estiverem gastas e se ele não tiver sumido (dica: deve estar entre as almofadas!).

Condenar a TV pelos programas ruins que a dominam é como jogar a criança fora junto com a água suja do banho. Dou um exemplo que aconteceu comigo na semana passada: zapeando, em menos de 40 minutos, tive duas aulas...

(1) ...aprendi um monte numa entrevista com Heraldo do Monte. Ele tocava guitarra e viola caipira no Quarteto Novo, grupo formado para acompanhar Geraldo Vandré. Seus companheiros eram Airto Moreira (bateria e percussão), Théo de Barros (violão e contrabaixo) e Hermeto Pascoal (flauta). Todos músicos extraordinários.

Eles resolveram, ao formar o grupo, buscar novos caminhos: uma sonoridade brasileira, diferente do jazz que os havia influenciado muito. Nesta busca, resolveram ficar um ano sem ouvir música. Só ouviam o que tocavam. Não iam a shows. Não ouviam discos. Quando entravam num táxi, pediam para o motorista desligar o rádio. Que maravilha! Sensacional!

Não me refiro à decisão em si, eles poderiam decidir o contrário: passar um ano ouvindo tudo a toda hora. O que acho incrível é a disciplina, a dedicação. Quem, hoje em dia, faz isso por sua arte-ofício? Quem se joga no escuro, na tentativa de materializar uma visão sem pensar em recompensa imediata? Quem?

(2) ...aprendi outro tanto vendo uma entrevista com o documentarista Sílvio Tendler, diretor de filmes sobre JK, Jango e Os Trapalhões (os três documentários mais vistos do cinema brasileiro). Muito legal o que ele, um cara de esquerda, fala sobre a experiência de trabalhar com Didi e sua turma.

A grande aula desta entrevista aconteceu quando Sílvio Tendler falou da conversa com o geógrafo Milton Santos, que acabou virando outro documentário. Na época (anos 90) estavam todos embriagados pelas novidades do mercado global. O neo-liberalismo era o pensamento hegemônico. Mais que uma onda, era um tsunami. Mas o velho intelectual baiano não caia neste canto de sereia. Questionado sobre a razão de seu pessimismo quando tudo parecia estar melhorando, professor Milton Santos disse; “Não vai ter pra todos.”

Mestre! Enxergou longe e antes. E nem precisou de câmeras escondidas para dar uma “espiadinha”.


Extraído do Blogessinger, de Humberto Gessinger

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