6 de fevereiro de 2012

SARTRE: O MESSIAS DA FILOSOFIA - Euler de França Belém

O filósofo francês viveu no mundo da fantasia, escravizou Simone de Beauvoir, mentiu sobre a União Soviética e sobre Cuba e era amado pelos estudantes.

O francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), o gnomo obsceno, talvez tenha sido o filósofo mais comentado e, até, lido do século 20. O que você vai ler neste texto é tão duro — sobre o baixinho mais feio do que briga entre Anderson Silva e Chael Sonnen — que dou duas dicas: há uma ampla biografia, “Sartre”, de Annie Cohen-Solal (L&PM), em português, que tem uma interpretação menos ácida e mais equilibrada do companheiro de Simone “Castor” de Beauvoir, e há “Passado Imperfeito — Um Olhar Crítico Sobre a Intelectualidade Francesa no Pós-Guerra” (Nova Fronteira, 2008), do historiador britânico Tony Judt. Há um “problema” para leitores preguiçosos: o livro de Cohen-Solal tem 693 páginas. Não há índice de nomes, o que é ruim numa biografia em que se cita muita gente (como o brasileiro Jorge Amado). O livro de Judt, com 478 páginas, é pau puro, e Sartre sai muito mal, com Albert Camus revalorizado. O filósofo de “O Ser e o Nada” não é, porém, o único a ser examinado neste livro esplêndido, seriíssimo.

Se você nunca leu o palavroso Sartre — e não está disposto a ler mais —, a biografia de Cohen-Solal faz um balanço quase exaustivo de suas obras. Creio que é o melhor inventário sobre a obra e a vida do escritor-filósofo, pelo menos em português. Com pouca acidez, insisto, mas, às vezes, sem condescendência. Mas, claro, é um trabalho a favor.

Texto acre e violento é o ensaio “Jean-Paul Sartre: Uma bolinha feita de pêlo e tinta”, de Paul Johnson. Poucas vezes alguém escreveu algo tão virulento contra um filósofo do nível de Sartre. Mas não é uma virulência gratuita. Com certeza, o que diz Johnson, no seu polêmico “Os Intelectuais” (os intelectuais deviam ler Johnson, não para concordar, e sim para verificar uma opinião divergente, nem sempre precisa e justa. Muitos de seus ídolos são simplesmente demolidos, sem dó nem piedade), não deve ser mentira. O historiador e jornalista confronta o próprio Sartre e outros autores. As ideias de Johnson não são as minhas (quase sempre concordo com seus petardos). Como resenhista — e não crítico —, reservo-me o direito de não opinar, ou de opinar raramente. Vamos lá. Trata-se de mais um “edifício” a ser demolido. Por Johnson.

Johnson diz que “nenhum filósofo” do século 20 “teve uma influência tão direta nos pensamentos e atitudes de tantos seres humanos, especialmente das pessoas mais jovens, no mundo todo. O existencialismo foi a filosofia popular do fim da década de 40 e 50. Suas peças se tornaram sucessos. Vendeu-se uma enorme quantidade de exemplares de livros seus, alguns deles tendo vendido mais de 2 milhões de cópias somente na França”.

(Sartre, famoso, veio ao Brasil e por onde passava era acompanhado por um batalhão de “filósofos”, professores, estudantes e desocupados. Era saudado como uma espécie de deus da filosofia e, pior, um messias com importante papel: salvar a América Latina. Suas palavras eram “bebidas” com uma ânsia extremada e inesperada, a maioria sequer entendia o que dizia, mas, por ser Sartre, devia ser algo iluminador. Um de seus cicerones, Jorge Amado, comunista de carteirinha, mais stalinista que Stálin, mesmo aparentando seriedade, não aguentou e puxou uma sonequinha durante uma das intermináveis e xaropescas palestras de Sartre.)

Sartre sabia que seus livros de filosofia não eram acessíveis a todos mortais. Por isso, para forçar a aceitação de suas ideias, saiu do campo da filosofia e virou escritor. “Acreditava que por meio de peças e romances ele podia favorecer a participação das massas em seu sistema de pensamento”, escreve Johnson. Até pouco tempo, os romances “A Idade da Razão” (1945), primeira parte da trilogia “Os Caminhos da Liberdade”, “Sursis” e “Com a Morte na Alma” (este menos) eram muito lidos no Brasil. Na década de 1980, li, com certo entusiasmo, “A Idade da Razão”. Hoje, abro o livro e vejo-o datado, morto, diferentemente de “Em Busca do Tempo Perdido”, de Marcel Proust, que parece ter sido escrito ontem — tal sua eternidade.

Sartre era egoísta, explica John­son. Como a maioria de nós, esquece o historiador. Por quê? Foi filho único mimadíssimo. O pai morreu quando Sartre tinha 15 meses de idade. “Se ele tivesse continuado vivo, meu pai teria me oprimido e me esmagado. Felizmente, ele morreu novo”, escreveu Sartre, no belíssimo “As Palavras” (narrativa autobiográfica). O avô, que tiranizava os filhos, fazia suas vontades. “Ele usou vestido de criança e cabelo comprido até quase os oito anos de idade, quando seu avô ordenou uma tosquiada em seus cachos”, revela Johnson. Menino, Sartre pediu à mãe o romance “Madame Bovary”, de Flaubert. A mãe respondeu: “Mas se meu queridinho ler livros desses com essa idade, o que fará quando crescer?” Sartre sacou rápido: “Viverei de acordo com eles!”

Johnson nota que Sartre gostava de mentir, e pode ter mentido em “As Palavras”, em que conta sua infância e juventude. Sua mãe leu o livro e disse: “Poulou n’a rien compris à’son enfance” (“Poulou não entendeu nada a respeito de sua infância”). Aos 4 anos, depois de um acesso de gripe, Sartre desenvolveu um terçol no olho direito e nunca mais pôde usá-lo. Seus olhos sempre lhe causariam problemas. Ele usava lentes grossas e aos 60 anos foi ficando, progressivamente, cego.

Na escola, fez uma descoberta medonha: ao contrário do que dizia sua mãe, ele era muito feio. “Por ser feio, os outros garotos batiam nele. Ele revidava com frases espirituosas e sarcásticas e com piadas, e se tornou aquela espécie de personalidade agridoce, o gracejador da escola. Mais tarde, ele procuraria mulheres, segundo disse, ‘para me livrar da carga de minha feiura’.”

Ao contrário do que sugerem algumas mitologias, Sartre sempre estudou em bons colégios e teve como companheiros poderosos intelectos, como Paul Nizan, Raymond Aron (este uma das matrizes do pensamento de José Guilherme Merquior, que faz falta ao debate intelectual patropi), Simone de Beauvoir. “Lutou boxe e luta corporal. Tocava piano — não era nada mau como pianista —, cantava bem”, com uma voz “possante, e colaborou com esquetes para revistas teatrais da École Normale Supe­rieure. Escrevia poemas, romances, peças, canções, contos e ensaios filosóficos”.

“Criou — e por muito tempo manteve — o hábito de ler cerca de 300 livros por ano. A coleção era bastante ampla; os romances americanos eram sua paixão. Também conseguiu conquistar sua primeira amante, Simone Jollivet; a exemplo do pai, preferia mulheres mais altas quando disponíveis e Simone era uma loura esguia, um palmo e meio mais alta que ele (que só tinha 1,58m). Sartre foi reprovado na primeira prova para se graduar, mas no ano seguinte passou de forma brilhante, em primeiro lugar; Beauvoir, três anos mais nova, ficou em segundo lugar. Era junho de 1929 e, como muitos homens talentosos daquela época, Sartre se tornou professor.” 

Sartre não lia Marx

Na década de 1930, Sartre viajou para Berlim e leu as obras de Husserl e Heidegger. Não lia Marx. Precursor de Louis Althusser, ele “nunca leu Marx, exceto talvez em citações”, diz Johnson. Não percebeu a ascensão de Hitler, não ligou para a Guerra Civil Espanhola. “Os registros indicam que ele não possuía pontos de vista políticos vigorosos antes da guerra.”

Na falta do que fazer, bebia todas e mais algumas. Era uma verdadeira esponja. Nada de beber socialmente. Só “andava” carregado. Desde o início, amava e era amado pelos estudantes. Escrevia muito, mas não conseguia editor “para sua produção ficcional original”. Ficou muito “irritado” ao verificar que seus amigos Nizan e Aron conseguiram editar seus livros. Em 1936, Sartre publica “Investigações Filosóficas”. Não repercutiu. Mas abriu fronteiras.

No final da década de 30, Sartre começou a sacar seu verdadeiro caminho. “A essência da obra de Sartre foi a projeção de um ativismo filosófico por intermédio da ficção e do drama.” Sartre queria “fazer um romance da época de Heidegger”. Publicou “A Náusea” em 1938, mas, inicialmente, foi ignorado pelo público.

A fama de Sartre começou com a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Convocado para o Exército, nada fazia. Ficou famoso “por nunca tomar banho e ser desagradavelmente sujo. O que ele fazia era escrever”. Preso, começou a discutir política com os guardas alemães, que não gostaram do seu mau cheiro e lhe deram um chute à Neymar ou Tolói no traseiro. E continuava escrevendo. Foi libertado em 1941 — por ser considerado parcialmente cego.

Em Paris, conseguiu ser professor no famoso Lycée Condorcet. Os nazistas não prejudicaram o trabalho de Sartre. “Sartre nunca colaborou ativamente com o regime nazista. O mais perto que chegou disso foi escrever para uma revista semanal colaboracionista, ‘Comoedia’, concordando, uma época, em contribuir com uma coluna regular. Mas não teve dificuldades em ter sua obra publicada e suas peças representadas. Como disse [o escritor] André Malraux: ‘Eu estava combatendo a Gestapo enquanto Sartre, em Paris, tinha suas peças produzidas com a autorização dos censores alemães’.”

Durante a guerra, começa a desenvolver o pensamento existencialista. “Em essência”, explica Johnson, “tratava-se de uma filosofia da ação, argumentando que o caráter e o significado do homem são determinados pela ação, não por suas opiniões, por seus atos, não pelas palavras”. Ou seja, em tudo o oposto do que Sartre “fazia”.

Ao se aproximar da Resistência, foi rejeitado por André Gide e Malraux. Sartre era considerado algo assim como porra-louca do PT ou, mais precisamente, do Psol. Estava mais próximo do pensamento de Proudhon.

“Sartre não fez nada pela Resistência que provocasse algum efeito. Não moveu um dedo — nem escreveu uma palavra — para salvar os judeus. Concentrou-se implacavelmente na promoção da própria carreira. Escrevia furiosamente: peças, ensaios filosóficos e romances, principalmente nos cafés. Seu texto filosófico mais importante, ‘O Ser e o Nada’, foi escrito entre 1942-43.” Sartre parecia então, como disse Simone de Beauvoir, “uma bolinha feita de pêlo e tinta”. Publicado em 1943, “O Ser e o Nada” não despertou muito interesse. Começou a ser descoberto em 1945.

Como não estava fazendo muito sucesso com a filosofia, Sartre pensou: o teatro pode ser um bom caminho para o sucesso. A peça “As Moscas” estreou em 1943, não fez muito sucesso mas chamou a atenção para Sartre. “Em pouco tempo, eram-lhe solicitados roteiros cinematográficos para o Pathé, e ele escreveu três, ganhando, pela primeira vez, bastante dinheiro.”

Em 1944, sua peça “A Portas Fechadas”, uma apresentação popularizada das ideias contidas em “O Ser e o Nada” e uma versão radicalizada de Heidegger, com a mensagem “o inferno são os outros”, obteve um sucesso estrondoso. Johnson é pouco lisonjeiro. Elogia a peça, mas metralha: “Era o tipo de coisa para a qual os franceses sempre tiveram um extraordinário talento — se apropriar de ideias alemãs e torná-las famosas num tempo curtíssimo”. A peça tornou Sartre famoso. “O que é estranho é que foi graças às antiquadas palestras públicas que Sartre se tornou mundialmente famoso.”

Por que a nova filosofia “de” Sartre era tão atraente, sobretudo para os jovens? “Sartre utilizou sua nova filosofia para oferecer uma alternativa: nem uma igreja, nem um partido, mas uma ousada doutrina individualista na qual cada ser humano é visto como mestre absoluto da própria alma caso escolha seguir o caminho da ação e da coragem. Era uma mensagem de liberdade depois do pesadelo totalitarista.”

Johnson “esclarece” algo curioso: a palavra existencialismo não foi escolhida por ele. “É provável que tenha sido inventada pela imprensa.” Em 1945, pediram para Sartre definir a palavra, e ele respondeu: “Existencialismo? Não sei o que é. Minha filosofia é uma filosofia da existência”. Depois, esperto, adotou a palavra e explicou: “O existencialismo é um humanismo”.

Na revista “Les Temps Modernes”, Sartre defendeu o “retorno” dos escritores comprometidos com o social. “O escritor tem um lugar na sua época. Cada palavra tem uma economia. Assim como cada silêncio. Penso que Flaubert e (Edmund) Goncourt foram responsáveis pela repressão que se seguiu à Comuna porque não escreveram nem uma única linha para impedir que isso ocorresse. Você pode dizer: isso não era, de modo algum, obrigação deles. Mas, então, será que o julgamento de Calas era de Voltaire? Será que a condenação de Dreyfus era de Zola?” (Óbvio que Sartre exagera e, no caso, é absurdo, mas agradou em cheio).

Adorado pelos jovens e pela mídia, Sartre era odiado pelos católicos (suas obras completas foram colocadas na Lista de Livros Proibidos pelo Vaticano) e pelos comunistas (que, mais tarde, passaram a adorá-lo). O comissário cultural de Stálin disse que Sartre era “um chacal com uma máquina de escrever, uma hiena com uma caneta-tinteiro”. A turma da Escola de Frankfurt também não morria de amores. Para Max Horkheimer, Sartre era “um vigarista malfeitor do mundo filosófico”. As críticas, muitas invejosas, acabavam por promover Sartre, um dos maiores artistas da autopromoção de todos os tempos. 

A serva do filósofo

Como intelectual, Sartre não era relapso. “Trabalhava o dia todo, escrevendo arduamente.” À noite, ele, de folga, gostava de se embebedar. Agressivo, quando bêbado, chegou a deixar um olho de Albert Camus roxo. O autor do esplêndido “O Estrangeiro” era mais bonito, ganhava mulheres que Sartre cobiçava e, para complicar, era melhor escritor.

Por trás do grande-pequeno homem Sartre havia a grande mulher Simone de Beauvoir, talvez mais talentosa (como escritora) do que ele, mas, quase sempre, se sacrificando e ficando na retaguarda. Seus livros — como “Os Mandarins” — talvez “durem” mais que os de Sartre.

Como Sartre, Simone gostava de mentir, diz Johnson. “Essa mulher brilhante e de espírito vigoroso tornou-se uma serva de Sartre desde quase o primeiro encontro deles e continuou assim por toda a vida adulta até morrer. Ela serviu a ele como amante, esposa substituta, cozinheira e administradora, guarda-costas feminina e enfermeira, sem ter obtido nenhum outro status legal ou financeiro em sua vida.” “Cerimônia do Adeus” é uma vingança? Não, certamente.

Simone talvez tenha sido uma das primeiras feministas mais exploradas pelo “seu” (ele era de muitas) homem. O feminismo dela só servia para as “outras”. Preferia ser a escrava branca de Sartre. Este era tão “terrível” que se recusava a manter relações sexuais com ela, exceto quando não havia ninguém disponível (e sempre havia). “Ele não via as mulheres tanto como pessoas, mas como troféus para acrescentar ao seu cinturão de centauro, e seus esforços para defender e racionalizar seu método de conquista em termos progressivos simplesmente acrescentam uma demão de hipocrisia.” Simone contou que só teve orgasmos com o escritor americano Nelson Algren (Sartre só se preocupava com o prazer dele mesmo), aos 39 anos. Algren odiou as revelações de Simone.

A maioria dos intelectuais vê a união entre Sartre e Simone como o “casamento” ideal. Talvez porque saiba pouco sobre tal “casamento”. Primeiro, não havia prazer sexual por parte de Simone; segundo, havia um explorado na relação, Simone; terceiro, Sartre não quis se casar com ela, mas propôs casamento a várias outras mulheres; quarto, a liberdade maior sempre foi de Sartre, nunca de Simone.

Johnson garante que Simone chegou a arrumar mulheres para Sartre. Este gostava de “atacar” as alunas de Simone, com a anuência desta. Johnson ousa mais: conta que a própria Simone andou atacando garotas. Os pais de Nathaline Sorokine fizeram uma denúncia à polícia e Simone acabou “expulsa da universidade e teve a licença, que lhe permitia dar aulas em qualquer parte da França, cassada pelo resto da vida”.

Na década de 50, Sartre tinha pelo menos quatro amantes — Michelle, Arlette, Evelyn e Wanda. “Dedicou sua ‘Crítica da Razão Dialética’ (1960) publicamente a Beauvoir, mas conseguiu que seu editor Gallimard imprimisse em segredo dois exemplares com as palavras ‘Para Wanda’; quando ‘Les Sequestrés’ foi encenada, falou a Wanda e a Evelyn que dedicava a peça a elas.”

Em 1954, Sartre teve um colapso (causa: vida sexual desregrada, bebida e uso de drogas). Recuperado, continuou escrevendo de 30 a 40 páginas por dia (tomando Corydrane, remédio tirado do mercado em 1971). Consumo diário de estimulantes: dois maços de cigarro, vários cachimbos de fumo negro, um litro de álcool (principalmente vinho, vodca, uísque e cerveja), 200 miligramas de anfetaminas, 15 gramas de aspirina, vários gramas de barbitúricos, mais café e chá. Valeu a pena? A “razão” (a opinião) é do leitor.

Os intelectuais não eram amados por Sartre. Ele preferia o convívio com as mulheres — que não o contestavam, intelectualmente, ou contestavam muito pouco. Ele brigou com todos os seus amigos: Raymond Aron (1947), Arthur Koestler (1948), Merleau-Ponty (1951), Camus (1952).

De alienado político, Sartre tentou ser um grande engajado. Mas vivia mais no mundo da fantasia. “O problema de Sartre é que ele não conhecia — e não fez nenhum esforço para conhecer — nenhum trabalhador, afora seu brilhante secretário Jean Cau.” Mas Sartre não parava de falar em nome dos trabalhadores e dos estudantes.

Em 1948, Sartre ajudou a organizar um movimento de esquerda não-comunista de protesto contra a Guerra Fria, chamado Rassem­blement Démocratique Révo­lutionaire (RDR). Quando o procuraram para organizar um partido, ele não foi encontrado. Estava no México, “cantando” Dolores. Chegou a falar em casamento. (Os homens têm a mania de propor casamento para as mulheres “difíceis”.)

Em seguida, Sartre escreveu um livro gigantesco sobre uma “empulhação”, Jean Genet, o ladrão, homossexual e escritor. Em tempos “homos”, Genet é hipervalorizado. Em 1952, Sartre passa a apoiar o Partido Comunista. Um ano antes da morte da Stálin, ou seja, passava a apoiar o PC quando todo mundo sério estava saindo de fininho. Talvez Johnson esteja certo: Sartre nunca sacou nada de política. Se sacava, era, então, um oportunista ou, até, canalha. Este, quem sabe, um termo demasiado pesado.

Depois de visitar a União Soviética, escreveu: “Existe uma liberdade total de crítica na URSS”. Muitos anos mais tarde, admitiu: “Depois de minha primeira visita à URSS, em 1954, eu menti” (vale a pena ler o livro de Tony Judt, citado no início deste texto, para verificar outras mentiras de Sartre). Em 1956, a reputação de Sartre está em baixa. Durante a década de 60, começa a “conquistar” o Terceiro Mundo (termo criado por Alfred Sauvy em 1952 e popularizado por Sartre). Duas lorotas que escreveu: “O país que emergiu da revolução cubana é uma democracia direta” e “é a realização de minha filosofia” (sobre a Iugoslávia de Tito).

Inconsequente politicamente, se tornou um apóstolo da violência. “Ele se tornou um patrono de Frantz Fanon, o ideólogo africano que pode ser considerado o fundador do moderno racismo negro africano, e escreveu o prefácio da Bíblia da violência dele, ‘Os Condenados da Terra’ (1961), que ainda é mais sanguinário que o próprio texto do livro. Para um homem negro, Sartre escreveu, ‘abater um europeu com um tiro é matar dois passarinhos com uma pedra só, destruir um opressor e o homem que ele oprime ao mesmo tempo’.”

No fim da década de 1960, foi recebido pelos estudantes com má vontade: “Sartre, seja claro, seja breve. Temos muitos regulamentos que temos de discutir e adotar”. Em 1970, deixando de lado os estudantes, Sartre une-se à Esquerda Proletária, de linha maoísta. No lugar de escrever, aos 67 anos “vendia na rua jornais extremamente mal redigidos e oferecia com insistência folhas volantes a transeuntes contrafeitos”.

Fracassado como homem de ação, Sartre escrevia em excesso. “Sempre considerei a quantidade uma virtude”, dizia. Escreveu um livro sobre Flaubert (um escritor conciso, preciso, preocupado com a colocação certa das palavras na frase, no contexto) com 2.802 páginas. Incompleto! É considerado luminoso em alguns pontos, mas no geral é besteira pura. Vale muito mais ler “A Orgia Perpétua”, de Mario Vargas Llosa. O escritor peruano, Nobel de Literatura, escreveu um ensaio do balacobaco sobre a literatura do autor de “Madame Bovary”.

Em 15 de abril de 1980, Sartre morreu. Sua agonia está narrada no belíssimo “Cerimônia do Adeus” (Editora Nova Fronteira), da excelente Simone de Beauvoir, sua mulher, sua amante, sua companheira e, quem sabe, sua mãe postiça. Deixou todos os bens, inclusive os direitos sobre a produção literária dele, para Arlette. Ao enterro, compareceram mais de 50 mil pessoas. “Uma pessoa caiu estrondosamente sobre o caixão.” Não, não era o “espírito” de Stálin ou de Mao Tsé-tung.

Extraído do sítio da Revista Bula

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