12 de janeiro de 2012

O JOVEM CASAL - Rubem Braga


Estavam esperando o bonde e fazia muito calor. Veio um bonde, mas tão cheio, com tanta gente pendurada nos estribos que ela apenas deu um passo à frente, ele esboçou com o braço o gesto de quem vai pegar um balaústre -- e desistiram. 

O homem da carrocinha de pão obrigou-os a recuar para perto do meio-fio; depois o negrinho da lavanderia passou com a bicicleta tão junto que um vestido esvoaçante bateu na cara do rapaz. 

Ela se queixou de dor de cabeça; ele sentia uma dor de dente enjoada e insistente -- preferiu não dizer nada. Ano e meio casados, tanta aventura sonhada, e estavam tão mal naquele quarto de pensão do Catete, muito barulhento: "Lutaremos contra tudo" -- havia dito -- e ele pensou com amargor que estavam lutando apenas contra as baratas, as horríveis baratas do velho sobradão. Ela com um gesto de susto e nojo se encolhia a um canto ou saía para o corredor -- ele, com repugnância, ia matar a barata; depois, com mais desgosto ainda, jogá-la fora. 

E havia as pulgas; havia a falta d'água, e quando havia água, a fila dos hóspedes diante da porta do chuveiro. Havia as instalações que cheiravam mal, o papel da parede amarelado e feio. As duas velhas gordas, pintadas, na mesinha ao lado, lhe tiravam o apetite para a mesquinha comida da pensão. Toda a tristeza, toda a mediocridade, toda a feiúra duma vida estreita, onde o mau gosto pretensioso da classe média se juntava à minuciosa ganância comercial -- um simples ovo era "extraordinário". Quando eles pediam dois ovos, a dona da pensão olhava com raiva; estavam atrasados no pagamento. (...) Então um grande carro conversível se deteve perto deles, diante do sinal fechado. Lá dentro havia um casal, um sujeito de ar importante na direção e sua mulherzinha meio gorducha, muito clara. A mulherzinha deu um rápido olhar ao rapaz e olhou com mais vagar a moça, correndo os olhos da cabeça até os sapatos, enquanto o homem dizia alguma coisa a respeito de um anel. No momento do carro partir, com um arranco macio ouviram que a mulher dizia: "se ele deixar por quinze, eu fico." 

Quinze contos -- isto entrou pelos ouvidos do rapaz, parece que foi bater, como um soco, em seu estômago mal alimentado -- quinze contos, meses e meses, anos de pensão? Então olhou sua mulher e achou-a tão linda e triste com sua blusinha branca, tão frágil, tão jovem e tão querida, que sentiu os olhos arderem de vontade de chorar. Disse: "Viu aquela vaca dizendo que vai comprar o anel de quinze contos?" 

Vinha o bonde.

Os Melhores Contos de Rubem Braga (1985) - 39 crônicas organizadas  pelo prof. David Arrigucci Jr. 

2 comentários:

  1. Muito bom,parabéns pelo bom gosto.Beijos

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  2. Gracias. Rubem Braga é muito bom, um de meus cronistas prediletos.

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