29 de janeiro de 2012

NO CHOQUE DAS CIVILIZAÇÕES, ROUSSEAU PREFERE O DIÁLOGO - Ghania Adamo

O filósofo Rousseau será comemorado em várias partes do mundo no 300° ano do nascimento. (AFP)

Em Genebra iniciaram desde 19 de janeiro as festividades do 300° aniversário do nascimento de Jean-Jacques Rousseau. Além disso, inúmeros outros países também planejam homenagens ao filósofo, cujo pensamento iluminou o mundo.

François Jacob, responsável pelas comemorações genebrinas, confirma.

A página do dossiê de preparação do programa do tricentenário de Rousseau em Genebra está adornada por uma imagem que mostra o escritor desafiando as leis da gravidade (como um personagem de Chagall), preso em um anel planetário. Ele é uma grande estrela, em torno da qual orbitam outras pequenas estrelas. A imagem diz o que diz: Rousseau é um ator cósmico e que habita o universo.

Difícil de contestar a universalidade de Rousseau. Como prova, a febre mundial que os 300 anos de seu nascimento provoca. Da Suíça ao Brasil, passando também pelos Estados Unidos, inúmeros são os países que participam das celebrações do tricentenário consagrado a um dos mais importantes escritores e filósofos do Iluminismo.

Conferências, colóquios, exposições, óperas, concertos, peças de teatro e filmes foram programados em vários locais do mundo. Mas começamos pela Suíça. Por Genebra, é claro, a cidade natal do escritor e que é seguida, juntamente, por Neuchâtel, Yverdon e outras cidadezinhas ao logo da costa do lago de Genebra para festejar, durante todo o ano, um aniversário marcado pelo lema "2012, Rousseau para todos".

Sob esse lema foram organizadas uma série de eventos em várias partes da Suíça que começaram 19 de janeiro na ilha de Rousseau, no coração de Genebra. Para o resto diremos "Celebrações do Tricentenário". O resto significa o mundo inteiro.

"Chegaram propostas para nós da Europa, das duas Américas, da África. A UNESCO nos ajudou bastante graças à constituição de uma rede de competências que permite dar mais amplitude às celebrações", afirma François Jacob.

François Jacob, diretor do Museu Voltaire e da Biblioteca de Rousseau em Genebra, é chefe de projetos e um dos responsáveis pelas comemorações do tricentenário. Para Jean-Jacques, ele queria um "Ano Rousseau" nos mesmos moldes do "Ano Senghor" organizado durante os eventos da Francofonia. Ele admite: "Eu sonhava com isso, mas finalmente não me decepcionei, pois as comemorações do tricentenário assumiram uma amplitude universal". Nas linhas abaixo ele nos fala da universalidade de Rousseau.

swissinfo.ch: Qual é o impacto de Rousseau na Europa dos dias de hoje? 

François Jacob: Eu não usaria o termo "Europa" para identificar o impacto de Rousseau, pois a Europa é uma realidade contemporânea. Ela não corresponde à Europa do Iluminismo como o conhecemos no século XVIII. Na época tínhamos separações entre os países que não tinham nada a ver com as que conhecemos atualmente. A língua internacional era, na época, o francês. A cultura circulava de uma forma diferente. E eu acrescentaria ainda que ela estava reservada a um pequeno círculo de pessoas que viviam na França, Suíça ou na Rússia e liam Rousseau sem serem incomodadas pela fronteira linguística, nem a do pensamento.

swissinfo.ch: Mas finalmente, em que medida Rousseau contribuiu a definir a noção de nacionalidade como se fala no dossiê do Tricentenário? 

F.J: Tudo o que era país no século XVIII se definia pelas famílias reinantes. Catarina II da Rússia era alemã, os Bourbons da Espanha eram de descendência francesa e assim por diante. Então não havia, se você quiser, sentimentos nacionais. O que mudou com Rousseau, é que ela deu a esse sentimento um quadro, levando-se em conta todos os tratados (sociais, educacionais, políticos, etc.) que desenham a imagem de um povo. Entre 1770 e 1771, quando escreve suas "Considerações sobre o governo da Polônia", ele refletia em função dos poloneses e não em função dos suíços.

Outro exemplo: quando escreveu seu "Ensaio sobre a origem das línguas", o filósofo disse, em suma, que um ser se modela em relação ao território onde nasceu e em relação à cultura do grupo, dentro do qual evolui. Segundo Rousseau, cada um se alimenta da sua área de origem. Essa concepção ainda bastante nova da identidade foi mais tarde lembrada pela Revolução Francesa e que terminará dando origem à noção de pátria.

swissinfo.ch: Se Rousseau vivesse hoje em dia e assistisse aos atritos entre o ocidente e o oriente, no que chamamos, erroneamente ou não, de "choque de civilizações", o que ele diria? 

F.J: Eu acho que ele teria uma visão ao mesmo tempo bastante negativa e positiva do que está acontecendo hoje em dia. Em primeiro lugar, negativa. O que chamamos de globalização é uma "coisa" terrível, pois aniquila a identidade nacional. Rousseau, a meu ver, não teria gostado, contrariamente a Voltaire que, como grande internacionalista, teria aplaudido essa idéia.

Em segundo, positiva. Rousseau apoia o diálogo. Para ele, os povos devem discutir entre eles sem, portanto, homogeneizar suas sensibilidades ao ponto de serem obrigados a viver da mesma maneira em Genebra, Berlim ou Londres.

swissinfo.ch: a Europa, pela qual Rousseau viajou, contribui significadamente às celebrações do Tricentenário. Isso não surpreende. Em revanche, surpreende a participação de países como o Brasil ou os Estados Unidos. De onde vem esse interesse? 

Cartaz das comemorações em
 Genebra. (Ville de Genève)
F.J: O Brasil é um bom exemplo, pois é lá que as celebrações do Tricentenário serão as mais significativas. É importante dizer que o colóquio, previsto para ocorrer em setembro em São Paulo, irá reunir cem palestrantes. É enorme! Esse entusiasmo se explica pelo fato de que o pensamento de Rousseau corresponde perfeitamente às preocupações contemporâneas dos brasileiros, visto a sua relação com a língua e à natureza. Não é por acaso que os melhores intérpretes do pensamento de Rousseau são originários do Brasil. O Brasil está à procura de uma identidade política, em um quadro onde sua constituição possa bem "viver".

E já que falamos em constituição, eu ressalto que na dos Estados Unidos encontramos muitos elementos emprestados do "Contrato Social" de Rousseau. Isso explica o interesse que os americanos estão tendo pelo Tricentenário. No próximo verão teremos um colóquio e uma exposição em Washington organizados pela Biblioteca do Congresso, em colaboração com a Biblioteca de Genebra, entre outras.

swissinfo.ch: Rousseau "cidadão de Genebra": que ensino ele transmite ao mundo do século XXI? 

F.J: Um ensinamento político em dois níveis. Inicialmente, no plano coletivo. Rousseau diz que é necessário pensar uma maneira de convívio que permita a cada indivíduo de encontrar seu espaço. No plano pessoal, segundo ele, cada um pode ser feliz em casa. A Suíça, onde ele nasceu, oferece nesse ponto de vista um modelo de equilíbrio como ele mesmo teria desejado. Um modelo que não é governado verdadeiramente pelo federalismo (o escritor não utilizava esse termo), mas por um acordo baseado nos princípios simples que favorecem a harmonia.

Se essa política de educação fosse escutada pela Europa hoje em dia, ela teria escapado de um monte de problemas. Em todo caso, ela não teria sacrificado o bem-estar das suas populações à ilusão de uma prosperidade econômica.

Extraído do sítio da Swissinfo.ch

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