5 de janeiro de 2012

ESTATÍSTICAS E MUITAS OUTRAS HISTÓRIAS - Rui Falcão

Adriano Miranda
Uma lista de factos e números que ajudam a demonstrar como Portugal e o vinho português são tão profundamente únicos e radicalmente originais, diferentes de todas as regras e convenções. Números para reflectir. Ao longo da vida alcançamos muitas certezas, convicções profundas sustentadas na experiência ganha, verdades e seguranças de quem se habituou a ver o mundo com perspicácia e ponderação. O tempo, porém, transmite-nos também alguma presunção, uma sensação de sapiência e erudição que raramente se revela factual, uma altivez que por vezes nos aproxima da arrogância de quem julga saber tudo, de quem vive cheio de certezas, de quem assume a sua visão da realidade como uma verdade absoluta.

Aos cronistas e analistas exige-se, porém, um pouco mais de objectividade e humildade, um pouco mais de sustentação na argumentação, um pouco mais de investigação, um pouco mais de consistência nas propostas, um pouco mais de garantias nas afirmações e conclusões propostas. Por isso, e apesar dos erros grosseiros a que elas nos podem conduzir, a consulta das diversas estatísticas do sector afirma-se como uma operação proveitosa, capaz de proporcionar acesso a dados compilados e tratados de uma forma que se presta a uma leitura clara e intuitiva.

E a consulta dos dados estatísticos disponíveis conduz-nos a episódios absolutamente inesperados, surpresas para as quais a experiência raramente tem resposta válida. Veja-se, por exemplo, a indicação estatística que Portugal apresenta o rendimento por hectare mais baixo na vinha de entre os 32 países considerados, não superando as quatro toneladas por hectare, ao invés de países como a Alemanha ou a África do Sul, que apresentam rendimentos médios de 14 toneladas por hectare, quase quatro vezes mais que Portugal! Mesmo países que nos são mais próximos, os nossos competidores mais directos, países como Espanha, França ou Itália, apresentam rendimentos na vinha bem superiores à realidade nacional, respectivamente de 6, 9 e 11 toneladas por hectare, justificados por uma viticultura mais eficiente e por um clima mais benigno. Claro que a mensagem, desde que bem aproveitada, poderá também ser aplicada a nosso favor, associando os rendimentos fracos a uma procura de qualidade obsessiva! Sobretudo quando comparadas com as incríveis rendimentos de 17 toneladas por hectare das vinhas norte-americanas, ou, pasme-se, os estrondosos 18 e 25 toneladas do Brasil e Índia!

No extremo oposto do espectro situa-se a análise que considera a percentagem de área ocupada pela vinha dentro da superfície dedicada à agricultura de cada país. Claro que em países como França, Espanha ou Itália, de tradição tão intimamente ligada ao vinho e de produções globais tão generosas, se espera que esta percentagem seja verdadeiramente significativa. Desenganem-se, porém, as profecias, porque em França a vinha ocupa exactamente 4,23% da área agrícola, em Espanha meramente 6,43% e em Itália unicamente 8,06% da área agrícola. Os dois países que mais sobressaem neste capítulo são o Chile e, sobretudo, Portugal, com áreas que ocupam respectivamente 10,48% e uns incríveis 13,47% do território agrícola nacional, traduzindo a importância da vinha na economia portuguesa.

Claro que o facto de Portugal continuar a ser o país que mantém o maior consumo per capita de vinho no mundo, que embora em regressão mantém uns distintivo volume de 45,8 litros de vinho por habitante/ano, ajuda a decifrar alguns destes números. Os nossos competidores mais ferozes, Itália e França, acompanham-nos de perto com 44,7 e 45,8 litros respectivamente, seguindo-se à distância Áustria e Suíça, com 39,9 e 38,9 respectivamente. Países como a Rússia, com 8 litros, Estados Unidos da América, com 8,9 litros, Japão, com 2,1 litros, Brasil, com 1,6 litros, China, com 0,7 litros e Índia, com 0,02 litros, mostram o tremendo potencial de crescimento destes mercados emergentes onde o vinho começa hoje a entrar nos hábitos de consumo.

E depois existem ainda uma série de dados curiosos, por vezes perturbadores, como o facto de a Alemanha ser o maior importador mundial de vinho em volume, com 1399 milhões de litros importados por ano, face, por exemplo, aos 668 milhões de litros importados anualmente pela Bélgica e Luxemburgo, enquanto em valor esse mesmo mercado Bélgica/Luxemburgo representa 3128 milhões de dólares... face aos 2822 milhões de dólares do mercado alemão, que prefere comprar muito, e barato! Verdadeiramente desnorteantes são os dados estatísticos da realidade nacional que mencionam uma exportação em volume de 286 milhões de litros... e importações de vinho no valor de 142 milhões de litros! Para onde vai tamanha quantidade de vinho importado é a pergunta que fica no ar...

Verdadeiramente interessantes são os dados estatísticos que confirmam a diversidade de castas de cada país, a riqueza ampelográfica de cada nação. Como seria de esperar, Portugal é o país que apresenta maior diversidade em termos relativos e absolutos, com as cinco principais castas em superfície ocupada (Castelão, Fernão Pires, Tinta Roriz, Malvasia e Trincadeira) a representar unicamente 24,6% da área total de vinha, atestando a heterogeneidade das castas portuguesas. Em países como Espanha, por exemplo, as cinco principais castas (Airén, Bobal, Garnacha, Tempranillo e Monastrell) representam 61,8% da área total de vinha, em França 50,5% da área (Merlot, Carignan, Grenache, Ugni Blanc e Cabernet Sauvignon), na Austrália 65,7% da área (Syrah, Cabernet Sauvignon, Chardonnay, Merlot e Sémillon) e na Nova Zelândia 76,6% da área (Chardonnay, Sauvignon Blanc, Pinot Noir, Merlot e Cabernet Sauvignon).

No grande projecto global, no parágrafo do volume total de vinho produzido, Portugal situa-se na décima primeira posição do ranking de países produtores, a par da Roménia, produzindo 2,3% do vinho mundial. Os primeiros dez assentos estão reservados para a Itália (18,5%), França (16,8%), Espanha (12%), Estados Unidos da América (9,9%), Argentina (4,5%), Austrália (4,4%), África do Sul (3,9%), Chile (3,7%), China (3,6%) e Alemanha (3,5%), segundo os dados estatísticos oficiais disponíveis em 2009. É também curioso saber que o vinho representa 61,9% das bebidas alcoólicas consumidas em Portugal, enquanto em Espanha esse valor se queda por uns míseros 33,8%, indicando uma muitíssimo maior dispersão de consumo pela cerveja e bebidas espirituosas.

Afinal, os indicadores estatísticos não são tão desastrosos como por vezes alguns dos apóstolos da desgraça nos querem fazer crer!

Extraído do sítio Fugas (Portugal)

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