25 de janeiro de 2012

RUBENS FIGUEIREDO CONTA COMO AS OBRAS RUSSAS INFLUENCIARAM SUA CARREIRA - Mayara Baggio



 

Foto Rafael Munduruca
Para o escritor, tradutor e professor brasileiro, a literatura russa continua com seu alcance crítico vivo. 

O sentimento de contestação que cercava a língua russa durante o período da ditadura civil-militar no Brasil foi um dos motivos que levou o carioca Rubens Figueiredo, em 1973 aos 17 anos, a optar pelo estudo do russo na universidade.

Atualmente, o professor da rede estadual de ensino e premiado escritor é um dos principais tradutores da literatura russa no país e já traduziu cerca de 70 livros, com destaque para obras de Liev Tolstói como Guerra e Paz, Anna Kariênina e Ressurreição, além de autores como Tchekhov, Górki, Turguêniev, Gontcharóv e Gógol, estes dois últimos ainda não publicados.

Em entrevista, Figueiredo afirmou que não há nada de misterioso no ofício da tradução e detalhou quais foram os caminhos traçados por ele durante os três anos em que traduziu Guerra e Paz.

Quais foram seus principais desafios durante a tradução, do russo para o português, de Guerra e Paz?

O trabalho foi normal. Sou tradutor profissional há mais de vinte anos, já traduzi uns 70 livros e não vejo nada de mágico nem de misterioso na tradução. No caso de Guerra e Paz, usei três edições em russo, consultei traduções para o francês e o inglês, além de uma edição em português feita por João Gaspar Simões, que não traduziu direto do russo. Trabalhei com vários dicionários e alguns glossários feitos especificamente para o Guerra e Paz. Além disso, eu já tinha uma ideia mais clara do que era importante preservar na prosa de Tolstói, pois já havia traduzido Ressurreição e Anna Kariênina. E essa foi sempre minha preocupação: não reduzir as peculiaridades da prosa de Tolstói aos padrões contemporâneos do que se considera uma prosa elegante e de bom gosto. Meu trabalho de tradutor de obras americanas e inglesas contemporâneas deixou-me convencido de que a literatura atual, em termos gerais, está sujeita a um protocolo tão rigoroso e opressivo que o que se tem hoje é uma prosa adequada em que todos escrevem praticamente da mesma forma. É mecânico de fato e denota o aspecto padronizador da produção capitalista de mercadorias. Está bem claro que a prosa de Tolstói deve, quando traduzida, se distinguir desse protocolo, para poder exprimir a visão crítica que constitui seu núcleo de conteúdo mais resistente.

Como a literatura e a cultura russa influenciaram seu trabalho como escritor?

Como escritor, a influência é bem séria. Os autores russos do século 19 e início do século 20 mostram, acima de tudo, que a literatura pode ter uma relação com a sociedade bem diferente do que nos acostumamos a ver como inevitável, sobretudo nos últimos 25 anos. Pois se trata de uma literatura empenhada num esforço coletivo de compreender a vida social e debater o destino de um país e da sociedade em geral. Assim ela se torna um consistente instrumento de conhecimento, a par das demais disciplinas que nos permitem conhecer e acompanhar criticamente a dinâmica histórica. Ou seja, a literatura russa mostra que a literatura em si não precisa necessariamente ser uma mercadoria de entretenimento ou uma marca de distinção social (mais um dos emblemas de uma elite que se destaca das pessoas comuns). Essa postura diferente afeta o conteúdo e a forma das obras da literatura russa lhes confere o alcance e a relevância que continua a se fazer sentir, e mesmo as críticas que às vezes lhe fazem denotam exatamente que seu alcance crítico continua vivo.

Guerra e Paz está cheio de notas de rodapé, que são observações suas, são dados sobre o autor e contextualizações históricas.

Minha preocupação com este trabalho, assim como com outras obras, era permitir que o livro comunicasse aquilo que era a realidade de sua época e não da nossa. Ignorar o contexto histórico é uma forma de silenciar o autor, ainda mais em obras russas, que são extremamente enraizadas nos problemas de sua sociedade.

Por que o brasileiro lê e busca a literatura russa?

A perspectiva diferente destes livros tem sido um atrativo para o leitor. As obras russas possuem características que não existem em outras literaturas do nosso tempo. Penso que o Brasil do século 20 também tem muitos pontos de contato com a Rússia do século 19, como se deu a introdução drástica do capitalismo e o processo de industrialização, por exemplo, há uma correlação, acredito que nestas obras percebemos coisas que nos ajudam a compreender nós mesmos.

Qual outro autor russo você gostaria de traduzir?

Ainda não conheço tão bem sua obra, mas me interessaria traduzir os contos, datados dos anos 40 e 50, de Platonov. Seria uma boa introdução, ele tem muito a nos dizer e possui uma maneira diferente de apresentar a literatura e falar sobre problemas sociais.

Extraído do sítio do Pravda

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