30 de janeiro de 2012

FILMES INDICADOS AO OSCAR MOSTRAM QUE A CULTURA FRANCESA ESTÁ EM ALTA EM HOLLYWOOD - Sérgio Rodrigo Reis

Além de ambientar seu filme em Paris,
Woody Allen trouxe para o elenco
ninguém nada menos que a primeira-
dama Carla Bruni-Sarkozy
O maior sucesso de bilheteria do cineasta americano Woody Allen nos últimos tempos é uma homenagem à efervescência cultural da capital francesa dos anos 1920. Em Meia-noite em Paris, indicado aos Oscar de melhor filme, direção, roteiro original e direção de arte, um escritor americano em pleno 2010, depois de pegar carona numa madrugada fria, é misteriosamente levado ao encontro de personalidades que viveram por lá no início do século passado. De uma hora para outra, ele passa a conviver com o charmoso círculo de amizade da escritora Gertrude Stein, formado por autores, pensadores e artistas como Pablo Picasso, Ernest Hemingway e F. Scott Fitzgerald. A deliciosa narrativa lidera uma série de produções, livros e exposições, que exaltam uma visão elegante e nostálgica da Cidade Luz. Para além do interesse turístico convencional, a cultura francesa, com essa movimentação, voltou à moda. 

O filme de Wood Allen ganhou reforços com a divulgação dos outros concorrentes à premiação americana. Deu França na cabeça. O longa A Invenção de Hugo Cabret, do veterano Martin Scorsese, a história de um órfão vivendo secretamente numa estação de trem em Paris, lidera o número de indicações ao Oscar: são 11. Logo em seguida vem o filme mudo e em preto e branco O artista, do diretor francês Michel Hazanavicius, com 10 indicações. Ele narra a saga do astro do cinema George Valentin (Jean Dujardin) e seu medo de perder espaço profissional com a chegada do cinema falado. Como ainda não estrearam no Brasil, a fama desses longas-metragens se resume à repercussão das indicações ao Oscar e dos prêmios já conquistados e às inúmeras críticas positivas que pipocam na internet.

Autor do guia E foram todos para Paris, o jornalista Sérgio Augusto, não entende o porquê de, de uma hora para outra, Paris ter se transformado em fenômeno. “A cidade nunca deixou de ter prestígio, sempre atraiu intelectuais, artistas e pensadores, sobretudo pelos ideais da Revolução Francesa e por ter se tornado espécie de meca da criatividade mundial.” Um certo ofuscamento cultural, que marcou a França nas últimas décadas, é atribuído, de acordo com ele, ao período pós-Segunda Guerra, quando os americanos, com seu poder de difusão da indústria cultural e de seus movimentos artísticos, espalharam seus ideais para vários continentes. A proposta de editar um guia nostálgico sobre a mesma cidade narrada por Woody Allen surgiu com a boa repercussão do filme Meia-noite em Paris. Mas não foi, nem de longe, uma cópia do argumento alheio.

Depois de uma de suas inúmeras viagens à França, Sérgio Augusto publicou num jornal paulista, nos anos 1990, uma extensa reportagem sugerindo uma visita diferente a Paris. Propunha ao visitante seguir os passos daquela turma de personalidades mundiais que fizeram a cidade fervilhar a partir de 1920, tornando-a cenário de um estilo de vida livre e descompromissado, berço de movimentos artísticos de vanguarda e inspiração para marcantes obras da literatura e das artes plásticas do século 20. A repercussão foi imediata: vários dos seus amigos guardaram o jornal e, vez por outra, quando iam até lá, levavam a publicação. Com a feliz coincidência do lançamento de Meia-noite em Paris, não faltaram pedidos de transformar a reportagem em livro. A aposta deu certo. Segundo ele, atualmente não param de aparecer lançamentos parecidos. “São tantos livros sobre Paris nas livrarias atualmente que viraram um tipo de gênero”, brinca.

Nostalgia

A escritora Lúcia Helena Monteiro Machado lançou, em 1997, o guia Paris para brasileiros, bem antes da mania atual. “Essa história de artistas e escritores americanos se mudarem para lá é antigo. Paris jamais saiu de moda.” Para ela, se há um fato novo é uma certa “redescoberta” daquela realidade por Hollywood. “Acho a cidade mais bonita que existe. É a capital cultural do mundo. Paris é sempre Paris.” A escritora não deixa de ter razão, mas não há como negar que existe, até mesmo dentro da França, um forte clima de nostalgia por tudo que a cultura daquele país significou no passado recente e uma forte tentativa de retomar a posição importante no cenário internacional. A excelente repercussão da exposiçãoMatisse/Cézanne/Picasso… A aventura dos Stein, que esteve nos últimos quatro meses no Grand Palais, em Paris, e foi encerrada no último domingo, é prova da boa fase. Ela virou fenômeno de público, sendo vista por mais de meio milhão de pessoas.

Modernos

A exposição no Grand Palais recuperou o papel de mecenas e incentivadora de jovens autores desempenhado pela poeta e escritora americana Gertrude Stein, que se mudou para Paris nos anos 20 do século passado. Coube a ela, ao chegar àquela cidade, ser uma espécie de líder da “geração perdida”, como ficou conhecido o grupo de autores americanos radicados na cidade à época, entre eles Ernest Hemingway, Zelda e F. Scott Fitzgerald, e ainda o papel de colecionar, com seus irmãos, as primeiras obras do núcleo fundador da pintura moderna, do qual fizeram parte artistas como Picasso, Matisse, Cézanne, Renoir, Delaunay, Juan Gris. O rico acervo da escritora ilustra a exposição, que também traz curiosidades sobre Stein e sua importância para as vanguardas do século 20. Antes de Paris, a mostra foi vista com boa repercussão no Museu de Arte Moderna de San Francisco, nos Estados Unidos, país que a recebe novamente no próximo mês, no Metropolitan Museum, em Nova York.

A boa fase da produção cultural francesa não é só internacional. Dentro do próprio país o cinema vive fase interessante, com fenômenos como Les intouchables (Os intocáveis), dos diretores Eric Toledano e Olivier Nakache. Baseado em fatos reais, trata da convivência de um tetraplégico milionário com um homem recém-saído da prisão, que se candidata ao cargo de cuidador dele. Um árabe na vida real, na película é representado pelo ator negro Omar Sy. O refinado cadeirante Philippe, apreciador de arte, gastronomia e música clássica, é interpretado pelo ator François Cluzet. Desse inusitado encontro nasce uma amizade incomum baseada na tolerância que cativou até o momento, só na França, mais de 17 milhões de espectadores. Les intouchables, que ainda não tem data definida de estreia no Brasil, é o carro-chefe de uma série de produções francesas com boas críticas e público crescente, que tem deixado para trás blockbusters estrangeiros. Outros exemplos são Polisse (prêmio da crítica em Cannes) e La guerre est declarée, que foi o candidato francês este ano para o Oscar de melhor filme estrangeiro.

Durante os nove anos em que fez mestrado e doutorado em cinema na França, o pesquisador de audiovisual Pedro Maciel Guimarães, um dos curadores da Mostra de Cinema de Tiradentes deste ano, viveu de perto aquela realidade e acha que essa repercussão da cultura francesa é uma feliz coincidência. “Paris e França são constantemente redescobertas.” Na realidade, ele vê a situação como um movimento de mão dupla. “Os europeus sonham em fazer carreira em Hollywood, já os americanos vão atrás daqueles cenários”, compara Pedro Guimarães. 

França na tela - Em cartaz

L’Apollonide – Os amores da casa de tolerância (L’Apollonide – Souvenirs de la maison close, França, 2011), de Bertrand Bonello, com Hafsia Harzi e Noémie Lvovsky. Passado no início do século 20, nos últimos dias do bordel L’Apollonide. 

Vem aí

O artista (The artist, França/Bélgica, 2011), de Michel Hazanavicius, com Jean Dujardin, Berenice Bejo e John Goodman. Na Hollywood de 1927, George Valentin, astro de filmes mudos, teme que a chegada do cinema falado faça com que ele seja esquecido. Estreia nacional: 10 de fevereiro. 

A invenção de Hugo Cabret (Hugo, EUA, 2011), de Martin Scorsese, com Chloe Moretz, Jude Law e Sacha Baron Cohen. Homenagem à Paris dos anos 1930. Conta a saga de um órfão que vive numa estação de trem e está envolvido no misterioso desaparecimento do pai. Estreia: 17 de fevereiro.




La delicatesse (França, 2011), de David Foenkinos e Stéphane Foenkinos, com Audrey Tatou. Mulher em luto pela morte do marido há três anos é cortejada por um sueco colega de trabalho. Estreia: 16 de março. 

Na internet

My French Film Festival - Em sua segunda edição, o festival virtual oferece, até 1º de fevereiro, exibições gratuitas de longas e curtas-metragens franceses. Entre as produções que serão apresentadas destacam-se: Um veneno violento, de Katell Quillevéré e A rainha das maçãs, de Valérie Donzelli. Os filmes podem ser vistos pelo site: www.myfrenchfilmfestival.com

Brassaï em BH

Uma visão incomum de Paris. Essa é a proposta da exposição Brassaï, Paris la nuit , até 1º de abril, no Oi Futuro Av. Afonso Pena, 4001). Na mostra, a capital francesa é vista a partir de jogos de sombras, claros e escuros, por meio das imagens feitas nos anos 1930, pelo fotógrafo Brassaï. As belas imagens, que formam espécie de crônica da vida noturna parisiense, com imagens externas, como a da Torre Eiffel, e de ambientes fechados, como cafés e cabarés, são rara oportunidade de ver as cenas registradas pelo fotógrafo húngaro com alma francesa Gyula Halász (1899-1984), que assinava seus trabalhos com o pseudônimo Brassaï. Sem dispor de flashes, utilizava postes, letreiros e faróis de carros como fonte de luz para as fotos. O único senão da exposição é a iluminação: boa parte da visibilidade das imagens fica prejudicada por reflexos de luzes nas fotografias ou pela pouca luminosidade em outras. Para um mestre da luz, de seus caprichos e sutilezas, é um erro que cobra correção urgente.

Extraído do sítio Divirta-se.uai

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