5 de janeiro de 2012

A ALMA DA CABALA - Arnaldo Niskier



No nível filosófico, a Cabala, escrita originalmente em aramaico, procura explicar a relação entre Deus e a criação, a existência do bem e do mal, e mostrar o caminho da perfeição espiritual. Movimento de início aristocrático, tornou-se depois religioso e popular no século 16, passando a atrair multidões, até chegar ao chassidismo.

Em sua versão popular, combinava letras hebraicas em fórmulas mágicas (amuletos) para curar enfermos e com objetivos essencialmente místicos, como a tentativa de apressar o advento do Messias.

A palavra Cabala vem da raiz hebraica Kabbel, que significa receber. Compõe-se de diversos livros, sendo o mais expressivo deles o Zohar, obra atribuída ao rabino Simeon Bar Yochai, que viveu no século dois. Um estudo exato desses livros exige o domínio do hebraico, considerado um alfabeto sagrado. O ponto de partida de todo o conhecimento vem do alfabeto. As 22 letras que constituem esse alfabeto são também números. Essas letras não são colocadas ao acaso, uma após as outras. Isso significa que estudar esses signos requer o estudo de alta matemática.

Cada letra hebraica é uma potência que representa três elementos: além da letra (hieroglifo), é também um número (o da ordenação no alfabeto) e uma ideia. As relações de cada uma das 22 letras estão ligadas às forças criadoras do universo. Essas forças evoluem nos três mundos: físico, astral e psíquico, constituindo-se no ponto de partida de várias teorias. Os antigos rabinos e os cabalistas explicam, segundo esse sistema, a ordem, a harmonia e a influência dos céus sobre o mundo.

Os primeiros sinais do misticismo judaico podem ser encontrados a partir do século um, mas, com as descobertas dos manuscritos do Mar Morto, o conhecimento do assunto deve ser anterior. Sabe-se que Babilônia e Bizâncio dos séculos seis e sete foram importantes centros de vida mística, onde se discutia a existência do Trono da Divina Glória, cujos adeptos sentiam suas almas se elevarem através de mundos e céus. A esses eram revelados os segredos da criação, os caminhos dos anjos e a possível data do advento do Messias.

Nas letras do alfabeto hebraico propõe-se a doutrina das 10 Sefirot (as potências divinas ou emanações segundo as quais Deus se comunica com o mundo físico e o metafísico). Através delas, o mundo veio a existir. O fim do homem é chegar à comunhão com Deus, pela concentração na oração e da mediação das Sefirot. O clímax do cabalismo espanhol foi o aparecimento do Zohar, ligado a Moses de Leon, morto em 1305.

Todos os sistemas cabalísticos posteriores derivaram do Zohar, que defende a ideia da manifestação própria ou da revelação de Deus por intermédio das potências divinas (Sefirot) que dele emanam. O Deus transcendente permanecerá sempre acima das mentes humanas, que só podem entender as Sefirot. Vamos citá-las para melhor compreensão: Coroa (Kether); Sabedoria (Chokhmah); Inteligência (Binah); Bondade amorosa (Chessed); Heroísmo (Guevurah); Beleza (Tiferet), para trazer harmonia e compaixão ao mundo; Eternidade (Netzach); Majestade (Hod); Fundamento (Yesod), que concentra todos os poderes mais altos e exerce influência; Reino (Malkhut), a potência que distribui a corrente divina aos mundos inferiores.



As Sefirot foram desenhadas e descritas pelos cabalistas de várias maneiras, como na forma de triângulos, árvores ou no corpo de Adam Kadman, o “homem primordial”, que é a nossa essência espiritual. O Zohar fundamenta toda a Cabala no Pentateuco, interpretando de modo místico cada palavra ou letra. Os ensinamentos espalharam-se nos séculos 14 e 15 pela Espanha, Itália e Polônia. Moisés Cordovero foi o teórico do movimento, tratando especialmente das diferenças entre panteísmo e cabalismo: “Deus é toda realidade, mas nem toda realidade é Deus”.

Correio Braziliense, 12/12/2011

Extraído do sítio da Academia Brasileira de Letras

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os comentários serão moderados. Não serão mais publicados os de anônimos.