30 de maio de 2012

JUAN RULFO E O SEU E SEU INTENSO SILÊNCIO - Jacir Alfonso Zanatta

Um escritor que marcou a história da literatura, não pelo que disse, mas pelo que deixou de dizer. Esta afirmação pode até parecer estranha e contraditória, mas a verdade é que o mexicano Juan Rulfo escreveu apenas duas obras em toda a sua vida: o romance “Pedro Páramo” e o livro de contos “Chão em Chamas”. Depois disso se recolheu em sua solidão para não escrever mais nenhum livro durante o resto de sua vida. Mas, o único romance que produziu serviu como inspiração para escritores como Gabriel Garcia Marques e Mário Vargas Llosa. 

Quem se dispõe a ler “Pedro Páramo” fica incomodado com o longo silêncio que o autor se impôs. A cada pedido para publicar um novo livro, ele se defendia dizendo que quando não há nada que efetivamente valha a pena ser dito, mais vale ficar em silêncio. São páginas que ultrapassam as fronteiras da nacionalidade e colocam Juan Rulfo como um dos maiores escritores da América Latina e da literatura universal. Depois de “Pedro Páramo”, o 35º da lista dos melhores do século XX, o autor não tinha mais motivos para escrever novo livro, já estava entre os imortais. 

É interessante observar como seu silêncio incomodava os demais. Ele, no entanto, se mantinha irredutível e inabalável no esconderijo de sua própria alma. Soube como ninguém dizer não às cobranças e optou por deixar um único legado que suplanta qualquer outra tentativa. Alguns podem estar pensando que Rulfo deixou de produzir por medo de fracassar como escritor. Cuidado! Não se enganem. É importante lembrar que o autor começou a escrever para espantar a solidão. Mas sua escrita lhe trouxe a fama e com ela uma nova realidade como personalidade nacional e internacional que o autor não estava acostumado. 

A escrita que no início servia como companheira para espantar a solidão acabou ficando de lado para que a solidão pudesse se tornar um refúgio contra as cobranças de novas publicações. Desta maneira, a solidão que num primeiro momento parecia assustadora, acabou por se tornar uma amiga indispensável de travessia. Enquanto lia “Pedro Páramo” ficava imaginando a figura singular de Juan Rulfo e me veio à mente a canção “Solidão” que na voz de Sandra de Sá fez sucesso alguns anos atrás: “Solidão/ Dá um tempo e vai saindo/ De repente eu tô sentindo/ Que você vai se dar mal”. Acredito que era este sentimento que fez Rulfo optar por se calar e não mais produzir. 

Mas “Pedro Páramo” não trata apenas de solidão, é uma obra mágica que consegue mostrar as mazelas daqueles que acreditam possuir alguma autoridade sobre a vida e a morte. Autoridade esta que se desfaz com a própria vida. Num país assolado pela miséria e por constantes revoltas, Rulfo acreditava que as orações não enchem a barriga de ninguém, a não ser dos padres e pastores. Esta é uma obra com forte apelo psicológico e com capacidade de nos fazer entender que a vergonha não tem cura e que o mundo contemporâneo muda o tempo todo parecendo um líquido sendo trocado de recipiente, onde cada um tem a liberdade de lhe dar a forma que melhor convém. 

Mas o que mais chama a atenção é o fato de que conforme vamos lendo o livro, temos a nítida impressão de que estamos sendo roubados e que a história está sendo contada pela metade. Algo fica velado. A verdade é amputada e quanto mais o autor vai revelando a trama, mas ela insiste em se esconder do leitor. Enfim, realidade e fantasia acabam se misturando até percebermos que, no romance assim como na vida, as coisas nunca saem do jeito que a gente quer ou espera que aconteçam. 

De acordo com o autor, a voz do pobre é feita de fiapos humanos. Nas entrelinhas o autor defende que as pessoas simples ficam tanto tempo sem erguer o rosto que acabam esquecendo de olhar para o céu. Amargurado com a solidão que ele mesmo se impunha, Rulfo (2008, p.77-78) defendia que “a única coisa que faz com que a gente mova os pés é a esperança de que ao morrer nos levem de um lugar a outro; mas quando fecham para a gente uma porta e a que continua aberta é só a do inferno, mais valeria não ter nascido”. 

Rulfo escreveu e revelou o mundo de seus fantasmas e esperanças e, acabou por revelar o mundo interno de todos nós. Sempre defendeu que tinha começado a escrever para combater a solidão. Metade da primeira edição de “Pedro Páramo” o autor deu de presente aos seus amigos. O resto que sobrou levou mais de quatro anos para ser vendida. Depois do reconhecimento e da fama que o livro lhe proporcionou e das cobranças para uma nova publicação ele se defendia de seu silêncio dizendo que não tinha escrito mais nada que valesse a pena transformar em livro. 

Um romance para ser lido e relido. O início do romance deixa transparecer um cunho realista muito forte. Depois o texto se torna descritivo e por fim a obra ganha um ar de poesia para terminar de forma fantástica. O enredo trata da promessa feita por um filho à mãe moribunda, que lhe pede que saia em busca do pai, um malvado assassino. A história gira em torno de Juan Preciado que vai a Comala, terra de seu pai, Pedro Páramo, para cumprir a promessa feita a sua mãe, que pede vingança. O personagem central chega a uma cidade abandonada, encontra pessoas e convive com elas. Depois descobre que estão mortas e que talvez ele mesmo esteja morto. 

Rulfo (2008) defende que a morte não se reparte e que é preciso tomar cuidado com quem andamos, uma vez que as pessoas não andam à procura de tristeza. O livro serve para nos mostrar que este mundo nos dilacera por todos os lados e que a vida, quanto mais se tenta preserva-la, mais ela se esvazia como se fosse pó. No final temos a nítida sensação de que a terra em que vivemos, de alguma forma, está sendo regada com nosso sangue. 



Juan Rulfo nasceu em Sayula, no estado de Jalisco, no México. Em 1970 recebeu o prêmio nacional de literatura do México, e em 1983, o prêmio Príncipe de Astúrias, na Espanha. Em 1991 foi criado o prêmio Juan Rulfo, que condecora grandes nomes da literatura latino-americana. Juan Rulfo morreu no dia sete de janeiro de 1986, na Cidade do México onde havia chegado em 1935, aos 18 anos e na mais sombria solidão. Foi enterrado com honras nacionais. É um dos autores mais estudados e reverenciados, um dos menos imitados. Rulfo é uma espécie de ícone para escritores de linhas, tendências, épocas e estilos completamente diferentes. 

Livro: RULFO, Juan. Pedro Páramo. Rio de Janeiro: BestBolso, 2008.


Extraído do sítio Diário de Cuiabá

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