20 de maio de 2012

O HOMEM QUE HABITAVA O ABISMO

Personagem central do filme "O Corvo", Edgar Allan Poe tem coletânea ilustrada de contos editada no Brasil.

Edgar Allan Poe
Quatro dias antes de morrer, o escritor norte-americano Edgar Allan Poe (1809 - 1849) foi encontrado distante de casa, vagando perdido, vestido roupas estranhas e mergulhado em delírios. Internado, não conseguia estabelecer um discurso claro e chamava insistentemente por "Reynolds" - alguém que jamais foi identificado.

Este mistério não solucionado da vida de um dos escritores mais importantes da língua inglesa é retomado em "O Corvo", filme em cartaz na cidade, estrelado por John Cusack, interpretando Edgar Allan Poe. Na história, o escritor se envolve na investigação de crimes de um assassino serial que faz referências a sua obra.

O filme tem dividido opiniões - ainda que não chegue a ser destroçado por aqueles que não gostaram do que viram. Tem, contudo, o inegável mérito de chamar a atenção para a escrita de Poe.

A luxuosa coletânea "Contos de Imaginação e Mistério" foi lançado no começo do ano, pela editora Tordesilhas. O livro antecedeu o oba-oba em torno do longa-metragem hollywoodiano, mas é, desde já, um das edições mais bem cuidadas da obra do autor. E, isso, importante salientar, não é pouco.

Incompleto

Com sua bibliografia completa em domínio público, Edgar Allan Poe é autor fácil de encontrar nas livrarias. Abundam edições de todos os preços. São coletâneas com combinatórias variadas de seus contos, poemas e ensaios.

Ainda assim, não se pode dizer que Poe foi devidamente tratado pelos lados de cá. Com uma obra relativamente pequena (70 poemas, 66 contos, duas novelas, um romance), nenhuma editora se arriscou a editar uma necessária coleção completa de seus escritos. Daí que o leitor que se apaixonar por sua escrita sombria - e, aviso, isso não é algo difícil de acontecer - será condenado a enfrentar volumes cheios de histórias repetidas para garimpar esta ou aquela história menos lembrada.

Interpretações

Incompleta como as demais, "Contos de Imaginação de Terror" é uma das mais bem urdidas coleções de histórias de Poe. Ficam de fora os poemas e a prosa longa: o foco é a narrativa curta, da qual o escritor foi um mestre incontestável. Foi como contista, aliás, que Poe deu suas principais contribuições à literatura, criando padrões que, mais tarde, seriam copiados à exaustão, nos terrenos da ficção policial e do terror psicológico.

A edição brasileira é a tradução de uma coletânea clássica, "Tales of Mystery and Imagination", editada em 1919, pela casa editorial Harrap. O volume reúne contos clássicos, como "O poço e o pêndulo", "O gato preto", "Manuscrito encontrado numa garrafa", "Os assassinatos da Rue Morgue" e "A queda da Casa de Usher", e outros um tanto esquecidos, como "William Wilson", "O colóquio de Monos e Una" e "O mistério de Marie Roget".

O antologista, não identificado, foi feliz ao traçar um panorama da criação de Edgar Allan Poe: estão lá os contos de terror, em que o autor explora os abismos da psique humana; as histórias de detetive, em que o fantástico reside no exagero da razão - e, por isso mesmo, antecipou o famoso Sherlock Holmes, de Arthur Conan Doyle; e a prosa eivada de poesia (vide "Berenice").

A seleção de 1919 conquistou admiradores, como o escritor argentino Julio Cortázar, que verteu o livro para o espanhol. Não bastasse a força da escrita de Poe, a edição - que no Brasil foi reproduzida à perfeição - traz uma coleção de ilustrações do artista irlandês Harry Clarke (1889 - 1931). Elas recriam passagens dos contos do autor, carregando-as de sombras. O resultado é uma sinistra intercessão de elementos góticos, simbolistas e bizantinos.

A edição brasileira vem ainda com um bônus de peso: um ensaio do poeta Charles Baudelaire (1821 - 1867), o introdutor de Poe na França, sobre o projeto estético do escritor norte-americano. A tradução é de Cássio Arantes Leite.

Contos de imaginação e mistério - Edgar Allan Poe - Ilustrações: Harry Clarke - Tradução: Cássio de Arantes Leite - Tordesilhas - 2012, 424 páginas.

Extraído do sítio Diário do Nordeste

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