8 de abril de 2013

SARA MONTIEL (1928-2013), A VENDEDORA DE VIOLETAS QUE TRIUNFOU EM HOLLYWOOD - Sérgio C. Andrade

A actriz de Vera Cruz e de A Última Copla foi um ícone da beleza hispânica no cinema americano. Mas acabou por preferir a música ao cinema.


A diva, o mito erótico, o expoente da beleza hispânica, a primeira espanhola a triunfar em Hollywood... As notícias dos jornais e agências repetem-se nas referências a Sara Montiel, a actriz e cantora que ontem morreu na sua casa de Madrid, menos de um mês após ter celebrado os 85 anos.

Dois filmes — Vera Cruz (1954) e A Última Copla (1957) — fazem também o pleno das referências à biografia simultanemente cinematográfica e musical de “Sarita” – como era também conhecida. O primeiro é um clássico do western realizado por Robert Aldrich, em que contracena com Gary Cooper e Burt Lancaster, e que haveria de impor o nome de Sara Montiel em Hollywood. A Última Copla, um musical de Juan de Orduña, em que a actriz se afirma também como cantora, afirmar-se-ia o maior êxito do cinema espanhol, tendo estado mais de um ano em exibição.

Em Hollywood, depois de ter feito de mexicana no filme de Aldrich, Sara fez de índia em A Flecha Sagrada (1957), de Samuel Fuller (com Rod Steiger). E, no mesmo ano, A Rapariga das Violetas, de Luis César Amadori, de novo a cantar as vidas difíceis na sua Espanha natal.

Jorge Silva Melo começou a ouvir falar de Sara Montiel em casa, com o pai a citar repetidamente “as aventuras e desventuras daquela rapariga que perde a voz, o Raf Vallone a olhar para ela quando ela cantava ‘en Madrid aparecen las violeteras’”, recorda o realizador e encenador em depoimento via email. “Até que um dia vi La Violetera e, meus caros amigos, que belíssimo filme, que belíssima interpretação, que actriz, que personalidade. (...) E dei razão ao meu pai: Sara é inigualável, um milagre de indolência, trabalho, intensidade”, continua o encenador dos Artistas Unidos.

Durante três décadas, entre Espanha, México e Hollywood, Sara Montiel construiu não só uma carreira, mas também uma imagem, essencialmente fundada no melodrama, que o jornalista Víctor Núñez Jaime, do El País, vê como “metáfora inequívoca de uma certa Espanha dos anos 50, 60 e 70”. Na “Meca do cinema”, ia contracenando e privando com os grandes nomes da Sétima Arte — de Vincent Price a Joan Fontane, de Mario Lanza a Frank Sinatra, de Marlon Brando a Greta Garbo... E com o realizador Anthony Mann (Serenata, 1956), que se tornaria no primeiro dos seus quatro maridos.

Em entrevista à rádio espanhola Onda Cero, agora citada pela AFP, Sara Montiel descreveu o seu encontro com a diva do cinema mudo, que um dia lhe apareceu em casa para jogar ténis com Anthony Mann e os amigos: “Ela estava no meu jardim, e aproximou-se. O meu marido disse-me: ‘Antonia [o nome verdadeiro da actriz, sendo María Antonia Abad Fernández], vou apresentar-te Greta Garbo. Eu quase desmaiei! Vi essa mulher, os olhos tão misteriosos, tão belos, que nunca mais esqueci. Olhos de um azul do deserto, como os de Gary Cooper”.

Apesar deste fascínio todo por Hollywood, Sara Montiel acabou por preferir a música ao cinema, que haveria de abandonar em 1974, depois de uma carreira de meia centena de títulos. “Em todo o lado, A Última Copla caía como uma avalancha e triunfava. Num caso destes, quem é que quereria voltar a fazer de índia?”, disse a actriz-cantora em entrevista ao El País, em Outubro, explicando por que preferiu a música.

Os dez centímetros de maquilhagem que cobriam a sua pele eram (e ela sabia-o) perfeitos para as câmaras de televisão que não paravam de a filmar e de dar dela a imagem que ela queria, espanhola, malandra, linda, linda.Jorge Silva Melo, realizador português

Continuou a fazer concertos e espectáculos por todo o mundo. Mas transportando sempre o rasto do cinema. Como quando, em 1992, esteve na Cinemateca Portuguesa, em Lisboa, trazida por João Bénard da Costa, para acompanhar a exibição de La Violetera. Uma sessão “inesquecível”, assim recordada por Jorge Silva Melo. “Já teria uma certa idade (sessentas...), mas os dez centímetros de maquilhagem que cobriam a sua pele, as pestanas postiças, o cabelo penteado, se eram deprimentes para quem a via ao pé, eram (e ela sabia-o) perfeitos para as câmaras de televisão que não paravam de a filmar e de dar dela a imagem que ela queria, espanhola, malandra, linda, linda. Foi nessa sessão que, com raríssima inteligência que a todos nos deixou gelados, ela disse: ‘Os meus filmes não serão bons, nunca me preocupei com eles serem ou não uma obra de arte. A obra de arte que eu quis fazer sou eu, Sara Montiel!’”

Essa presença e autoconfiança era a expressão de uma mulher de grande energia, que ainda em Outubro dizia, na entrevista ao El País: “Na Primavera, vou fazer concertos, mas em Dezembro e Janeiro não faço nada”.

A Primavera não chegou a tempo de voltar a ouvir cantar a intérprete de Beija-me muito.


Extraído do sítio Público.pt

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