16 de abril de 2013

JOSÉ CASTELLO: CADA LEITOR É SEMPRE UM POUCO CO-AUTOR DO LIVRO QUE LÊ - Fernando de Oliveira

A capa do livro da Leya

O escritor José Castello fala do novo livro, que traz seleção de suas colunas publicadas no jornal O Globo, e de seu processo de trabalho.

Leitores pediram e o premiado jornalista e escritor carioca José Castello atendeu: selecionou, com base em “critérios pessoais”, algumas de suas melhores colunas publicadas no caderno Prosa & Verso do jornal O Globo e as reuniu no livro Sábados Inquietos, já à venda nas livrarias.

Lançado pela Editora Leya, o volume traz cem das mais de 250 crônicas escritas por Castello para o Prosa entre janeiro de 2007 e março de 2012.

Nos textos estão suas impressões sobre Machado de Assis, Nelson Rodrigues, Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto, Gustav Flaubert, Franz Kafka, Raimundo Carrero, Cristovão Tezza, José Eduardo Agualusa e muitos outros autores consagrados.

Diz o escritor: “Através da leitura, faço longas e inesquecíveis viagens ficcionais. Digamos, portanto, que este é um livro de viagens. Uma coletânea de aventuras que narram minhas peripécias através dos mares inquietos e turbulentos da poesia e da ficção. Assim o vejo, e assim gostaria que o lessem”.

Na seguinte entrevista exclusiva, concedida ao Diário por e-mail, José Castello, de 62 anos, fala sobre sua faceta de colunista, seu método de trabalho e futuros projetos.

Diário Regional – O senhor já escreveu mais de 250 colunas no Prosa & Verso, mas só selecionou 100 para o livro Sábados Inquietos. O que levou em conta na hora de escolhê-las?

José Castello - Os critérios foram apenas pessoais. Pensei nos livros que mais me interessaram, nos autores de que mais gosto, nas colunas em que (eu acho) acertei um pouco mais a mão. E só. Cheguei a pensar se não seria bom que o livro fosse organizado por outra pessoa. Mas desisti. Sempre escrevi as colunas numa perspectiva extremamente pessoal, achei que devia conservá-la no livro.

DR – Como sugere a leitura dessa coletânea?

Castello - A ordem das colunas é cronológica. Cheguei a pensar em organizá-las por temas, por autores, por gêneros, etc. Mas desisti também. Preferi me ater ao recurso mais simples da cronologia. Agora, acho que cada leitor deve – como sempre deve ser, aliás – escolher sua maneira de ler. Literatura não é escrito sagrado. Você lê literatura como quer, seguindo seus desejos, seus impulsos, suas repulsas. É assim que é bom, é assim que deve ser. Cada um escolhe seu caminho, já que sem liberdade não há literatura também.

DR - Como é sua rotina para escrever as colunas do Prosa & Verso?

Castello - Costumo dedicar pelo menos quatro dias da semana, ou parte deles, para trabalhar em cada coluna. Nos dois primeiros, leio o livro. No terceiro, rascunho a coluna – chegando bem perto do texto final. No quarto dia, faço os cortes necessários (tenho o limite rígido de 6.000 caracteres com espaços) e afino o texto.

DR – O senhor deve receber muitos livros para escrever sobre eles, certo? Consegue ler todos? Com que critério seleciona os livros que lê?

Castello - Seria impossível ler todos os livros, originais, provas, etc que recebo. Humanamente impossível. Sei que faço uma escolha falha, parcial. Que corro o risco de deixar grandes livros de fora. Mas sigo meu gosto, meu “faro”, meu instinto. Depois de minha triagem, a propósito, a lista ainda passa por uma segunda triagem, feita pelos editores do suplemento Prosa. O que significa dizer que não escolho os livros sozinho, embora o suplemento dê sempre grande importância e atenção às sugestões que lhes faço.

DR – O que é ler um livro?

Castello - Ler um livro é fazer uma viagem. Uma viagem através do livro. Não leio para fazer avaliações, ou para aplicar teorias literárias. Não sou juiz, nem professor. Leio como o “leitor comum” que sou desde menino. Sempre li “às cegas”, isto é, guiado apenas por meu gosto, pelo impacto que os livros provocam ou deixam de provocar em mim. Leio como qualquer leitor. Se o livro não me interessa, largo-o pelo meio, sem nenhuma culpa. Pode ser um jovem iniciante, pode ser um prêmio Nobel, ajo sempre da mesma maneira.


DR – Poderia citar três de seus autores prediletos e por que os têm em mais alta conta?

Castello - Pergunta difícil, porque são tantos! Entre os escritores brasileiros vivos, sou um admirador entusiasmado da obra do João Gilberto Noll. Entre os mortos, todos conhecem minha grande paixão pelas ficções de Clarice Lispector. Na poesia, é inevitável citar Vinicius de Moraes, um poeta sempre menosprezado, sempre tido como “menor” – mas um poeta genial. São, os três, escritores viscerais. Que não escrevem para seguir modas, para agradar a crítica, para se adaptar a cânones, etc. Que seguem apenas seu instinto e sua voz interior. Escritores verdadeiros, que não brincam em serviço. Que escrevem para chegar ao coração selvagem da vida, como dizia Clarice Lispector, aliás.

DR - A literatura ainda influencia a sociedade como em outras épocas?

Castello - Creio que a literatura tem um grande potencial no século 21. Vivemos no século do pragmatismo, dos dogmas, das fórmulas e do “como fazer”. A literatura – pelo menos aquela que me interessa – é completamente indiferente a tudo isso. Ela anda na contramão de nosso século. Num século que privilegia a norma, a literatura aposta tudo no singular. Num século que busca obsessivamente a perfeição, a literatura nos ensina que o que importa, de fato, é saber “errar bem”. Errar à sua maneira, ser o que se é, chegar à própria voz. Isso define os grandes escritores.

DR – Como vê o público leitor brasileiro?

Castello - Infelizmente ainda muito pequeno, embora em processo de expansão. Em Curitiba, onde moro, existem muitos círculos de leitores, muita gente trabalhando em oficinas, muita gente lendo solitariamente. De modo meio secreto, a leitura se expande. Até porque, em um século que nos joga todo o tempo para fora, a literatura – que nos lança para dentro de nós mesmos – se torna, muitas vezes, um instrumento de salvação.

DR – Como é sua relação com seus leitores?

Castello - Muito simpática. Eles me escrevem ou procuram, quase sempre, na maioria absoluta das vezes, para trocar ideias, para fazer comentários, para me emprestar novas maneiras de ler. Aprendo muito com meus leitores, muito mesmo. Acredito que cada leitor é sempre um pouco co-autor do livro que lê.

DR – Em entrevista ao Diário no ano passado, o senhor disse que estava “terminando” um ensaio sobre Robinson Crusoe, de Daniel Defoe. Quando será publicado?

Castello - Terminei uma primeira versão do ensaio, mas a verdade é que não gostei do resultado e não a entreguei a meu editor. Agora ela está “dormindo”. No segundo semestre, pretendo relê-la, para decidir de vez o que farei com ela. Se a reformarei, ou se começarei a escrever tudo de novo – o que me parece o mais provável. Os livros nunca ficam prontos quando queremos, eles são muito teimosos e muito independentes, e precisamos aprender a conviver com isso, e a respeitar isso.

DR - Quando o senhor voltará a escrever ficção?

Castello - Há anos, tomo notas para um terceiro romance. Tenho muita coisa anotada. No momento, estou envolvido na escrita de um livro institucional. Mas assim que terminá-lo, o que deve (tem de) ocorrer até o meio do ano, voltarei ao romance. Ele cada vez ferve mais em minha cabeça e em minhas notas.

Extraído do sítio Sul21

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