15 de abril de 2013

IMORTAIS DA ABL: ONDE NASCEM, DO QUE VIVEM E O QUE LEGAM - Daniel Jelin

O típico imortal da Academia Brasileira de Letras é homem, natural do Rio de Janeiro, ganha a vida no serviço público e quase só é lembrado nos anais da própria academia.


Das muitas tradições cultivadas pela Academia Brasileira de Letras, a de dar abrigo a nomes estranhos ao meio literário é uma das mais arraigadas – mais até que o fardão (adotado em 1911), o Petit Trianon (erguido em 1922 e doado à ABL no ano seguinte) e, talvez, o próprio chá das cinco (que não se sabe bem quando virou ritual).

Em carta datada de 1904, Joaquim Nabuco, um dos principais articuladores da ABL, escrevia a Machado de Assis, seu primeiro presidente: “Devemos fazer entrar para a Academia as superioridades do país (...) A Marinha não está representada no nosso grêmio, nem o Exército, nem o Clero, nem as Artes, é preciso introduzir as notabilidades dessas vocações que também cultivem as letras. E as grandes individualidades”. Machado assentia: “A sua teoria das superioridades é boa”.

Na ocasião, Nabuco defendia o ingresso na ABL do herói da Guerra do Paraguai Artur Jaceguai. Machado não se opunha, mas Jaceguai sim, alegando, justamente, não ser um homem de letras. Em 1907, rendeu-se às insistências e entrou para Academia com um discurso famoso por não fazer referência ao antecessor, Teixeira de Melo, de quem dizia não ter conhecido nem “o homem nem a sua obra”.

Memória 

Como se podia prever, Jaceguai teve um atuação apenas discreta na casa de Machado. Em uma das poucas iniciativas lembradas, defendeu a redução do número de cadeiras, de 40 para 30 - o que, obviamente, não prosperou.

O que prosperou foi mesmo a "teoria das superioridades”. De 243 imortais, escritores dignos de nota são a exceção. A maioria esnobou ou foi esnobada pela academia. Inversamente, a maioria dos acadêmicos é quase apenas lembrada nos anais da própria confraria.

A Enciclopédia Itaú Cultural de Literatura Brasileira, disponível on-line, perfila 60 imortais (25%). Dos 40 fundadores, são lembrados 10 (25%). Dos 40 atuais, 13 (33%). Mapeamento feito pelo mesmo Itaú Cultural com tradutores e pesquisadores no exterior aponta uma proporção aproximada: 56 imortais citados (23%). Dos 10 nomes mais lembrados pelos estudiosos, são 3 os imortais (Machado de Assis, Guimarães Rosa e Jorge Amado). Dos 100 mais citados, 27 pertencem ou pertenceram à academia.

Já a Enciclopédia de Literatura Brasileira organizada por Afrânio Coutinho (que ocupou a cadeira nº 33) e José Galante Sousa é bem mais generosa com os imortais: cita 214 dos 223 imortais eleitos até o relançamento da obra, em 2001 (96%). Dos 20 eleitos desde então, apenas 12 (60%) são lembrados.

Um vasto levantamento empreendido pela própria ABL, para o período de 1940 a 2008, encontrou apenas 14% de imortais cuja principal ocupação era a de escritor. Outros 31% eram profissionais liberais. O típico imortal ganhava a vida no serviço público (55%), em particular na sala de aula ou no Itamaraty.

Acadêmicos

Cinco fundadores imortais: Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Olavo Bilac, Rui Barbosa e Aluísio Azevedo.

Cinco medalhões das letras: Manuel Bandeira, Euclides da Cunha, Guimarães Rosa, Jorge Amado e João Cabral de Mello Neto.

Cinco nomes do poder: Getúlio Vargas, Aurélio de Lyra Tavares, José Sarney e Marco Maciel. O ex-presidente Juscelino Kubitschek também cobiçou uma vaga, mas foi derrotado - à época, anos 1970, já não era mais poder...

Cinco candidatos derrotados: Monteiro Lobato, Mário Quintana, Oswald de Andrade, Di Cavalcanti e Lima Barreto.

Cinco imortais que renunciaram: Graça Aranha, Clóvis Beviláqua, José Veríssimo e Oliveira Lima. Rui Barbosa também renunciou, mas a Academia não aceitou seu desligamento, e ele ficou.

Bairrismo 

Igualmente típico dos imortais é sua naturalidade: o Rio de Janeiro. O estatuto da academia cobra que pelo menos 25 membros do colegiado tenham residência na capital. Dos 40 fundadores, 18 eram do Rio. Dos atuais, 19. De todos os 243, são 77 os nascidos no estado. São Paulo e Minas têm 30 imortais cada. Pernambuco tem 23; Bahia, 20; Rio Grande do Sul, 11; Maranhão 10; os demais estados, 41; e um imortal – Filinto de Almeida – nasceu em Portugal.

Bolinhas 

A ABL foi um clube dos bolinhas tenaz. Mulheres foram vetadas por décadas. A primeira eleita foi Rachel de Queiroz, em 1977. Para efeito de comparação, o Nobel de literatura, criado quatro anos após a ABL, saiu pela primeira vez para uma mulher já em 1909 (para a sueca Selma Lagerlöf). Desde a eleição de Rachel de Queiroz, a ABL elegeu 60 homens e apenas 7 mulheres, a última delas na quinta-feira, Rosiska Darcy de Oliveira.

Melhor idade 

Se tem uma coisa que mudou na história da ABL é seu perfil etário. A imortalidade chega cada vez mais tarde às "grandes individualidades". A primeira geração tinha uma média de 42 anos (Olavo Bilac contava 32 anos, e Graça Aranha, apenas 29). A idade média com que os atuais membros da casa de Machado se elegeram é de 63 anos.

Fascínio 

Com todo tipo de distorção, o fascínio persiste, e a ABL continua sendo objeto de cobiça de escritores – inclusive os bons – e "superioridades" em diversas áreas. E isso não se deve apenas aos jetons e outras vantagens que a cadeira garante a seu ocupante. A verdade é que um punhado de imortais é o suficiente para garantir o prestígio de toda a instituição:Manuel Bandeira, Euclides da Cunha, Guimarães Rosa, Aluísio Azevedo, Jorge Amado, João Cabral de Mello Neto, Olavo Bilac, Rui Barbosa, Graça Aranha, José Lins do Rego, Moacyr Scliar, Raquel de Queiroz, entre tantos outros. É a casa de Machado, afinal, e para todos os efeitos um marco da institucionalização da vida literária brasileira.

Extraído do sítio Revista Veja

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