17 de março de 2013

A POESIA E A LÍNGUA PORTUGUESA NA ERA DA INTERNET - Régis Bonvicino


Não se pode falar sobre a poesia na internet, sem se falar, brevemente, sobre a situação da língua portuguesa na rede. O português é a única língua oficial de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, além de uma das línguas oficiais da Guiné Equatorial, do Timor-Leste e de Macau, na China.

No que respeita à internet, o primeiro aspecto a se apontar é a grande defasagem entre a proporção de seus falantes na população mundial e a dominação nítida de sites em outras línguas. Não se falam as mesmas línguas nas mesmas proporções no mundo real e no mundo virtual. Enquanto a língua portuguesa é a sexta mais falada no mundo por um universo de 250 milhões de indivíduos em todos os continentes (no Brasil há 190 milhões de falantes), os sites em português não se incluem sequer entre os quinhentos maiores do mundo.

A atuação mais importante é a do mercado norte-americano, secundado pelas universidades e pelo governo, com sua enorme capacidade de criação de novos sites e de novas ferramentas. Entretanto, alguns países, isto é, algumas línguas regionais, têm conseguido marcar suas posições. Isto deveria servir de exemplo e estímulo para a língua portuguesa.

No grupo dos 25 maiores sites em número de visitas, o inglês, a quarta língua mais falada no mundo, detém, entre outros, os quatro maiores (Google, Facebook, Youtube e Yahoo!), enquanto o mandarim, a primeira língua mais falada, tem o quinto, o oitavo, o décimo segundo e o décimo nono maiores sites (Baidu, QQ, Taobao e Sina). A Índia, cuja língua principal, o hindi, é a segunda mais falada no mundo, tem o décimo quarto site em visitas (Google Índia, que deveria chamar-se Google Hindi), e o japonês, a nona língua, o décimo quinto site (Yahoo Japan). O russo, a oitava língua mais falada, tem o vigésimo primeiro e o vigésimo quinto maiores sites (Yandex e VK), e o alemão, a décima língua, o vigésimo quarto maior site (Google. DE).

O português se encontra, e não por qualquer inexorabilidade, num segundo subgrupo, o dos que não conseguiram traduzir sua presença humana em presença virtual, junto com o espanhol, o árabe e o bengali, terceira, quinta e sétima línguas mais faladas, respectivamente. O oligopólio dos maiores sites de busca e informação, como Google, Yahoo! e Wikipédia (primeiro, quarto e sexto maiores sites do mundo em número de visitas), demonstra que a participação da língua portuguesa na internet não é e nem será automática, mas, ao contrário, tem de ser construída, conquistada, politicamente.

A poesia sempre foi e é uma prática minoritária no âmbito da língua. Há uma grande defasagem também entre o número dos falantes de português e os leitores de poesia nessa língua. No que se refere à poesia brasileira atual, bastante autocentrada, sem diálogos com as poéticas de outros países, pode-se afirmar, em linhas gerais, que ela cresceu apenas em presença e quantidade, com a internet, mas, sem revelar novas qualidades e sem explorar o novo meio. A razão é, neste caso, simples. A internet confere ao internauta o direito irrestrito de ser autor, de ser poeta. Até agora, esse “direito”, meramente narcísico, sem compromisso com a tradição poética ou com a própria poesia, revelou mais amadorismo e acriticismo do que qualquer outra coisa; gerou ainda uma confusão, muitas vezes antidemocrática, entre as esferas pública e privada. O resultado imediato da internet para a poesia foi fazê-la cair, vertiginosamente, de nível, sem aumentar seu público.

Alguns, como o filósofo francês Alain Finkielkraut, são pessimistas em relação aos efeitos da internet na sociedade. Para ele, a internet reduz a civilização à mera interação, à informação ligeira, aos discursos uniformes, às repetições, às diluições e às trivialidades – o contrário exato do que deve se propor a ser a poesia. Basta dar como exemplo os primeiros versos de “Procura de poesia”, de Carlos Drummond de Andrade: “Não faças versos sobre acontecimentos./ Não há criação nem morte perante a poesia./ Diante dela, a vida é um sol estático,/ que não aquece nem ilumina”. Hoje, o uso que os milhares de poetas (e os milhares de pretendentes a poeta) fazem dela e da internet é passivo, valendo-se desses campos, tão distintos, como espaços gratuitos de publicação e ou de autoelogio. Na rede, os “autores”, amadores, “concorrem” com o profissionalismo dos websites dos jornais e do comércio em geral. Esse uso passivo se mostra infinitamente aquém das possibilidades da tradição da arte da poesia. O exercício poético de nível na internet é, por ora, uma pergunta sem respostas consistentes e ou mesmo sem respostas.

Prática minoritária dentro da língua, a poesia depende do poder dessa mesma língua para existir de modo visível, mas deveria também ser mais propositiva, deixando de lado a mimetização narcísica das linguagens da publicidade. Caso não sejam lançadas políticas públicas imediatas e efetivas (o que não há no Brasil) para a difusão, em nível planetário, do português, a grande defasagem entre a proporção de seus falantes na população mundial e o predomínio nítido de sites em outras línguas crescerá de modo geométrico, tornando a “última flor do Lácio”, na vida virtual, cada vez mais, o “esplendor e sepultura” que, infelizmente, de muitos pontos de vista, já é na vida real global, com consequências ainda mais letais para a poesia e a prosa criativa.

* Texto preparado para o Festival Literário de Macau, fevereiro de 2013)

** Régis Bonvicino é Poeta, autor, entre outros de Até agora (Imprensa Oficial do Estado de S. Paulo), e diretor da revista Sibila.

Extraído do sítio Revista Sibila

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