30 de março de 2013

A BERLIM DE BRECHT: UM ROTEIRO PELOS BASTIDORES DO TEATRO ÉPICO - Roberto Almeida

Casa do autor e o teatro Berliner Ensemble estão abertos a visitação; ingressos para peças custam entre cinco e 30 euros.

Casa de Bertolt Brecht permanece intacta e está aberta para visitação do público. Foto:  Roberto Almeida/Opera Mundi

Foram apenas três anos vividos no número 125 da Chausseestrasse, de 1953 a 1956, mas a presença do dramaturgo e poeta Bertolt Brecht marcou definitivamente o endereço, no centro da antiga Berlim Oriental. A casa ampla, em três quartos, permanece intacta, assim como seus objetos pessoais. A decoração Bauhaus, austera, encontra motivos japoneses e oferece espaço para contemplação.

Sob as janelas grandes e luminosas, Elke Pfeil, especialista em Brecht e teatro, guia o visitante com detalhes sobre cada um dos objetos, irretocáveis em sua conservação. As hoje silenciosas máquinas de escrever, as máscaras de teatro japonês, uma foto de Lênin, a coleção de jornais antigos do Partido Social-Democrata alemão (SPD) e a longa fileira de livros com historietas policiais, paixão que partilhava com o filósofo Walter Benjamin.

“Estou agora vivendo na Chausseestrasse, perto do cemitério francês, onde generais huguenotes e Hegel e Fichte estão enterrados; todas as minhas janelas dão para o cemitério”, escreveu Brecht ao amigo Peter Suhrkamp, seu editor em Berlim Ocidental, em março de 1954.

Brecht foi enterreado no mesmo cemitério que Hegel e Fichte, seus ídolos, ao lado de sua mulher. Foto: Roberto Almeida/Opera Mundi

O autor, adepto de romances furtivos, também adorava os móveis antigos da casa e tinha carinho especial pelas cadeiras dinamarquesas, confortáveis e com assentos em couro. A Dinamarca foi seu primeiro destino após o incêndio no Reichstag, em 1933, que acabou virando definitivamente a mesa da política alemã para o lado de Adolf Hitler e passou a colocar sua vida em risco.

Mesmo antes da ascensão nazista, o autor já era conhecido pela montagem da Ópera dos Três Vinténs (1928), orquestrada por Kurt Weil e baseada no texto de John Gay (1728). A despretensiosa estreia berlinense da peça, naquele mesmo ano, fez um sucesso estrondoso e imortalizou personagens como o criminoso Mackie Messer (ou Mack the Knife, na versão original) e a senhorita Peachum.

A realidade, porém, empurrou-o para o exílio ao lado da mulher, a atriz Helene Weigel, com quem estava casado desde 1929. “Mudamos de país mais do que de sapatos”, lamentava Brecht, que não conseguia experimentar nos palcos o tanto quanto gostaria. Os períodos na Dinamarca, na Suécia, na Finlândia e nos Estados Unidos, para onde se mudou em 1941, nunca impediram sua produção, mas desaceleraram sua carreira.

Objeto de trabalho, máquina de escrever do poeta ainda está guardada na sua residência. Foto: Roberto Almeida/Opera Mundi

Como resultado, o teatro épico de Brecht, com sua quebra de paradigma, fincada na motivação social e no princípio do estranhamento, precisou esperar o fim da Segunda Guerra Mundial para se desenvolver plenamente. O epicentro dessa revolução nos palcos estava a poucos minutos de caminhada da casa da Chausseestrasse (veja no mapa disponível aqui).

O Berliner Ensemble, teatro fundado em janeiro de 1949 e dirigido por Helene Weigel, conserva até hoje a forte logomarca, também de inspiração Bauhaus, girando em seu topo. A casa de espetáculos brilha na área próxima à chamada ilha dos museus de Berlim, em frente ao rio Spree, com programações diárias em alemão. São comuns montagens das peças de Brecht, com ingressos bastante em conta.

O tour pelo teatro, organizado pelo ator holandês Werner Riemann, é imperdível e custa apenas dois euros (cerca de R$ 5). Mesmo quem arranha no alemão e conhece um pouco sobre Brecht consegue captar a essência do passeio, com duas horas e dezenas de histórias. Riemann é um personagem incrível da companhia, com mais de cinco décadas de trabalho dentro do Berliner Ensemble. Sua energia e memória são impressionantes. 

Com seus olhos azuis claros e sobrancelhas louras, aos quase 80 anos, o ator revela curiosidades da construção do teatro, como o uso de peças de tanques de guerra alemães, os Panzers, para montagem da estrutura giratória do palco, assim como os lugares cativos de Brecht e Helene Weigel na plateia e o significado das salas especiais, com máscaras em gesso dos principais atores que passaram por ali.

Sucesso e despedida

O rosto de um Brecht ainda jovem, bem no centro da coleção de máscaras, é uma homenagem ao autor que teve sua genialidade reconhecida nos palcos do Berliner Ensemble com a primeira montagem alemã de Mãe Coragem e Seus Filhos, em 1949, ano de abertura da casa. A peça antifascista, escrita em 1939, ano do início da Segunda Guerra, é um dos símbolos do ideário contra o nazismo e referência do teatro épico.

Máscara do rosto de Brecht, dos seus tempos de juventude. Foto: Roberto Almeida/Opera Mundi

Poucos anos depois, em 1956, o autor morreria na casa da Chaussestrasse de um ataque cardíaco fulminante e seria sepultado no cemitério ao lado - o mesmo descrito na carta ao editor dois anos antes - perto de seus ídolos Fichte e Hegel. Ele tinha apenas 58 anos. Helene Weigel continuou morando ali até sua morte, em 1971. Seus livros de receitas húngaras ainda hoje forram as estantes da cozinha simples.

O Berliner Ensemble, que Helene dirigiu por toda a vida, experienciou altos e baixos sob o controle do governo comunista da Alemanha Oriental. Até sua morte, Brecht tinha proteção e privilégios do SED, o partido comunista alemão, como acesso a jornais ocidentais, carro com motorista e empregados. O muro só seria construído cinco anos após sua morte. Ele nunca se filiou.

Após a queda do muro, o teatro passou a ser gerido por um time de diretores. As peças de Brecht não são as únicas a serem encenadas, mas fazem parte dos programas mensais. Os ingressos custam entre cinco e 30 euros. Todas as montagens são em alemão.

Extraído do sítio Opera Mundi

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