13 de março de 2013

LITERATURA E VIAGENS NUMA CONVERSA COM JOSÉ LUIS PEIXOTO - Filipa Estrela


José Luís Peixoto esteve na Coreia do Norte e dessa viagem nasceu "Dentro do Segredo – Uma viagem na Coreia do Norte", que marca a sua estreia na literatura de viagens. Em breve, embarca num novo conceito de Viagens de Autor, em que será guia. Além das viagens, falou-nos ainda de poesia, de livros, da vida...

O livro

‘Dentro do Segredo’ estava planeado ou depois da viagem achou que tinha de partilhar a vivência? 

O desafio do livro começou no momento em que tomei a decisão de fazer a viagem. Logo aí começou a formar-se a ideia do que poderia ser o livro. Uma viagem como esta, fora das minhas viagens habituais e tão fora do comum já nasceu com uma intenção. Tinha a ideia do grande potencial, mas não tinha a certeza absoluta de que ia dar matéria suficiente para um livro. É preciso ter muito a dizer, e é preciso estar convencido de que se tem algo novo para que se justifique escrever um livro. Isso só percebi lá. Mas ia à procura de uma experiência, que iria resultar muito provavelmente numa matéria escrita, que está sempre presente na minha cabeça e vida.

Sentiu alguns desafios em pôr num livro o que viveu na Coreia do Norte?

Este livro teve uma série de características diferentes de tudo o que escrevi até aqui. Tem um lado documental muito forte, e experiências e conhecimentos concretos daquele tema. Outro aspeto fora do habitual foi o prazo de escrita. Fiz a viagem em abril e publiquei o livro em novembro. Escrevi o livro em 6 meses.

Baseou-se muito nas notas que ia tirando durante a viagem?

Fui tirando notas nos mais diversos formatos, e foram muito preciosas. Enchi vários caderninhos, tirei fotografias e filmei, sempre que possível.

Voltando ao prazo, porquê 6 meses?

Impus-me um período tão curto porque era um texto que tinha uma certa urgência. Tinha necessidade de o publicar, porque supunha que aquela matéria que estava a descrever ia sofrer alterações. Trata-se de escrever sobre um país e um período muito especifico. Sendo único está sujeito a grandes pressões para evoluir. O momento que eu estava a descrever era muito específico. O novo líder da Coreia do Norte apresentou-se pela primeira vez ao mundo e falou pela primeira vez em público. Apesar de o livro ter algo de literário e de ambição de permanência no tempo, também é verdade que o momento da edição tinha de ser o mais depressa possível.

Foi complicado escrever o livro em tão pouco tempo?

Foi uma experiência de escrita muito intensa e até um pouco obsessiva. Foi uma empreitada daquelas de noite e dia!

Numa viagem tão imponente, que episódios o marcaram para sempre?

Houve muitas coisas que me marcaram bastante, e uma boa parte acredito que não voltarei a ter oportunidade de ver, porque são demasiado fora do comum. Uma delas pode ter sido quando tive oportunidade de ir a lugares que não eram visitados por estrangeiros desde os anos 50. A reação das pessoas era fugir e esconderem-se. Estar nessa posição é uma situação muito fora do comum, além de todas as características especificas do país que são muito expressivas do que a natureza humana é capaz. Acabam por ser também um ensinamento, porque nunca conseguiria imaginar uma sociedade como aquela.

Quando saiu não teve de assinar um papel a comprometer-se a não escrever nada sobre o que viu?

Foi antes de entrar. Tive de assinar esse papel. Nesse momento já não havia escolha, porque já tinha feito todos os procedimentos para entrar. Quando surgiu essa obrigação, restou-me assinar. Depois quando cheguei, fui avaliar a validade legal desse documento - que não era nenhuma -, e portanto senti que devia escrever, até porque eu acredito na expressão. Acredito que é importante que se saiba, e essa foi uma das motivações para escrever o livro.

A Viagem

Aceitou um projecto em que será guia dessa viagem. Vai estruturar o percurso da mesma forma ou vai alterar?

Apesar de neste momento ter a garantia de que é pacifico voltar a entrar lá - apesar de não ter cumprido esse aspecto - ainda me parece que só quando lá estiver acredito que estou. Mesmo da primeira vez, quando estava a preparar a viagem, parecia que se calhar não ia conseguir. Neste momento, os preparativos estão a acontecer com o apoio da agência Pinto Lopes, e estou convencido de que vai tudo correr bem. Até porque a Coreia do Norte teve alguns gestos de boa vontade em relação ao turismo de estrangeiros. Um aspecto simbólico é ter sido permitida a entrada de telemóveis no país. Um aspeto muito revelador do isolamento do país. Esta viagem vai ser mais curta e com características um pouco diferentes. Ainda assim na Coreia do Norte vamos aos lugares mais simbólicos e até cativantes, sendo que também tentei que os motivos de interesse do próprio país fossem distribuídos ao longo daqueles dias. O que chama mais a atenção são aspetos relativos ao regime, mas também há aspetos muito interessantes para quem efectivamente vai lá, como a própria cultura, e elementos do dia a dia como a gastronomia e a natureza que é muito diferente da nossa e está num bom estado de conservação devido às características do próprio país - sem poluição e sem trânsito. A natureza está muito preservada, embora as montanhas tenham lá os slogans de apoio aos líderes cravados na rocha.

Qual vai ser o percurso?

É uma viagem que passa bastante tempo em Pyongyang, que é a capital e uma cidade que tem o maior número de motivos de interesse para o visitante, mas também vai à fronteira com a Coreia do Sul, à zona desmilitarizada que é um lugar que pode ser visitado pelo lado Norte ou pelo lado Sul. Eu optei pelo lado Norte, mas poderia ser pelo lado Sul uma vez que depois da Coreia do Norte vamos à Coreia do Sul. Vai ser muito interessante porque eu ainda não fui lá, mas vou visitar antes, o que para mim também é muito cativante. Para quando for feita a viagem já conheça e tenha tudo muito firme dentro de mim. Também espero escrever sobre isso.

A escrita

Ganhou recentemente o Prémio da Sociedade Portuguesa de Autores na categoria de poesia. É tão importante para sim ser reconhecido nessa vertente da escrita?

Claro, tem uma importância muito grande. A poesia foi o género literário que me levou a escrever. Comecei por escrever poemas na adolescência e acabou por permanecer na minha vida, na forma de experienciar a vida, de pensá-la e de a absorver. Tem muito a ver com o que leio e com a tradição riquíssima que temos. E ser reconhecido ao lado de poetas como Armando Silva Carvalho ou José Tolentino Mendonça, que são os dois nomeados, acho maravilhoso! Só isso já é um reconhecimento!

É a inspiração do momento que leva a direccionar a escrita para a poesia, romance ou teatro?

Quanto mais recursos se dispõe para a expressão escrita mais concretamente se pode tentar dizer aquilo que se quer dizer. Essa é a utopia: dizer exactamente aquilo que de alguma forma existe dentro de nós sem ser sob a forma de palavras, e ser verdadeiro com essa visão. Quando a ideia surge, encontrar palavras é também encontrar uma forma de expressão. Aquilo que tem de se dizer é que pede a forma. Em 2002, escrevi um romance que se chama "Uma Casa na Escuridão" e o livro de poesia "A Casa, A Escuridão". Esses dois textos têm títulos semelhantes, um é um romance e o outro é um livro de poesia mas partilham os temas e a estrutura. Apesar de falarem da mesma coisa, por terem formas diferentes acabam por falar de coisas diferentes.

Concorda que os seus livros são geralmente sombrios?

Os primeiros livros que escrevi deram essa impressão de uma forma mais vincada. Nos últimos anos publiquei livros que são bastante mais optimistas como "Abraço" ou o romance "Livro", que apesar de falar de um tema duro acaba por ter momentos positivos. No início deste século, havia uma euforia tão grande no País, que em muitos aspetos senti necessidade de mostrar o outro lado e dizer que há realidades duras a considerar. Estarmos vivos e alerta implica considerarmos a vida na sua totalidade, a noite e o dia, que constituem o próprio tempo. Agora, que existe um clima mais sombrio, tenho necessidade de dizer que há esperança e um lado mais luminoso, exactamente pela mesmo razão.

O estar apaixonado também influencia o seu estado de espírito na escrita?

O que tenho escrito desde o início sempre foi muito colado a mim próprio e à minha própria experiência, porque é uma forma de acreditar no que faço. Eu sou antecedido de séculos de tradição literária e de milhares de livros que nunca vou ler porque não disponho de tempo de vida suficiente, por isso ter a convicção de que se está a acrescentar alguma coisa que nunca foi dito e que não se está a ser redundante, muitas vezes parte de saber que só eu é que tenho estas características e testemunhei estas coisas. Sempre aceitei muito a minha própria visão, e acredito que essa individualidade é a mais valia do que escrevo, esperando que os outros depois também se possam reconhecer. Por isso, tudo o que me alegra, alegra a minha escrita. Essas palavras são uma visão do mundo e para que seja sincera e faça sentido tem de ser a minha. Se eu mentir vou ser incoerente em algum momento.

Na lógica da ficção tudo é permitido. Mas a ficção não é algo fora do mundo. A ficção é algo com que todos lidamos diariamente e faz parte das nossas vidas, é a memória, é a história que contamos sobre o que vivenciamos, é a forma como nos vemos a nós próprios. A versão que cada um tem do que quer que seja não é única, é sempre uma ficção para outros. Por isso é que a escrita é tão importante. Acredito muito na importância da expressão e da construção de histórias, tudo para compreender melhor o que nos rodeia.

Não tem medo de se expor demasiado nos seus livros?

Não há nada que não seja banal e humano em tudo o que se possa escrever. Dizer que chorei... Quem nunca chorou? É uma coisa humana. Há certas formas de apresentar o que somos. Nunca expus nada que não fosse humano, uma experiência que qualquer pessoa pudesse viver. A literatura é uma área de conhecimento do humano e tenta saber mais sobre as questões que passamos a vida inteira a tentar descobrir. E se calhar vamos morrer sem encontrar uma resposta, sem que isso seja mau. Porque se calhar, procurar a resposta é viver.

Hábitos de leitura

Quando está a escrever, consegue ler outros livros ao mesmo tempo ou prefere concentrar-se só no seu?

Leio sempre muitos livros ao mesmo tempo, e quando estou a escrever. Se calhar até leio mais, porque me estimula muito. Não tenho a ingenuidade de acreditar que aquilo que escrevo não tem influência de outros autores. Tento que cada livro seja determinante e traga respostas, mas também vou percebendo que nunca são definitivas. É muito importante acreditar no que faço, e é importante que eu dê o máximo. Por isso leio. Para aprender.

Quando lê, sublinha os livro ou nunca escreve neles?

Depende um pouco dos livros e da forma como se lêem. Há livros que se prestam mais a ser sublinhados. Há livros que se lêem para aprender e por isso sublinho para voltar atrás e para reler. E há outros, que se lêem para respirar. E não se vai sublinhar a respiração.

Qual o livro mais marcante que leu?

Muitos livros foram importantes para mim e tiveram um papel determinante porque me fizeram aprender. Entre os 16 e os 19 anos parecia que todos os livros que lia eram determinantes. A muitos deles ainda regresso hoje. Se calhar há um livro muito importante para mim, ao qual regresso muito que é o "Livro do Desassossego", de Bernardo Soares, heterónimo de Fernando Pessoa. Também leio a obra de poetas como Ruy Belo ou Herberto Hélder, que comecei a ler nessa idade e ainda hoje leio para convocar certos estados de espírito e formas de ver o mundo.

Extraído do sítio Destak.pt

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