18 de dezembro de 2011

TRAVESSA DOS VENEZIANOS CLAMA POR CUIDADOS - Nubia Silveira e Flavia Boni Licht

Casas construídas no início do século XX são patrimônio da cidade l Foto:Ramiro Furquim/Sul21
Quem vive ou tem negócios nas pequenas e antigas casas da Travessa dos Venezianos, na Cidade Baixa, em Porto Alegre, reclama do Município. A sensação deles é de abandono, apesar de viverem e trabalharem em prédios tombados pelo Patrimônio Histórico e Cultural de Porto Alegre, em 1980. O prefeito José Fortunati reconhece: “A Travessa é um caso delicado”.

Ao lado uma das outras, as casas formam um conjunto que conta a história do início do século XX l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Vera Pellin, diretora da Associação Riograndense de Artes Plásticas Francisco Lisboa, considera um privilégio a Chico Lisboa estar instalada na Travessa dos Venezianos, numa “casinha linda”, construída como as outras 14 casas no início do século XX. “É nosso Pelourinho”, afirma, referindo-se ao ponto histórico de Salvador, Bahia. Para ela, a Travessa é um ponto cultural e turístico e precisaria de maiores cuidados por parte do Poder Público. “Não tem luz na rua. Só duas lâmpadas de 60 watts”.

Carros sobre a calçada contribuem para a destruição do calçamento original l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
A reclamação da diretora da Chico Lisboa é reforçada por Vera Regina Martins, dona de uma das casas há 30 anos. “Não há luz, os carros andam pela Travessa e destroem tudo”, revolta-se. Tida como a xerife do local – “brigo muito. Gosto de controlar a rua. Não deixo destruir” –, Vera Regina acha que os problemas têm como causa o comércio que se instalou por ali. Atualmente, apenas cinco casas são de moradores. “Há 20 anos era maravilhoso. As crianças brincavam na rua, ouviam histórias sobre a Travessa. Hoje tem assalto, droga, flanelinha. Muitas casas já foram mexidas”, acusa.

Quem vive e trabalha na Travessa reivindica mais e melhor iluminação l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Vera Regina acha que as casas deveriam ser ocupadas apenas por moradores ou por artistas plásticos, como Ana Henrique que mantém a Galeria Pop Up. “Gosto de Arte, das coisas maravilhosas que os artistas fazem”, entusiasma-se. A preferência dela é porque sabe que os artistas são aliados na luta pela preservação do local. Ana é outra que cobra da Prefeitura melhor iluminação e limpeza. “A Travessa anda muito largada”, constata. “São feitas obras de adequação aos novos usos, que mudam a estrutura da casa e até a fachada. Passo aqui de segunda a sábado, das 14h às 20h e nunca vi alguém fiscalizando, impedindo estas mexidas”, critica.

Portas e janelas abertas diretamente para a rua l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Vera Pellin e Vera Regina lembram que já foram entregues abaixo-assinados aos órgãos municipais, pedindo providências. Até agora, não tiveram resposta. O prefeito diz que a principal dificuldade é a que a descaracterização do local é obra dos próprios proprietários. “Não temos força de polícia para evitar o que acontece ali”, afirma Fortunati. Mas, anuncia: a Secretaria Municipal de Obras e Viação (SMOV) já tem um projeto pronto para a iluminação. “Este é um espaço nobre da cidade. A iluminação será adequada. Quanto à segurança, estamos em discussão com o governador Tarso Genro, pois o policiamento nas ruas fica a cargo da Brigada Militar”.

Portas e janelas abertas diretamente para a rua l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Fortunati também tem uma queixa. É contra os vândalos que picham prédios, destroem bancos de praças, quebram lâmpadas, roubam fios. A Prefeitura fez um cálculo para saber quanto custa repor o que foi destruído: “Sete milhões de reais por ano, sem contar as paradas de ônibus. Infelizmente, a depredação está muito presente”, lamenta-se o prefeito, lembrando que estes R$ 7 milhões poderiam ser investidos na Saúde, na ampliação das equipes de Saúde da Família, por exemplo.
Intervenções incorretas

A Travessa dos Venezianos aparece, pela primeira vez, no mapa da cidade em 1935 l Foto:Ramiro Furquim/Sul21
O arquiteto Luís Fernando Rhoden, ex-superintendente regional do IPHAN (1996-2000), é um crítico das intervenções feitas em prédios tombados. “Elas são incorretas. E isso é resultado de um processo. Não é novo”. Ele ressalta que “preservação é antes de tudo um ato cultural”. Na sua visão, hoje, “há carência de conceito nos órgãos de preservação. Isto vem de longe”. As causas do problema estão, de acordo com o arquiteto, no despreparo dos que trabalham com o patrimônio histórico, na falta de conhecimento técnico e na ingerência política.

Cores usadas nas casas não remetem às originais l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Rhoden diz que o que deve ser preservado é a autenticidade do imóvel, o que não exclui o seu “uso harmonioso”. Antes de mais nada, é preciso saber o motivo pelo qual houve o tombamento. No caso da Travessa dos Venezianos, se foi tombada pelo conjunto urbano, este conjunto tem de ser preservado e as casas, por exemplo, não poderiam ter sido pintadas em cores definidas pelos seus ocupantes, mas por aquelas que remetessem à aparência primitiva dos imóveis.

Como Vera Regina, o arquiteto desaprova o uso comercial das casas. “O uso residencial é compatível, mas o uso comercial descaracteriza o motivo do tombamento. Na Travessa, já se perdeu muita coisa e isto não volta mais. Acaba virando réplica”, alerta.
Ligação entre duas ruas

No final do século XIX, início do XX, quem levava o nome de Rua dos Venezianos era a atual Joaquim Nabuco, ligada à Rua Lopo Gonçalves por uma travessa. A conclusão é de que, inicialmente, ela tenha sido chamada de Travessa da Rua dos Venezianos, consolidando com o passar dos anos o nome Travessa dos Venezianos.

Travessa liga duas ruas na Cidade Baixa l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Quando foram construídas, as casas com pé-direito alto e janelas e portas que se abrem diretamente para a rua, eram habitadas por jornaleiros, consertadores de guarda-chuva e carvoeiros. A Travessa só foi calçada em 1926 e apareceu pela primeira vez no mapa da cidade em 1935.

Ao tombá-la, o município considerou patrimônio histórico também o seu entorno: as casas de números 506 e 534 da Rua Lopo Gonçalves e as de números 381, 383 e 497 da Rua Joaquim Nabuco.


Endereço: Travessa dos Venezianos – Cidade Baixa, entre as rua Lopo Gonçalves e Joaquim Nabuco – Porto Alegre

Extraído do sítio Sul 21

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os comentários serão moderados. Não serão mais publicados os de anônimos.