25 de março de 2012

OS BASTIDORES DA SEMANA DE ARTE MODERNA DE 1922 - Rafael Balseiro Zin

A Semana de Arte Moderna, também referenciada como a Semana de 22, aconteceu na cidade de São Paulo, obviamente, no ano de 1922. Mais especificamente, nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro – apesar dos cartazes da época, a título de curiosidade, informarem que as atividades transcorreriam de “11 a 18 de fevereiro próximo” – no Teatro Municipal. A programação do evento destinou a cada um dos dias um tema específico para as apresentações artísticas, sendo eles a pintura e a escultura, a poesia e a literatura e a música. Nomes hoje consagrados do modernismo brasileiro estavam presentes na situação, tais como Oswald e Mário de Andrade, Víctor Brecheret, Plínio Salgado, Anita Malfatti, Menotti Del Pichia, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet, Heitor Villa-Lobos, Tácito de Almeida, Di Cavalcanti, entre outros. Tarsila do Amaral – outra curiosidade que a história costuma esquecer – estava em Paris nesse período, portanto, não participou da Semana. Outro nome a quem se atribuem os sucessos da ocasião, e que também não estava presente, foi um dos organizadores do evento, o intelectual Rubens Borba de Moraes, que estava doente. 



"A versão que prevalece ainda hoje filia-se a uma corrente interpretativa que confere à Semana de Arte Moderna uma verdadeira renovação da linguagem – que almejava novas experimentações artísticas e que era embebida por um impulso criador de rupturas"

De qualquer maneira, o que ficou registrado ao longo dos anos é que a Semana marcou época ao propor novas ideias e conceitos artísticos. Além disso, a versão que prevalece ainda hoje filia-se a uma corrente interpretativa que confere à Semana de Arte Moderna uma verdadeira renovação da linguagem – que almejava novas experimentações artísticas e que era embebida por um impulso criador de rupturas com a narrativa cultural brasileira de então – realocando a arte da vanguarda, para o tão sonhado modernismo. Exemplos disso seriam a poesia declamada, outrora somente escrita, a música orquestrada em formato de concertos – antes disso o que se praticava era a apresentação de cantores sem acompanhamento de orquestras sinfônicas –, as artes plásticas exibidas em telas, além de esculturas e maquetes arquitetônicas, com desenhos arrojados e tipificados enquanto modernos. O advento do "novo", por conseguinte, ficou marcado em todas essas manifestações, que se propunham expor elementos inéditos e um tanto curiosos.

Novas Perspectivas

Teatro Municipal de São Paulo
Até aqui, excetuando as duas curiosidades apresentadas, nenhuma informação revela alguma novidade acerca dessa famosa história. Contudo, passadas as comemorações dos noventa anos da Semana de Arte Moderna, é tempo de voltarmos ao passado e pensarmos em novas perspectivas de interpretação deste, considerado, marco da cultura brasileira. Em seu mais recente trabalho, 1922: a semana que não terminou, o jornalista Marcos Augusto Gonçalves entende que a formação do movimento modernista em São Paulo, suas obras, seus personagens e sua crônica, foi exaustivamente estudada nas últimas décadas. A despeito de existir uma fértil e caudalosa produção histórica sobre o assunto, por mais rigorosos que tenham sido os historiadores que se debruçaram nesse tema, o tempo encarregou-se de tecer em torno da Semana uma rede de versões fantasiosas. Para o jornalista, ao sabor das visões políticas predominantes em determinadas épocas – e também de estratégias culturais, vaidades e sentimentos bairristas –, as jornadas de fevereiro de 1922 transformaram-se ora em mito revolucionário da emancipação cultural do país, ora em fraude orquestrada pela intelectualidade. Dessa maneira, é mais que necessária uma reavaliação, uma releitura, dos bastidores da Semana de Arte Moderna, visando uma melhor compreensão do fenômeno. Se não para deslindar o que se consagrou, ao menos para aguçar a crítica do leitor, a partir de novas perspectivas de interpretação.

Síntese Cultural

Existe, no Brasil, uma sensação, ou quem sabe uma certeza e clareza, do valor da cultura brasileira como sendo a síntese bem resolvida de uma mistura entre o velho e o novo, entre o primitivo e o erudito, entre a ala regionalista e a ala que valoriza a cultura estrangeira, entre a miscigenação das várias etnias que por aqui passaram ou mesmo pelo sincretismo religioso. Essa miscelânea de elementos ditos populares se configurou numa ideia comum, propagada pela certeza de ter a cultura brasileira a capacidade de produzir algo tipicamente nacional. Dessa perspectiva, atribui-se à Semana de Arte Moderna – e ao Tropicalismo, cinquenta anos depois – o grande legado de nos trazer a convicção de que ser brasileiro é algo próprio. No entanto, é possível destacar que não está aí a grande importância do evento. Talvez a encontremos, de fato, na questão dela ser discutida até os dias atuais. Afinal, um acontecimento que durou meros três dias instigar reflexões noventa anos depois não é de pouca monta. De qualquer modo, a intenção nesse debate não é a de negar tudo o que se diz ou que se sabe acerca da Semana de Arte Moderna. Mas é preciso pontuar outras variantes que revelam e relevam os contextos político e econômico, antes do cultural, meramente.

Financiada por Oligarquias

O movimento modernista, que se configurava nos pródromos de 1922, teve apoio do então presidente do estado de São Paulo, Washington Luís, especialmente por meio de René Thiollier, advogado e escritor brasileiro, que solicitou patrocínio para trazer os artistas do Rio de Janeiro – Plínio Salgado e Menotti Del Pichia –, membros de seu partido, o Partido Republicano Paulista, para compor o time de artistas de São Paulo. Além do apoio dessas personalidades, é preciso destacar, a Semana de Arte Moderna foi financiada em boa medida pela plutocracia paulista, formada principalmente pela oligarquia cafeicultora. Isso mostra que não se tratava exclusivamente de uma iniciativa cultural, propriamente. O que havia ali eram interesses políticos bem estabelecidos e que – como é comum na trajetória política brasileira – eram manifestados de cima para baixo, sem a intervenção ou a possibilidade de participação das camadas populares.

"O entusiasmo criativo modernista brasileiro se deu pelos modelos italianos em voga no início do século XX europeu. Mais especificamente, Oswald teve sua inspiração no Manifesto Futurista de Marinetti"

Pensando nas reverberações da Semana de Arte Moderna para a cultura brasileira como um todo, o argumento chave que pede uma revisão histórica do processo pode ser encontrado no Manifesto Antropofágico. Escrito por Oswald de Andrade – principal agitador cultural do início do modernismo brasileiro e que fundamentou a Antropofagia –, o Manifesto foi lido em 1928 para seus amigos, na casa de Mário de Andrade. Redigido em prosa poética, o documento possui entonações mais políticas que o anterior manifesto de Oswald, o da Poesia Pau-Brasil – escrito quatro anos antes, em 1924 –, que pregava a criação de uma poesia brasileira de exportação. Esteticamente, o segundo manifesto de Oswald, basicamente, reafirma os valores daquele, apregoando o uso de uma língua literária não catequizada. Acontece que o texto publicado teve inspirações nada tupiniquins. De fato, o entusiasmo criativo modernista brasileiro se deu pelos modelos italianos em voga no início do século XX europeu. Mais especificamente, Oswald teve sua inspiração no Manifesto Futurista de Marinetti. Escrito por Filippo Tommaso Marinetti – e publicado no jornal francês Le Figaro, em Fevereiro de 1909 – o Manifesto Futurista inaugurou um dos mais importantes movimentos artísticos do período, tendo por base os desenvolvimentos tecnológicos de finais do século XIX. Ora, não era justamente o abandono dos ideais estéticos estrangeiros, ainda muito em voga no país, que os modernistas brasileiros propunham? Eis uma contradição...

Novo no Velho

Outro fato curioso, e que solicita uma breve consideração, é o fato das apresentações artísticas terem sido alocadas no Teatro Municipal de São Paulo, que nada tem a ver com arte moderna, tampouco com a arquitetura ou a estética almejada pelo movimento modernista. Os responsáveis pela construção do Teatro foram os arquitetos Ramos de Azevedo e os italianos Cláudio e Domiziano Rossi. No teatro é visível a presença da arquitetura europeia. Isso, pois, a parte externa é perpassada por traços renascentistas barrocos do século XVII e o interior é composto por colunas neoclássicas, vitrais, mosaicos e muitas obras de arte, bustos, medalhões, bronzes, entre outros. Essa concepção estilística se deu tanto pela influência dos dois arquitetos europeus quanto pela influência da Belle Époque no cenário artístico, social e cultural brasileiro, durante a Primeira República (1889-1930). Mesmo sem comprometer a intenção dos protagonistas do movimento modernista de São Paulo, essa contradição – se for levada em consideração a essência de ruptura a qual se propunham – coloca, no mínimo, em contraposição os argumentos de seus idealizadores.

"Gilberto Freyre criticava a campanha como se fosse de uma outra geração. O rumor da Semana de Arte Moderna lhe parecia muito de movimento de comédia, sem importância real"

Levando em consideração os argumentos e curiosidades apresentadas brevemente até aqui, podemos exercitar a interpretação de um outro movimento artístico-cultural no Brasil e que se furta aos holofotes dos registros históricos consagrados. Forçando uma releitura do período, é plausível afirmar que a mentalidade moderna brasileira nasce um pouco depois da Semana de 1922, no bojo dos acontecimentos políticos e culturais da época. Reza a lenda que Gilberto Freyre, em um de seus rasgos de mitomania, inventou a existência de um Manifesto Regionalista, que teria redigido em 1926, na cidade do Recife. Se é verdade, como prova com veemência Joaquim Inojosa em seu livro "Sursum Corda", não é menos verdade que o sociólogo exerceu decisiva influência na conformação do ideário do chamado Regionalismo de 30. De acordo com os dizeres de José Lins do Rego, em um capítulo destinado a Freyre, de seu livro "O cravo de Mozart é eterno": "havia nessa época o movimento modernista de São Paulo. Gilberto criticava a campanha como se fosse de uma outra geração. O rumor da Semana de Arte Moderna lhe parecia muito de movimento de comédia, sem importância real. O Brasil não precisava do dinamismo de Graça Aranha, e nem da gritaria dos rapazes do Sul; o Brasil precisava era de se olhar, de se apalpar, de ir às suas fontes de vida, às profundidades de sua consciência".

Regionalismo

Sob essa influência, em 1927, um grupo de adolescentes – formado por Aurélio Buarque de Hollanda, Arnon de Mello, Manuel Diegues Júnior, Mendonça Júnior, Paulo Malta Filho, Raul Lima, Valdemar Cavalcanti, Emílio de Maya, Carlos Paurílio e Aluísio Branco – criou em Maceió – uma cidade pequena, bastante pobre à época e com pouco mais de noventa mil habitantes – o Grêmio Literário Guimarães Passos que, em 17 de junho de 1928, realizou a Festa da Arte Nova, uma espécie de Semana de Arte Moderna da cidade. Mas a entrada desses jovens na modernidade do século XX foi comemorada somente quando, em 23 de junho de 1929, promoveram a Canjica Literária, um evento regionalista, sob influxos de Jorge de Lima e de José Lins do Rego. Não obstante, no ano de 1931, ainda sob os rescaldos da Revolução de 1930 – movimento armado, liderado pelos estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, que culminou com o golpe de Estado, o Golpe de 1930, que depôs o presidente da República Washington Luís e que pôs fim à Primeira República – na capital alagoana, sem nenhum patrocínio, sem influência dos poderosos políticos e sem o apoio da imprensa ou da mídia em geral, diversos escritores do nordeste reuniram-se com suas mais recentes obras para discutir os rumos da literatura nacional. O intuito era avaliar o que se tinha produzido até então e definir quais seriam as aberturas artístico-literárias que dariam conta de apresentar e representar o Brasil como ele era, ou seja, mostrar aos leitores as mazelas e agruras da vida cotidiana, dando ênfase ao regionalismo nordestino. Estavam presentes no encontro personalidades como Raquel de Queiroz, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Jorge de Lima, Gilberto Freyre, José Lins do Rego, Aurélio Buarque de Holanda, José Américo de Almeida, entre outros.

Nova Estética

Ambos iriam contribuir significativamente para espalhar as novas ideias no ambiente provinciano. Como argumenta Jorge de Lima, em entrevista ao escritor, jornalista e pesquisador Homero Senna, publicado no livro República das Letras - entrevistas com 20 grandes escritores brasileiros, "que havia em todo o país uma preparação psicológica para o advento de uma nova estética, prova-o o fato de o modernismo haver surgido quase ao mesmo tempo em diversos lugares. (...) Não passamos a fazer literatura modernista para imitar os nossos confrades de São Paulo e daqui [do Rio]. Abandonamos os velhos moldes porque também em Maceió, como em todo o Nordeste, àquele tempo, amadureceu e tomou forma, no espírito dos escritores, o desejo de fazer alguma coisa nova e diferente do que então se perpetrava por esse Brasil afora, na poesia, no romance, no ensaio, etc.". O resultado dessa movimentação toda mudaria de vez, não somente a literatura que era pensada e produzida até então, mas eixo de produção e de proposição cultural no Brasil. A título de conclusão, portanto, pode-se afirmar que os regionalistas de 30 não eram modernistas. Eram, sim, modernos. As consequências desses eventos, acontecidos na surdina e sem muitos alardes, leva a crer que os protagonistas da Semana de Arte Moderna de 1922 são sim autores, mas no entender dessa reflexão, são reboques, que nada tem a ver com a cultura legitimamente nacional.

* Rafael Balseiro Zin é estudante de Sociologia e Política na Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

Extraído do sítio da Revista Caros Amigos

Um comentário:

  1. Anônimo8/21/2013

    Muito interessante o apanhado sobre a Semana de 22, apesar de alguns senões. Por exemplo, nenhumas palavra sobre Paulo Prado, o discreto mecenas e grande arquiteto da semana. O Theatro Municipal de SP foi criado para rivalizar com seu congênere carioca, inaugurado alguns anos antes, e não para abrigar a "semana." O evento, que nunca pretendeu ser perfeito e definitivo, tinha o objetivo de chacoalhar a cultura nacional, impregnada do romantismo português, principalmente. Brás Vitorino

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