12 de março de 2012

PIORAR PARA MELHORAR - Millôr Fernandes



Era uma vez, um camponês que rimava ez com nês. Mas essa sua simples vocação poética era atrapalhada pelo barulho imenso que faziam as pessoas que moravam com ele. Pois na cabaninha modesta de apenas um quarto-sala conjugado, moravam a mulher do camponês, a amante do camponês, três filhos do camponês, um filho adotivo da amante do camponês, uma vó do camponês, um cobrador de seguros parente afastado do camponês e um corcunda que ninguém sabia como tinha conseguido penetrar no enredo do camponês. E, como todos falavam e gritavam e brigavam e berravam, o camponês não tinha vez nem de mês em mês de exercer com altivez seu hábito burguês de poetês. Assim, um dia, foi procurar o conselho do eremita mais próximo, cujo eremita, tirando o traje de califa com que estava vestido – o eremita era meio chegadão a um travesti – lhe disse:

- Quantas pessoas ao todo moram no seu budoar?

- Citando minha sogra como pessoa, dezoito – disse o camponês.

- E cabeças de gado, quantas tem? - indagou o eremita enquanto tirava o batom dos lábios.

- Três bois, uma vaca, seis cabritos, um burro, uma égua, uma mula, quatro porcos. Contando tudo isso como gado e não contando minha sogra como tal: dezessete cabeças.

- Põe tudo dentro da casa e volte para nova consulta daqui a um mês – disse o eremita ao camponês, que assim fez, sem pensar mais uma vez.

Claro que sua vida se transformou num inferno: ao cheiro da sogra juntou-se o dor da vaca, ao gemido de mulher juntou-se o grunhido de porco, ao empurrão da tia juntou-se o coice do cavalo. De modo que, antes do prazo aprazado, o eremita foi de novo procurado para resolver o piorado. Mas o eremita, sem se perturbar, disse apenas, enquanto experimentava um brinco de esmeraldas:

- Agora põe todos os animais pra fora de casa que você vai se sentir num paraíso.

O camponês, percebendo imediatamente a tremenda sabedoria do eremita, correu para casa, abriu a porta, pôs toda família na rua e foi feliz para sempre vivendo em absoluta promiscuidade com os animais.

MORAL: Até um poeta campestre pode melhorar um mestre.

Texto extraído de "Novas Fábulas Fabulosas", uma colaboração de Carlos Alberto Coelho, de Cascavel (PR).

Extraído do sítio Releituras

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