3 de dezembro de 2011

O FADO, AGORA A CORES - Manuel Halpern


"Atenas produziu a escultura, Roma fez o direito, Paris inventou a revolução, a Alemanha achou o misticismo. Lisboa que criou? O Fado. Fatum era um deus do Olimpo; nestes bairros é uma comédia. Tem uma orquestra de guitarras, e uma iluminação de cigarros. Está mobilada com uma enxerga. A cena final é no hospital e na enxovia. O fundo é uma mortalha" (Eça de Queirós).

Ramalho Urtigão
"[O fadista] vive de expedientes da exploração do próximo. Faz-se sustentar de ordinário por uma mulher pública, que ele espanca sistematicamente. Não tem domicílio. Habita sucessivamente na taberna, na batota, no chinquilho, no bordel ou na esquadra da polícia. Está inteiramente atrofiado pela ociosidade, pelas noitadas, pelo abuso do tabaco e do álcool. É um anémico, um cobarde e um estúpido" (Ramalho Ortigão).

Pinto de Carvalho
"Ordinariamente, o fadista sabe cantar - com entoação febril e húmida de soluços, olhos quebrados e a inamovível ponta de cigarro soldada ao lábio inferior - os fadinhos docemente articulados sobre um ritmo em que brincam fantasias de espasmos, as pornografias igualitárias das tascas onde o álcool flameja e a embriaguez estrebucha, as obscenidades levadas até à incongruência fétida, as indecências envoltas em palavras doces com suspiros abafados - todas as chulice do reportório escatológico". (Pinto de Carvalho)

Eça de Queiróz
Eça de Queirós odiava o fado, Camilo desprezava-o, Ramalho Ortigão descrevia-o com desdém e até Pinto de Carvalho, responsável pela primeira História de Fado, não escondeu um olhar decrépito. O fado nasceu assim, música dos guetos, das vielas, estruturalmente pobre, menor e desprezível. O fadista era um rufia de naifa em punho, a fadista uma prostituta. Quem diria que um dia esta "canção de vencidos" se iria tornar património da humanidade? 

Que se desculpem os autores da geração de 70, na altura o fado ainda era a preto-e-branco, por vezes tingido com o vermelho do sangue das zaragatas, nada de que uma pessoa de bem se aproximasse. Com o tempo, o fado ganhou cor. Tomou as cores da república e dos anarco-sindicalistas, e também dos fascistas, dos marialvas e das senhoras lindamente, dos poetas populares e dos eruditos, dos ortodoxos e dos inovadores, dos ricos, dos pobres e dos assim-assim. O fado hoje tem tantas cores quanto aqueles que os cantam e que o ouvem. E agora é património da humanidade. Só é pena não podermos levar à Unesco a nossa dívida externa. Mas havemos de cantá-la.

Extraído do sítio da Visão Portugal

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os comentários serão moderados. Não serão mais publicados os de anônimos.