5 de junho de 2012

ERA UMA VEZ A HISTÓRIA DE BRANCA DE NEVE - Leonardo Vinicius Jorge


Branca de Neve é pop. E o fato de dois blockbuster chegarem aos cinemas do mundo todo com um intervalo de apenas dois meses confirma isso. Mas qual filme vai é mais fiel ao conto: “Espelho, Espelho Meu”, com Lily Collins e Julia Roberts, ou “Branca de Neve e o Caçador”, com Kristen Stewart e Charlize Theron?

De certa forma, nenhum, porque em ambos a princesa deixa de ser uma mocinha indefesa à espera de seu salvador para empunhar a espada e ir à luta para reconquistar seu reino. Trata-se de uma espécie de modernização da personagem. “A história de Branca de Neve é contada há séculos”, lembrou Tarsem Singh, diretor de “Espelho, Espelho Meu”, durante a divulgação de seu filme. “Os contos de fadas são adaptados para os tempos nos quais são contados”, completou.

Snow White (1916)
Mesmo assim, na maioria das vezes em que a personagem dá as caras em algum produto cultural, seu visual é emprestado do clássico da Disney “Branca de Neve e os Sete Anões”, de 1937. O primeiro longa-metragem da história da animação definiu o padrão estético e narrativo de um conto que já existia há muito tempo e que era passado de geração a geração por meio da tradição oral, e não da escrita. Isso contribuiu para o surgimento de inúmeras versões da história, que foi adaptada à cultura de diversos países europeus e ganhou novos elementos ao longo do espaço e do tempo.

No folclore escocês, por exemplo, encontra-se a história de uma rainha que pergunta a uma truta em um poço se ela é a mulher mais bela que existe. A resposta sempre foi positiva, até que sua filha atinge a idade adulta. O peixe, então, diz que a garota tornou-se a mais bonita entre todas e a rainha, doente de inveja, exige do rei o assassinato da menina.

Espelho, Espelho Meu (2012)
Na Armênia, um conto popular também fala de uma mãe preocupada com a beleza, mas ela conversa com a lua; na versão grega, é o sol que faz o papel do espelho mágico; na Rússia, há um poema, publicado em 1833, de uma princesa morta e seus sete cavaleiros – provavelmente uma influência direta dos textos dos irmãos Grimm, que haviam publicado uma compilação com contos folclóricos alemães um pouco antes, em 1812.

Há até teorias de que Branca de Neve existiu de verdade. Uma pesquisa sugere que a história seria baseada na vida da nobre Maria Sophia Margaretha Catharina von Erthal, nascida em 1729 no castelo de Lohr, na Alemanha, que hoje abriga o Museu Spessart. Sua mãe morreu durante um parto e seu pai casou-se com outra mulher dois anos depois. A moça e a madrasta tinham um péssimo relacionamento e ela foi criada numa área da Bavaria próxima às minas de cobre, nas quais crianças trabalhavam – vítimas das péssimas condições, tinham seu desenvolvimento físico prejudicado e eram chamadas de anãs. Acredita-se que sua rota de fuga tenha sido de 35 quilômetros por meio da cadeia de montanhas de Spessart, uma das maiores áreas de floresta da Alemanha.

Branca de Neve e os Sete Anões (1937)
Outro estudo aponta a semelhança com a vida da condessa Margarete von Waldeck, também alemã. O relacionamento entre a moça e sua madrasta não era dos melhores e quando a adolescente foi exilada para Bruxelas, aos 16 anos, ela se apaixonou por um jovem príncipe, que mais tarde se tornaria o Rei Felipe II da Espanha. Para evitar que ela se tornasse rainha, o governo espanhol e madrasta do príncipe teriam tramado o seu assassinato. Ela morreu envenenada aos 21 anos de idade, em 1554. Ou seja, antes dos primeiros registros conhecidos da história de Branca de Neve.

Provavelmente, o registro mais antigo do conto tenha sido realizado pelo italiano Giambattista Basile, no século 17, o que sugere que a aventura da personagem já era narrada durante a Idade Média. No livro “Il Pentamerone”, Basile conta a história de “A Jovem Escrava”, que traz diversos pontos em comum com a lenda de “Branca de Neve”. Curiosamente, o texto também tem diversos elementos que seriam encontrados em outros contos, como “A Bela Adormecida” e “A Bela e a Fera”.

Once Upon a Time (2011)
Contada oralmente, as histórias se espalharam por toda a Europa e ganharam diversas variações, mas houve um momento em que os contos de fadas passaram a ter uma uniformidade. Isso aconteceu no início do século 19, quando os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm coletaram diversos contos populares alemães e os registraram num livro, em 1812. A partir desta data, os contos de fadas, entre eles a história de Branca de Neve começaram a ganhar a forma que o público conhece até hoje.

Mas mesmo assim a princesa cândida dos irmãos Grimm tinha elementos bem mais sombrios e violentos do que a versão clean e colorida popularizada pela animação da Disney. No final do conto, por exemplo, a Rainha Má é obrigada a dançar até a morte calçando um sapato de ferro incandescente. E ela era a mãe da princesa, não a madrasta.

Branca de Neve (2001)
Na verdade, os primeiros contos publicados pelos Grimm tinham essa característica mais tenebrosa – em “Cinderela”, as filhas da madrasta amputam os dedos do pé e os calcanhares para tentar calçar o sapado de cristal e ganhar o coração do príncipe; em “Chapeuzinho Vermelho” não há caçador para salvar a mocinha na última hora, quando o Lobo Mau faz a festa.

Com “Branca de Neve”, o tom era o mesmo e as versões contadas posteriormente por outros autores também tinham passagens tenebrosas. Quando a Rainha Má pedia para que o caçador trouxesse o coração (ou pulmão ou fígado, dependendo da versão) da princesa, não era para ter prova de que a vítima estava morta. Ela comia o órgão até lamber os dedos, para absorver a energia de sua inimiga e continuar sendo a mais bela, num ritual pagão que tinha antecedentes históricos. A condessa húngara Elizabeth Bathory, por exemplo, banhava-se no sangue de jovens virgens no século 16, por acreditar que assim se manteria jovem e bonita para sempre – uma prática que teria inspirado a criação do vampiro na ficção gótica.

A Floresta Negra (1997)
Com o passar do tempo, a história de Branca de Neve começou a ganhar mais luz e perdeu seus últimos resquícios de sadismo quando Walt Disney produziu sua histórica animação. Mas antes mesmo do estúdio americano, os próprios Grimm revisaram seus conceitos e fizeram diversas alterações dos contos, para torná-los mais palatáveis. Wilhelm, em particular, adotou um fervor cristão que se refletiu nas novas edições dos livros, que passara a proteger a família (como substituir a mãe pela madrasta como a Rainha Má) e a explorar mais as lições morais – a famosa “moral da história”, que ensinava as crianças a se comportar, senão o lobo mau, a bruxa, etc…

Assim como há diversas versões de Branca de Neve na literatura, no cinema a personagem também já foi abordada das mais diversas formas. A quantidade registrada de produções televisivas e cinematográficas sobre o conto gira em torno de uma centena, mas o número real deve ser bem maior, uma vez que muitos países têm sua própria versão da história.

Branca de Neve e o Caçador
Para se ter uma ideia, o primeiro filme da princesa foi lançado em 1902, quando o cinema ainda estava longe de aprender a falar. Uma das primeiras versões pioneiras, lançada em 1916 e estrelada por Marguerite Clark, chamou a atenção de um garoto de 15 anos chamado Walt Disney. Mas ele não foi o primeiro a animar a personagem. Quatro anos antes, o diretor Dave Fleischer transformou a personagem Betty Boop numa Branca de Neve sexy e surreal da era do jazz. Seu curta “Branca de Neve” (1933) tinha participação do lendário cantor de jazz Cab Calloway, além de um tema macabro, com bruxa, monstros, caveiras e fantasmas no enterro da princesa.

O desenho animado realizado pelo estúdio Disney, quatro anos depois, limou os pontos mais sombrios, transformando a saga da princesa numa bela história de amor. A animação também foi responsável por dar personalidades distintas aos anões, que não tinham os nomes pelos quais ficaram conhecidos. “Branca de Neve e os Sete Anões” foi um sucesso de público e de crítica, mas o mais importante foi seu legado: a partir de 1937, aquela seria a Branca de Neve definitiva e o que viesse depois tomaria seu visual e sua narrativa como base, como em “Branca de Neve e os Três Patetas” (1961), por exemplo. Ah, e ali estava nascendo também a indústria dos longas animados.

Branca de Neve (1933)
A candura da princesa também já foi motivo para muita discussão, afinal o conto estabelece que a pele branca da menina, tal qual a neve, é o padrão ideal de beleza – dizem que Adolf Hitler adorava o desenho da Disney. Em 1943, a animação “Coal Black and de Sebben Dwarfs”, do genial Robert Clampett (responsável por vários curtas de “Pernalonga” e dos “Looney Tunes”), também provocou muita polêmica ao fazer uma paródia com a própria questão racial: no lugar de “Branca de Neve” (Snow White), a princesa Preta de Carvão (Coal Black). O curta trazia personagens e piadas que só reforçavam o estereótipo.

A mocinha virginal que vive com sete homens também provocou a mente dos mais safados e paródias e versões pornográficas se tornaram inevitáveis. E de fato a passagem da princesa na casa de outros homens já atraíram lupas freudianas, assim como a estranha paixão necrófila do príncipe encantado, que cai de amores pela garota do caixão de vidro – antes da animação da Disney, Branca de Neve e o rapaz não se conheciam previamente.

Branca de Neve e os Três Patetas (1961)
Só para citar uma versão erótica, “Histórias Que Nossas Babás Não Contavam” (1979), produção nacional da fase da pornochanchada, trazia a mulata Adele Fátima como “Clara das Neves” e o comediante Costinha como o Caçador.

Mesmo versões mais sombrias do conto já foram levadas às telas. Sigourney Weaver (“Alien”) apavorou como a Rainha Má do telefilme “Floresta Negra” (1997), que recriava a fábula como um conto medieval de bruxaria, maldições e terror, passado na época das Cruzadas, com mineiros rudes, que não eram anões, e uma princesinha desesperada. Em outro telefilme chamado “Branca de Neve” (2001), a origem da princesa, vivida por Kristin Kreuk (série “Smallville”), ganhava viés pagão e o destino do reino era traçado num pacto demoníaco. Até uma versão cômica colorida foi tentada antes, com “Xuxa em O Mistério de Feiurinha” (2009), espécie de encenação de buffet infantil que reunia várias princesas encantadas, entre elas Branca de Neve. Sem esquecer a versão mimada da princesa na animação “Shrek Terceiro” (2007).

Histórias que Nossas Babás Não Contavam (1979)
A velha história retorna agora com um figurino para disputar Oscar e fotografia de tirar o fôlego. Mas “Espelho, Espelho Meu” e “Branca de Neve e o Caçador” não estão sozinhas em sua revitalização do conto de fadas. Os filmes americanos ainda têm a companhia do espanhol “Blancanieves”, também de 2012, filmado em preto e branco, sem diálogos e com clima gótico, além do sucesso televisivo “Once Upon a Time”, que aborda os velhos personagens dos irmãos Grimm, com destaque justamente para Branca de Neve.

Desde a era de ouro da Disney, as fábulas não encantavam tanto a imaginação coletiva. O que ambas as épocas têm em comum? Não é a magia, mas a crise econômica mundial. Em época de receios, o desejo pelo final feliz fantasioso impõe-se como uma necessidade humana, como o ato de respirar.

Shrek Terceiro
Extraído do sítio Pipoca Moderna

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