27 de junho de 2012

A ALÓCTONE, O POR-DO-SOL, O POETA: CENAS CARIOCAS - Júlia Abreu de Souza

Foto: (c) Junior Oliveira/Flickr CC
Num bar da praia do Arpoador, o garçom poliglota me aborda:

-du iu ispiqui inglischi? 

Por que será que holandeses e brasileiros gostam de conviver com os estereótipos sobre o nosso país, nunca me enxergando como uma nativa da terra brasilis? Entro no papel de alóctone:

-iésh.

-du iu uanti ei caipirinha?

-ai prifer ei suissi lémonedi.

Ele volta, sorrindo, com a limonada suíça:

-réve ei gudi taime.

Uma salva de palmas interrompe o diálogo. É o fiel público do pôr-do-sol, generoso e rubro, bonito que só ele, lá de trás dos Dois Irmãos. Estranho, esse costume de bater palmas durante os poentes, e depois de aterrissagens. Nunca entendi se é para o piloto, ou para nós, que incólumes, chegamos ao destino. Então, por que não começar pelos motoristas que nos deixam sãos e salvos, nas paradas de ônibus da cidade?

Saio da avenida ipanemense. À noite, a bela perde muito dos encantos para a vizinha Atlântica, que com o seu colar de diamantes, o Forte iluminado, morros, quiosques envidraçados avançando pela areia afora, é um deslumbre. A orla copacabanense é interativa, engraçada, frequentada por gente de diversos tipos e origens. Na areia, vejo banhistas ousados se adentrando pelo mar escuro, pescadores notívagos lançando suas redes, marinheiros sós, meditando à luz do luar, meninos ensaiando um futebol. Na pista, patinadores velozes e ciclistas fanáticos. No famoso calçadão, pipoqueiros, ilusionistas, gringos flanando com as namoradas locais; cães, de todas as raças, com seus treinadores, idosos apoiados nos acompanhantes, senhores barrigudos num Cooper (es)forçado, mulheres com modelitos justos, curtíssimos, bregas, chiques, periguetes. E muito mais. A Atlântica é um microuniverso carioca.

No banco de Carlos Drummond de Andrade, uma família de cinco se instala com todo alarde, ao lado da estátua do ícone. Um bebê é depositado no seu colo. Fotos. Pouco depois, uma garota sussurra qualquer coisa no seu ouvido e lhe dá um beijo estalado. Que dó ver o nosso poeta, tímido, indefeso, empedernido, à mercê desses arroubos públicos! Em seguida, aparece um homem bem-vestido e exaltado, que se põe a recitar: “No meu caminho tinha uma pedra, também tinha uma pedra!” Os passantes param apiedados. Uma holandesa pergunta à amiga quem são aqueles dois, a estátua e o interlocutor. “Um famoso poeta que escreveu sobre uma pedra simbólica”, explica a outra. “Provavelmente, inspirado pelo Bob Dylan ou pelos Rolling Stones!” Ai, essa burrice etnocêntrica! Viajam o mundo inteiro, mas continuam acreditando que tudo começa e termina no “Primeiro”.

No final da avenida, uma mulher enlaça a volumosa cintura de bronze de Dorival Caymmi, e com a mão esquerda no seu ombro, o rosto aninhado no largo peito do baiano, murmura, romanticamente. : “É doce morrer no mar... nas ondas verdes do mar...” .

Estamos todos em pleno ritual de despedidas. É o verão indo embora, e nós partindo para a planície dos ventos uivantes. Fazemos coro com a estátua e também chamamos o vento. No ano que vem tem mais. Que assim seja.


Extraído do sítio RNW

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