27 de junho de 2012

ESCRITA REINVENTADA - Mônica Lucas

Autores ainda bancam seus próprios livros, mas as editoras estão mais preparadas para facilitar o trabalho.

Corria o ano de 1930, quando um dos marcos da segunda geração do modernismo brasileiro chegou aos leitores. "Alguma Poesia", livro de estreia de Carlos Drummond de Andrade, só entrou no mercado graças à persistência de seu autor. A obra foi lançada pelo selo Edições Pindorama, que não existia de fato. A impressão havia sido feita na Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais. Tudo pago pelo poeta em suaves prestações descontadas de seu salário como funcionário público.

Drummond tinha apenas 28 anos, e sua modesta edição de 500 exemplares foi recebida com intensidade por crítica e público. Mesmo após ataques e elogios ao caráter inovador de "Alguma Poesia", seu segundo livro, "Brejo das Almas", só saiu por causa de uma cooperativa. A obra seguinte, "Sentimento do Mundo", foi novamente bancada pelo poeta, que distribuiu toda a edição de 150 exemplares entre amigos e escritores. Seu primeiro contrato com uma editora, a José Olympio, só veio aos 40 anos de idade.

Diversos títulos de escritores iniciantes ou não chegam ao mercado pelas mãos de selos editoriais locais. Alguns, como a autobiografia de Maria da Penha (no centro) são sucesso de vendas e ganham mais uma reimpressão

Os relatos de auto publicação são comuns entre os grandes escritores brasileiros. Manuel Bandeira pagou a edição de seu primeiro livro de poemas, "A Cinza das Horas", em 1917, e também do segundo, "Carnaval". O poeta Ferreira Gullar não teria publicado "Um Pouco Acima do Chão", em 1949, sem a ajuda da mãe. Cinco anos depois, para lançar "A Luta Corporal", também teve que arcar com recursos próprios. Há ainda a difusão cultural da chamada "geração mimeógrafo" de Leminski e Chacal nos anos 1970.

Décadas se passaram, mas a auto publicação em pequenas editoras continua comum no meio literário. Apesar dos inúmeros desafios que permanecem na empreitada, ela agora parece menos complicada para os autores. "Publicar no Brasil já foi bem mais caro e difícil. Drummond teve que fazer das tripas coração para lançar seu primeiro livro. Hoje, com R$ 10 mil, é possível se publicar um bom livro. Além disso, existem outras estratégias, como o financiamento por meio de editais públicos", avalia Mardônio França, idealizador do selo editorial Corsário.

Seu selo surgiu no mercado cearense em 2008, com a publicação de Tris, de Ylo Barroso. Depois vieram os livros de Ana Cristina de Moraes e Uirá dos Reis. Naquele momento, a editora ainda funcionava apenas com recursos próprios. A parceria com a Fotossíntese Arte e Comunicação aproximou a Corsário dos editais. "Sou completamente a favor da política de editais. Não é um favor para escritores ou leitores, é a aplicação dos impostos que pagamos em cultura", opina.

Atualmente, a Corsário tem 15 livros no acervo, entre prosa e poesia, e se prepara para lançar seu primeiro livro científico, sobre vídeo-poesia. A ideia é expandir a atuação para outros gêneros, segundo Mardônio França, que também apresenta seu "Mitologias Poéticas Outras Poéticas", no próximo mês. Para ele, a internet é uma aliada no processo de publicação, já que facilita a livre distribuição da literatura. Todas as obras da Corsário, inclusive as revistas, são ofertadas sob licença Creative Commons.

Antigamente, quem tentava publicar um livro assumia mais riscos. Hoje, as editoras dão suporte maior aos autores. Geralmente, após a avaliação dos textos, ainda cuidam da revisão e de toda a parte gráfica, além da divulgação. "Tem muita gente que tem coisas escritas e não sabe como publicar. Às vezes chega até a procurar uma gráfica, mas não conhece o trabalho das editoras", diz Camille Soares, diretora de relacionamento da Dedo de Moças, há quase um ano e meio no mercado.

Aberta em setembro de 2009, o Armazém da Cultura cuida da avaliação dos textos e de todo o projeto gráfico. "A partir daí, de forma exaustiva, partimos para a revisão, nunca menos do que cinco revisões, até o último momento, com o boneco da gráfica. Na literatura infantil, contratamos ilustradores a partir do texto já finalizado pela editora. Em seguida, vem a divulgação na imprensa e redes sociais", conta a editora, Albanisa Dummar Pontes.

Com 28 títulos publicados, o Armazém conta com alguns sucessos editoriais, como "Sobrevivi... Posso Contar", autobiografia de Maria da Penha, e livros infantis adotados em escolas particulares do Ceará. O "Acordo Ortográfico", vocabulário das palavras modificadas esgotou em vinte dias e já está entrando na primeira reimpressão. Segundo Albanisa Pontes, a editora ainda busca escritores, mas a proporção de autores que tomam a iniciativa cresce consideravelmente. 

Outro selo literário se lançou no mercado cearense semana passada. Atuando como braço da Littere Editora, a Sponti Editora tem como proposta ir além da publicação, investindo na profissionalização do mercado como um todo. "Não adianta só escrever, tem que ter ação e consciência da sua importância dentro da comunidade" acredita Isa. "Às vezes a pessoa escreve, mas não sabe se é um romance, uma novela, um conto", diz Aíla Sampaio, uma das coordenadoras editoriais do selo.

Para isso, a editora oferece o que chama de "coaching literário". Aproveitando as experiências de Aíla como professora de Língua Portuguesa e da escritora e psicóloga Isa Magalhães na gestão logística de pessoas, a Sponti propõe trabalhos específicos de organização da criatividade, indo desde a descoberta do gênero de afinidade ao planejamento de ações. Em breve devem começar eventos, cursos e até premiações com esse fim.

Matéria-prima para esse trabalho não deve faltar. Para elas, há menos lançamentos do que poderia haver em Fortaleza e é necessário ocupar esse espaço. Aíla considera que "há muita coisa boa no ambiente virtual, gente que escreve em blogs, mas não publica e acaba perdendo essa sensorialidade e prazer estético da leitura".

O desafio de publicar

Se há dificuldades para os autores lançarem seus livros, montar uma pequena editora também não é tarefa fácil. A burocracia toma capital, tempo e muita paciência. "Até abrir uma conta no banco foi difícil. Um deles pedia uma lista de documentos surreal, outro exigia um faturamento bem acima do nosso", conta Camille Soares, diretora de relacionamento da Dedo de Moças, que cita ainda os altos tributos pagos pelo setor como um entrave ao crescimento do mercado.

Capital próprio

Os sócios da Dedo de Moças não recorreram a financiamentos, aplicando no negócio 100% de capital próprio, "que não era muito, o suficiente para equipar a sala minimamente e abrir as portas". As redes sociais e a indicação dos amigos foram fundamentais para atrair os primeiros clientes.

Caso da advogada Adriana Alcântara, que também se dedica a literatura infantil e tinha um livro há três anos na gaveta. O material foi lançado em janeiro do ano passado.

A ponte entre Adriana e a Dedo de Moças foi o designer Ramon Cavalcante, que acabou responsável pelas ilustrações de "A rabeca encantada de Violina". "Na época, a editora estava começando. Entregaram o livro pronto, cuidaram do lançamento, da divulgação, inseriram na Livraria Cultura, fomos à Feira do Livro Infantil. Esse trabalho é muito importante para quem não tem experiência", argumenta a advogada e escritora. Tanto que, ao lançar seu segundo livro, "Violina vai à feira", em outubro, recorreu novamente editora.

Na opinião de Mardônio França, da Corsário, o problema maior não é montar e registrar a empresa, mas distribuir os livros: "Para colocar na livraria, os custos associados chegam a 40%, 50%, 60%. Isso é muito oneroso para o editor".

Prateleiras

De acordo com Albanisa Pontes, distribuição e livrarias pesam muito no orçamento, além das despesas com divulgação nas escolas e manutenção do estoque. "Temos no Armazém da Cultura, felizmente, títulos que ganharam editais viabilizados na primeira edição", pontua.

Como as tiragens geralmente são baixas, o retorno do investimento é lento - principalmente nos casos em que há uma grande preocupação com a qualidade gráfica.

Por isso, o editor Álvaro Beleza transformou sua antiga La Barca Editora em um escritório voltado especificamente para design gráfico. "É tão complicado esse sistema, que se alguém de Fortaleza pedia um livro pelo site da livraria, tinha que mandar o livro pra São Paulo, mesmo que depois fosse pra eles enviarem de volta para cá".

Formato

Após dez livros lançados desde 2009, Álvaro Beleza trocou a burocracia e dores de cabeças com a distribuição pelo prazer de trabalhar diretamente com o design. "Na verdade, eu havia criado a La Barca justamente para isso, mas acabei me envolvendo com outras atividades. Foram muitos problemas para pouco rendimento". Segundo o editor, "o que dá mais dinheiro é livro didático para participar de licitação". (ML)

Extraído do sítio Diário do Nordeste

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os comentários serão moderados. Não serão mais publicados os de anônimos.