26 de junho de 2012

O BRUXO E O MITO - Wanda Sily

“Deus, para a felicidade do homem, inventou a fé e o amor. O diabo, invejoso, fez o homem confundir fé com religião e amor com casamento”. Quem assim o disse foi Machado de Assis, o Bruxo do Cosme Velho e da nossa literatura, que completou nesse 21 de junho 173 anos de imortalidade. E continua contando: Machado está entre os 12 autores brasileiros mais traduzidos no mundo, e esse ano “Memórias Póstumas de Brás Cubas” chega ao Japão!



“A primeira glória é a reparação dos erros”. Machado nasceu no Rio de Janeiro, cidade que homenageou em todos os seus livros , tal como Woody Allen com Nova York. Ninguém censura o cineasta americano por isso, mas Machado foi chamado de antinacionalista. Também foi censurado por, em sendo mulato, casar-se com uma ariana e não ter se engajado na luta pela abolição da escravatura.

“A arte de viver consiste em tirar o maior bem do maior mal”. Machadinho teve origem humilde; o pai mulato era pintor de paredes e a mãe açoriana era lavadeira. Estudou em colégio público, mas não se limitou ao que o estado e a pobreza lhe impuseram. Foi coroinha na igreja da Lampadosa para aprender latim, e aprendeu francês com um imigrante que trabalhava na padaria da esquina.

“Suporta-se com paciência a cólica dos outros”. Morreu-lhe cedo a mãe, e o pai se casou novamente com uma doceira que vendia doces em um colégio. Ele ficava lá vendendo os doces da madrasta, e enquanto o recreio não chegava, assistia a todas as aulas que podia. Aprendeu inglês com o amigo José de Alencar, o escritor que escolheu como seu patrono na Academia Brasileira de Letras, que ajudou a fundar.

“Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinhos, Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!” Machado era tímido e gago, e talvez por isso tenha evitado discutir política e religão. Muitos críticos não o perdoam por isso: "urbano, aristocrata, cosmopolita, reservado e cínico, ignorou questões sociais como a independência do Brasil e a abolição da escravatura”. Soa mais como elogio para um mulato poliglota que mal tirou o curso primário!

“Não é amigo aquele que alardeia a amizade: é traficante; a amizade sente-se, não se diz”. Depois da morte do grande amigo Alencar, Machado tornou-se melancólico, pessimista e com ideia fixa de morte. Venenos para a alma, mas santo remédio para a literatura, pois foi nessa fase depressiva que escreveu “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Nasciam juntos o mito e o realismo no romance brasileiro.

“A melhor definição de amor não vale um beijo de moça namorada.” Com Carolina viveu 35 anos de um casamento feliz mas sem filhos. Mulher educada e culta, é ela quem apresenta Machado aos grandes autores europeus. Ao morrer, Machado lhe dedica o soneto “Carolina”, que a torna também famosa: “Trago-te flores - restos arrancados - Da terra que nos viu passar unidos - E ora mortos nos deixa e separados”.

“Está morto: podemos elogiá-lo à vontade!” José Saramago, Salman Rushdie, Cabrera Infante, Carlos Fuentes e Susan Sontag são ou eram alguns dos seus inúmeros admiradores. Woody Allen incluiu Brás Cubas entre seus cinco livros favoritos. Ao lê-lo, disse, “Não acreditei que tivesse sido escrito quando foi”. O crítico americano Harold Bloom o incluiu na lista dos 100 autores mais influentes do mundo, e diz, “Até hoje o maior artista literário negro”. Uma honra, mas quem no Brasil o considera negro?


Extraído do sítio Século Diário

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