19 de outubro de 2012

PORTUGUESAS INVENTARAM A "ALTA PORNOGRAFIA" - Henrique Raposo

A pátria está a precisar de um suplemento vitamínico para a alma, está a necessitar de um Red Bull para a moral. Como não temos hipótese no mundo dos gráficos, tabelas e demais instrumentos da eficácia económica, resta-nos o amor ou os amores . José Rodrigues Miguéis (1901-1980) pensou no mesmo. Numa crónica de 1974 (Diário Popular) contida neste livro, Miguéis atribui a duas portuguesas o estatuto de precursoras da literatura erótica. Então, isto levanta ou não a moral pátria?

A primeira destas heroínas dá pelo nome de Mariana Alcoforado (1640-1723). Esta freira alentejana enviou cartas a um oficial subordinado de Schomberg, um tal Conde Milly, que esteve em Portugal entre 1663 e 1667, durante a Guerra da Restauração. Enquanto andava por aí à espadeirada, o sujeito teve tempo para seduzir a nossa freira, cujas cartas ficaram famosas na Europa a partir da publicação em 1669 do livro Cartas Portuguesas. Convém perceber que este livro foi uma espécie de terramoto cultural na Europa. As cartas de Sóror Mariana Alcaforado, a freira-ninja do século XVII, tiveram tanto sucesso em França que acabaram por ser precursoras de "um sem-fim de obras mais ou menos eróticas ou pornográficas". Entre essas obras, diz-nos Miguéis, podemos encontrar "uns Contes Portugais anónimos" a respeito "de aventuras amorosas em Trás-os-Montes". Quem diria? Trás-os-Montes apareceu na revolução porno dos séculos XVII e XVIII.

Uma das obras que foi publicada na senda de Cartas Portuguesas dá pelo nome de Satyra (1678), e foi alegadamente escrita por uma, vá, semi-portuguesa. Luísa Sigea de Velasco nasceu em 1522 em Toledo, mas veio para Portugal em 1530. Aqui se fez, aqui frequentou a corte, aqui estudou "sob a direcção de mestres eruditos" num tempo de "fugazes liberdades intelectuais". Entretanto Sigea regressou a Espanha e acabou por escrever Satyra, que só foi publicado um século mais tarde pelas mãos de um impostor. Com ou sem impostores, Satyra é um dos primeiros livros europeus de "pornografia de alta escola". Não sei o que é "pornografia de alta escola" (sexo num escadote?), mas sei que Flaubert confessou que este "fora o único livro pornográfico que sobre ele tivera uma acção estimulante". Ao pé disto, o livro As Sombras de Grey é para meninas de escola.

Extraído do sítio Expresso.pt

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