23 de outubro de 2012

JORGE AMADO, DRUMMOND E VERÍSSIMO SÃO RESGATADOS DO LIXÃO - Bruno Ferro

Acima, Cleusa Oliveira lê um dos livros coletados entre o lixo reciclável. Foto: Rubens Cardia
A coletora Cleusa Branco de Oliveira, 48 anos, recicla muito mais do que plástico, papel e borracha. Do lixo, ela resgata monstros sagrados da literatura nacional e mundial, como Jorge Amado, Érico Veríssimo, Carlos Drummond de Andrade e Shakespeare, entre muitos outros. Desde janeiro deste ano, ela começou a recolher e vender a preços simbólicos livros encontrados em meio ao material e detritos descartados pelos mirassolenses. Com tantas opções de obras, ela resolveu criar o Cantinho da Leitura, no Centro de Coleta e Triagem de Recicláveis. 

Lá, o valor de um livro não é medido pelo peso que renderia para a reciclagem tradicional. Um material que se tornaria papel picado volta às mãos de outras pessoas. José Saramago, Monteiro Lobato e Ziraldo também fazem do acervo recuperado. São tantos os livros que ela nem sabe quantos já coletou. Expostas em prateleiras improvisadas, as obras são vendidas todos os dias e em bazares que acontecem duas vezes por mês. “O objetivo é encher essa parede de livros,” diz, apontando para um espaço livre do galpão. Para isso, no entanto, vai precisar de mais prateleiras. Afinal, já estão lotadas. 

Mas não devem permanecer cheias por muito tempo: o preço de qualquer livro é R$ 0,50. Mesmo com renda mensal da família por volta de R$ 750, somando seus ganhos aos do marido, os livros não são usados para obter lucro. Desde um gibi da Turma da Mônica a um livro que reúne as obras de Cândido Portinari ou de Aleijadinho, o preço é igual. 

O valor único vale também para cada título da coletânea Obras Escolhidas, do escritor brasileiro Érico Veríssimo, lançada pela editora Globo em 1976. Os livros estão em duas caixas de papelão, no chão ao lado da prateleira, amarelados pelo tempo, mas com páginas em perfeito estado. Na internet, em sites de venda, os mesmos livros usados são encontrados por R$ 14, mais o frete. 

Cleusa estudou até a 7ª série do ensino fundamental. Parou por necessidade. Precisava ajudar com as despesas de casa e foi trabalhar. Mesmo tendo de abandonar os estudos, diz que sempre gostou muito de ler e isso agora tornou-se um hábito. “Leio na hora do almoço e nos fins de semana.” 

Catadores de materiais para ser reciclados, de Rio Preto, com livros descobertos entre o lixo descartado pelos mirassolenses. Foto: Rubens Cardia

O serviço na coleta de lixo começa às 8h e vai até as 16h30. Ela não entende quem descarta o material. “Isso aqui é um tesouro, e acho errado quem joga fora. Eu preferia que eles trouxessem aqui, como doação.” Entre os títulos já lidos, estão A escrava Isaura, Tieta do Agreste e Memórias de um Sargento de Milícias. Todos enfileirados nas prateleiras para que outra pessoa compre e também leia. Apenas um título ela resolveu guardar: O Livro Proibido, de Ivo Patarra. “Deste eu gostei tanto que não vou vender.” 

Mas de todas as obras, uma em especial chama a atenção de Cleusa. E tem tudo a ver com o que ela faz, O Menino que Quase Morreu Afogado no Lixo, de Ruth Rocha. “É para as crianças aprender a importância da reciclagem.” Além de romances e contos, a minibiblioteca também conta com livros didáticos, revistas e gibis. O espaço ainda oferece discos de vinil. Xuxa, Paquitas, Chitãozinho e Xororó são alguns dos artistas. Cada um sai por R$ 1. 

A ajuda na divulgação de obras literárias não impede que ela tenha os próprios sonhos. O principal deles é a conclusão da casa, que tem apenas cozinha, banheiro e um quarto. No local, moram ela, o marido e uma filha de 18 anos. “No fim de semana, vem a outra filha e fica todo mundo deitado no colchão.”

Algumas das obras literárias encontradas no lixão. São pelo menos 15 obras por semana. Foto: Rubens Cardia 
São pelo menos 15 livros reciclados por semana. A maior parte em perfeito estado. “Alguns precisam de uma colagem, outros vêm molhados. Mas todos ficam em condições de leitura.” Nos bazares, os livros são vendidos ao lado de roupas, calçados e outros objetos reciclados. Em cada bazar, são vendidos, em média, 20 livros. 

No início, Cleusa colocava obras infantis com os brinquedos. “Para incentivar a leitura entre as crianças.” Isso porque, ela quer oferecer a oportunidade que não teve e que também não conseguiu dar aos três filhos. Apenas uma filha conseguiu concluir o ensino médio, Dayane, 22 anos, que está no oitavo mês de gestação. Os outros dois filhos, um menino e uma menina, cursaram até a 5ª e 6ª série do ensino fundamental. 

Dayane ajuda a mãe na coleta há quatro anos e sente na pele a importância da reciclagem. “Quando estava no ensino fundamental, precisava comprar o livro ‘A árvore que dava dinheiro’, mas não tinha condições e acabei ficando sem fazer a prova. Agora, tenho aqui, de graça,” diz Dayane. “Fiquei até com raiva,” brinca. 

Ela também já virou leitora assídua, principalmente dos livros infantis. Depois de ter o filho, pretende tentar uma faculdade. “Quero fazer design, gosto muito de decoração e leio o que tem aqui sobre o tema.” O marido de Cleusa, Edson, 34, também trabalha na coleta de lixo. 

Além de Dayane e Edson, outros dez trabalhadores fazem a coleta no centro de Mirassol. Boa parte deles não sabe ler. Como Florindo Fonarovis, 55, e Helena de Souza, 55. Ela está há dez anos na coleta de recicláveis e reconhece a importância do reaproveitamento dos livros. “A gente só ajuda a recolher.” 


Extraído do sítio Diário Web

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