28 de outubro de 2012

CLÁUDIO MANUEL DA COSTA

Escrito pela historiadora Laura de Mello e Souza, livro sobre o poeta fica em 2º lugar no Prêmio Jabuti, categoria Biografia. Confira a resenha.


Professora do departamento de História da Universidade de São Paulo, Laura de Mello e Souza propôs-se a investigar a fundo a vida de um conhecido personagem na historiografia brasileira: Cláudio Manuel da Costa. A obra, publicada em 2011, ficou na segunda colocação do Prêmio Jabuti 2012, categoria Biografia, cujo prêmio máximo foi dado a José Paulo Cavalcanti Filho, por Fernando Pessoa: uma quase autobiografia.

Para fazer o livro, Mello e Souza pesquisou em acervos de Portugal e do Brasil com intuito de preencher as lacunas do importante escritor setecentista e advogado, além de rico fazendeiro e dono de escravos, que ficou legado à eternidade também por sua participação na Inconfidência Mineira (1789). O resultado desta pesquisa é o livro “Cláudio Manuel da Costa”, que se propõe a trazer uma nova perspectiva sobre essa famosa figura.

Para alguns historiadores, ele foi um dos principais ideólogos da conjuração, ficando a seu cargo a elaboração das leis do Estado a ser criado em Minas Gerais. No mesmo ano da insurreição, o autor de “Vila Rica” (1773) morreu misteriosamente. Seu corpo foi encontrado na casa de um rico contratador, chamada de Casa dos Contos. Ainda se discute se a morte teria sido fruto de assassinato ou suicídio. E quanto ao caráter do inconfidente: teria sido ele um herói ou um covarde? Essa dúvida ainda suscita muitos debates no meio acadêmico.

Na biografia, a pesquisadora argumenta, ainda, que a poesia de Cláudio Manuel, junto com a de Tomás Antônio Gonzaga, é uma das mais relevantes da literatura brasileira do século XVIII. Ao mesmo tempo que esta se revela dominada pela reverência aos modelos clássicos portugueses, incorpora aspectos importantes da paisagem e dos costumes brasileiros.

O livro foi resenha principal da Revista de História no ano passado, avaliada pelo professor Sérgio Alcides, da Faculdade de Letras da UFMG, como extremamente recomendável - nossa pontuação máxima, ou o triplo 'H'. Confira o texto do pesquisador, na íntegra, abaixo.

Resenha - Cláudio Manuel da Costa

A tentativa de reconstituir a vida e a trajetória literária e política de Cláudio Manuel da Costa talvez seja a empreitada mais ambiciosa de Laura de Mello e Souza. O livro vem coroar uma longa dedicação ao mundo histórico extremamente diferenciado da velha Capitania das Minas Gerais, iniciada com um estudo hoje clássico, Os desclassificados do ouro, de 1982. Grande conhecedora do ambiente social e cultural em que viveu e escreveu o poeta, a autora agora se revela também refinada leitora de sua poesia.

De nenhum outro modo seria possível evocar de maneira tão vívida a figura humana de um letrado que, no seu tempo, encarnou tragicamente os desajustes e as contradições da presença da cultura europeia no Novo Mundo. A autora nos apresenta um poeta marcado pela “dolorosa divisão entre dois mundos, em quase tudo irreconciliáveis; o mundo rude dos sertões e o mundo mais polido das vilas e das cidades; o mundo acanhado das colônias ultramarinas e o mundo mais culto dos centros urbanos do Reino”. Cláudio Manuel fez desse conflito o cerne de sua poesia. Também parte daí o enfoque biográfico traçado por Mello e Souza – e não, simplesmente, o envolvimento do biografado no episódio da Inconfidência Mineira.

O que era ter nascido na América portuguesa e tornar-se homem de letras? Viver em lugarejos como Vila Rica e Mariana, como súdito do rei de Portugal, e ser, ao mesmo tempo, cidadão cosmopolita da “república das letras”? Essas questões norteiam a minuciosa investigação biográfica realizada pela historiadora. É magistral a abordagem que ela faz da documentação primária. Marc Bloch, um dos fundadores da Escola dos Annales, já dizia que documentos não falam sozinhos, e nada esclarecem “a menos que os saibamos interrogar”. Ninguém até hoje explorou como Mello e Souza o processo de admissão de Cláudio Manuel à prestigiosa Ordem de Cristo. Ou, ainda, o terrível depoimento do poeta à devassa da Inconfidência, feito às vésperas de sua misteriosa morte, em 1789. Como se isto não bastasse, a pesquisadora ainda acrescenta à documentação conhecida o precioso inventário dos bens do pai de Cláudio Manuel, que ela localizou no arquivo da Casa Setecentista, em Mariana.

Também impressiona neste livro o grande poder de expressão da autora, sua escrita saborosa e às vezes contundente. A construção da biografia de um personagem excepcional se beneficia, aqui, de um olhar amadurecido no exame dos enfoques mais amplos da história social e da história cultural. É dentro dessa moldura histórica que aquela excepcionalidade se torna mais abordável e compreensível. Por outro lado, a trajetória de Cláudio Manuel transborda para além do quadro – num desafio dificílimo para um historiador. Com isso, pelas mãos de Mello e Souza, a exposição biográfica se torna também narrativa trágica.

* Sérgio Alcides é professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais.

Extraído do sítio Revista de História

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