8 de julho de 2012

PARA O SÍRIO ADONIS, É PRECISO QUESTIONAR A TRADIÇÃO PARA FAZER LITERATURA

Poeta sírio em debate da FLIP. Foto: Adriano Vizoni/Folhapress
O sírio Adonis e o libanês Amin Maalouf debateram na tarde desta sexta-feira (6), na Flip, os dilemas e as perspectivas de futuro da cultura árabe. Fizeram também um duro ataque à religião e à política norte-americana. Ambos moram em Paris atualmente.

Adonis acaba de lançar no Brasil o livro "Poemas" (Companhia das Letras), primeira tradução de seus versos para o português. Maalouf é autor dos ensaios "O Mundo em Desajuste" (Difel), no qual aborda os conflitos entre o Ocidente e o Oriente.

O choque e as possibilidades de convergência entre as duas civilizações ocupou grande parte do debate.

"Não há Ocidente e Oriente no mundo da criação. São conceitos políticos", disse Adonis. "Não faço diferenças entre as fontes ocidentais e orientais na minha criação. Cresci numa sociedade mista, com várias línguas que circulavam. O que eu procurava era uma inspiração universalista."

"Nunca exitei em me dirigir aos autores ocidentais e tentar aprender com eles. Não se deveria ter que responder se você é libanês, francês... O mundo será melhor quando tiver reunido todos os seus pertenceres, e não apenas um pertencer", afirmou Maalouf.

Adonis completou que Beirute, capital do Líbano, sempre foi uma cidade aberta ao futuro, cheia de vida, mas que a política do Ocidente quer transformá-la numa cidade monótona, sem diversidade.

"Essa política, principalmente o aspecto americano dela, não entende nada de Beirute. O problema não é apenas ligado à religião, é o imperialismo americano", afirmou Maalouf, sendo muito aplaudido. Perguntado sobre o que pensa do presidente Barack Obama, definou-o como "uma máscara negra num rosto branco".

PRIMAVERA ÁRABE

Outro assunto abordado foi a Primavera Árabe. Para o poeta Adonis, os movimentos de revolta foram visionários, mas só terão sucesso se enfrentarem dois pontos.

"Em primeiro lugar, temos que separar a religião do Estado. Temos que ter uma separação radical e formar uma sociedade laica", afirmou Adonis. "Em segundo lugar, temos que liberar a mulher. O homem não pode ser livre se a mulher não for. O que ocorre hoje está muito longe dessas preocupações. Se centraliza na mudança do regime e não da sociedade. Precisamos primeiro mudar a sociedade."

Comentando os recentes massacres promovidos em seu país, Adonis disse que o governo do ditador Bashar al-Assad é indefensável. "Não podemos defender nenhum regime árabe, é preciso que todos mudem."

CULTURA

Para ambos, a solução vai muito além da política. "Muitos dos problemas do mundo como um todo são da cultura. A salvação do planeta só pode vir pela cultura", acredita Maalouf. "Precisamos repensar a questão da identidade. É preciso conhecer profundamente o outro, sua cultura, sua maneira de pensar", defendeu ele.

"A mudança apenas de regime não vai significar absolutamente nada, pelo menos pra mim", completou Adonis. "É como alguém que tenta substituir um ditador fascista por um religioso."

O poeta sírio, ainda bastante inquieto aos 82 anos, argumentou que a literatura árabe deve se fundar no pensamento e na transgressão se quiser cumprir esse papel modernizador.

"Se não questionarmos nossa tradição, não teremos uma grande literatura. É preciso transgredir e fazer perguntas, e não vejo isso no momento", disse Adonis.


Extraído do sítio Tribuna Hoje

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