21 de julho de 2012

COMO SE TORNAR UM ESCRITOR - Wander Lourenço


Para se tornar um escritor procure apreciar os clássicos da literatura desde Shakespeare e Cervantes a Goethe, sem se descuidar de ler entre outros tantos ficcionistas James Joyce, Marcel Proust, William Faulkner, Thomas Mann, Virgínia Woolf e Franz Kafka. Sugiro que, ao descobrir os tais mestres do romance do século 20, prossiga na contramão do que assevera André Breton em seu Manifesto surrealista, seja de bom alvitre não ignorar baluartes como Victor Hugo, Leon Tolstói, Emílio Zola, Dostoiévski, Balzac, Gustave Flaubert, Stendhal, Eça de Queirós e Machado de Assis. Deste mesmo modo advirto que se deva valorizar os contemporâneos latino-americanos Jorge Luís Borges, Guimarães Rosa, Juan Rulfo, Gabriel Garcia Márquez, Clarice Lispector, Júlio Cortázar, Lucio Cardoso, Alejo Carpentier, Rubem Fonseca, Vargas Llosa, Lygia Fagundes Telles, Manuel Puig, João Ubaldo Ribeiro, Roberto Bolaño, Raduan Nassar, Ernesto Sabato e Milton Ratoum, sem menosprezar José Saramago, Philip Roth, Amós Oz e uma talentosa promessa de nome Walter Hugo Mãe.

Observe que para se tornar escritor é preciso antes se constituir um leitor digno de compreender a concepção de uma obra de ficção em toda a sua estrutura através das diretrizes do ato de narrar, conforme explicitou Benjamin. Com a perspicácia de quem passeia por sobre um pântano de areia movediça, com vozes subterrâneas ou abismos, ignotas cavernas e sofisticadas armadilhas, o escritor em formação precisará percorrer o espaço da narrativa com o cuidado de uma presa difícil e arredia, habituada ao perigo do percurso repleto de apólogos, parábolas, símbolos, sons, fábulas, signos, cores, alegorias e mitos. Daí a importância da leitura que, por mais que sirva para iniciar o futuro literato como espectador do árduo ofício literário, sobretudo o impelirá a uma formação intelectual que será utilizada como parâmetro ou lição para a posterior escrita de um livro, que seja digno de ser lido por um ser seu semelhante ou um elemento extraterrestre provindo de um hemisfério ou galáxia equidistante a se locomover ao redor do planeta Terra.

Para se tornar escritor é necessário ter a coragem de desafiar a cronologia vaga e imaginária da fabulação, para correr riscos sem aversão ou medo de se aventurar a uma escritura que lide com a divinamente humana invenção propositada por um verbo bíblico do Gênesis, conforme sobrescrito por Moisés. Para se tornar escritor é preciso adestrar a imaginação, qual um cavalo alado dos contos de fada e infância, a deslizar por sobre fórmulas de elaboração de gêneros e métodos práticos de confabulação ficcional, a fim de se propor um diálogo ou ruptura significativa aos padrões da tradição fincada pela frágil pena de um escriba consagrado pela memória do tempo, a que chamamos de posteridade. 

Para se tornar escritor é necessário afinar talento e estilo na Harpa de um habilidoso artesão conhecido por Homero a lavorar, humanamente, com o seu mágico instrumento os manuscritos eternizados pelas reminiscências de Cronos, pois que da mesma argila de que se fez o Adão o autor se prestará a ser um Deus de mentira a moldar personagens à imagem e semelhança de criaturas fictícias. Para se tornar escritor é preciso navegar por mares nunca dantes navegados por nós ou Camões, sem manual de cabotagem, mapa de tesouro ou bússola, de maneira que a precisão da existência se submeta ao lúdico da travessia a inspirar a quimera da alquimia de se transformar ideia em histórias, para concertar a ópera dos homens concebida por Dionísio ou Apolo, conforme o fizera Orfeu. 

Caberia, enfim, dizer ao protótipo de escritor que a literatura é uma dama exigente e promíscua que, embora se incline a tantos outros amantes que com ela se deitam em palácios ou alcovas, sem pudor cobrará atenção e exclusividade daquele que se arvora a desafiar a Providência por intermédio de um faz de conta de luz a se moldar pela vara de condão que, decerto, esboça a Floresta povoada por ruídos e sombras, a que chamamos criação. 

* Wander Lourenço de Oliveira, doutor em letras pela UFF, é escritor e professor universitário. 

Extraído do sítio Jornal do Brasil

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