20 de julho de 2012

CARTA ABERTA AO BRASIL - José Luis Peixoto

Portugal em postais antigos
Brasil, eu sei que, muito provavelmente, não vais ler estas palavras. Eu não sou sequer um país pequeno, nem sequer uma região, só apenas um português, sou 1:10.000.000, mais ou menos; e tu és quase um continente, colorido com Estados de várias cores nos livros de geografia, com muito mais para fazer do que ler tudo o que qualquer indivíduo espontâneo te queira escrever. Não faz mal, eu compreendo, estas palavras breves, apesar de serem dirigidas a ti são também para mim. Ficam ditas.

Nós não somos tão caretas assim. Desculpa esta frase intempestiva, descontextualizada, mas não sabia bem como começar. Mas é isto, nós não somos tão caretas assim, garanto-te. Já te disse que sou português, é nessa qualidade que te dou esta garantia. Por exemplo, nós não somos todos padeiros. Já imaginaste um país em que todos os habitantes fossem padeiros? Se pensares um pouco, tenho a certeza de que concordarás que não é razoável, não faria qualquer espécie de sentido. Que conversas teriam essas pessoas ao jantar? Outro exemplo: nós já não estamos no tempo dos descobrimentos. Desde então, tomámos uma grande quantidade de decisões e fizemos um número impressionante de coisas, umas boas e outras más. Eu também concordo que, por um dia ou dois, seria interessante vivermos em castelos, vestidos de duques e duquesas, a caçarmos javalis, a declamarmos odes com tom grave e a escandalizarmo-nos com as intrigas da corte. Mas acredito que, ao fim de pouco tempo, havíamos de nos cansar. As comodidades do mundo moderno são hoje difíceis de prescindir.

Aproveitando esta carta, chamo-te a atenção para a consideração que mostramos para contigo. De certeza que já notaste como uma grande parte dos meus compatriotas, assim que aterram em ti, ficam doidões. No entusiasmo deles, hás-de reparar que ganhas sempre na comparação com este pedaço de península. Quando aterram em ti, falam de uma maneira que até dá a impressão que estavam aqui presos e que eram maltratados. Muitos começam logo a falar com a tua pronúncia e, claro, a tratar toda a gente por você. Até eu, que não sou um país, presenciei isto muitas vezes, por isso acredito que sabes do que estou a falar. Espero que os compreendas, querem agradar-te e, normalmente, conseguem. Brasil, tu adoras que te elogiem, mesmo que seja falar por falar, papo furado. Mas, sabes, no caso desses meus compatriotas, é quase sempre sincero. Em Portugal, sem termos sertão, temos duplas sertanejas.

Por ti, até mudámos a nossa forma de escrever. Colocámos no desemprego uma enorme quantidade de letras "c" que, noutro tempo, no tempo das escolas profissionais, se especializaram em segurar o "t". E olha que havia um grande número de indivíduos que tinham muita estima nesse "c". Mas, adiante, não se fala mais nisso. O que quero que saibas é que nós gostamos de ti, muito. Gostamos sobretudo daquilo que conhecemos através de telenovelas e de canções. Sabemos das favelas, dos sequestros, mas de forma teórica. Ao contrário de ti, Brasil, nós não nos cruzamos na rua com esses meninos a cheirarem cola ou outras drogas. Antes de chegarmos aí, não conhecemos esse olhar sem futuro que toda a gente expulsa dos pensamentos, esse corpo baixinho e sujo que toda a gente contorna nos passeios da Avenida Paulista.

Acredita, Brasil, nós não somos tão caretas assim. Talvez não saibas mas, às vezes, em certas ocasiões, até nos chamam o "Brasil da Europa". Acontece quando falam de futebol ou de praias, por exemplo. Nós gostamos quando nos chamam assim porque achamos que é uma forma de nos acharem divertidos e descontraídos. Estou a falar a sério. Acredita, por favor. Irias ficar admirado se soubesses o quanto somos considerados descontraídos pelos suecos. Brasil, proponho-te um exercício. Não precisas de responder em voz alta, guarda a resposta para ti, mas pensa: o que sentirias se alguém te chamasse o "Portugal da América do Sul"?

E, já que estou em maré de pedidos: para com essas piadas de portugueses, por favor. Não têm graça nenhuma. A sério, não têm graça. Eu, por acaso, até conheço pessoalmente as personagens dessas piadas. Tanto o Manuel, como o Joaquim, como a Maria, com ou sem bigode, são figuras que vale a pena conhecer. Quando estão inspirados, têm muito mais graça do que o Jô Soares.

Extraído do sítio Visão

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