16 de julho de 2012

OS TRÊS ADONIS - Isaura Daniel

Poeta sírio lançou seu livro 'Poemas' no Brasil pela Companhia das Letras. Em São Paulo, ele falou dos seus três nascimentos, nos três locais onde morou, e da Primavera Árabe.


São Paulo – Ele nasceu primeiro na pequena aldeia de Kassabin, no Norte da Síria. Era 1930. Depois nasceu quando se mudou para Beirute e começou a revolucionar a poesia árabe. Era 1956. Alguns anos após, já década de 80, nasceu novamente, ao se mudar para Paris, onde passou a residir no “mundo inteiro”. É assim que falou de si próprio o poeta sírio Adonis, que participou, na última segunda-feira (09) do lançamento no Brasil do seu livro, “Poemas”, na Livraria Cultura da Avenida Paulista, em São Paulo. Os poemas foram traduzidos por Michel Sleiman, poeta e responsável pela seleção do conteúdo.

Diante de um auditório lotado, Adonis falou dos seus nascimentos quando foi indagado sobre a importância que Paris, cidade onde mora, e o exílio tiveram na sua obra e vida. "Tive três nascimentos", disse ele. O primeiro foi na aldeia pobre e isolada, contou Adonis. Sobre o segundo, na mudança para o Líbano, Adonis contou que ali passou a trabalhar com amigos poetas, fundou as revistas literárias Chiir e depois Mawáqif. As duas trouxeram modernidade à poesia árabe, antes muito vinculada à religião. "Senti um novo começo de existência em Beirute", afirmou.

Mas foi com o nascimento em Paris, onde se exilou por causa da guerra civil no Líbano, que ele passou a se sentir como o chamam atualmente: poeta do mundo. "Em Paris me senti residindo no mundo inteiro e como faço parte do mundo, o mundo também faz parte de mim, estou vivendo o terceiro nascimento em Paris, entendo melhor a relação com o outro e o que é o mundo", afirma. Adonis tem poesias com referência à sua terra natal e ao Líbano, várias tendo como gancho acontecimentos sociais e políticos, mas escreve assim, buscando referência no desenrolar da vida, também inspirado em outras regiões.

Adonis deixou claro que chegou a essa conclusão, sobre os seus três nascimentos, em função do conhecimento místico que tem. "Tive a sorte de ler, ainda na juventude, sobre a mística árabe", disse. Segundo ele, conhecemos a identidade como algo pré-fabricado, herdado e imposto, mas os místicos recusam essa noção e acreditam que a identidade é uma criação. "O ser humano cria sua identidade com sua obra, como se viesse do futuro e não do passado. O outro não é um anônimo, é uma dimensão constitutiva do eu. Quando viajo em direção a mim, tenho que passar pelo outro", afirmou o poeta, referindo-se também à experiência de viver e escrever na França.

O poeta criticou a pouca importância que tem a poesia no mundo árabe e se disse também preocupado com os rumos que sua terra está tomando "Embora defendesse a Primavera Árabe no começo, agora estou com medo e preocupado", afirmou. Segundo ele, os que a despertaram inicialmente, jovens e mulheres, foram marginalizados. "Os criadores da Primavera Árabe foram marginalizados na Tunísia, no Egito, quem sabe serão também no Iêmen, vamos ver em relação à Líbia, acho que lá a situação é um pouco diferente, vamos esperar para não julgar porque o processo em curso não está claro", afirmou Adonis.

O poeta disse que durante meio século não houve modificações no mundo árabe porque as mudanças foram apenas de regime. Segundo ele, não se tem uma revolução se não for fundada a cidadania na região e as mulheres liberadas das leis religiosas, ganhando todos os seus direitos. "Separar o religioso do social, cultural e político. Sem essa separação, a revolução não faz sentido", afirmou. "Não fizeram nada nos últimos anos a não ser mudar os regimes, por isso não mudou nada nas sociedades", disse Adonis, aplaudido pela plateia.

Adonis recitou suas poesias em árabe, que foram ditas na sequência em português por Sleiman, mas falou pouco sobre o Brasil. Falou, na verdade, sobre a língua portuguesa, da qual não tem conhecimento. “Não conheço português, mas acho muito belo ao ouvir”, afirmou. Ele declarou, no entanto, seu amor pelo idioma árabe. “O árabe é a língua da pele, da natureza, das coisas...”, afirmou, dizendo ainda que para se ler poema em árabe não dá para usar apenas a cabeça, a mente, mas é preciso ler com todo o corpo. “Trata-se de uma grande língua, eu continuo preferindo o árabe”, disse, fazendo rir o público.

Adonis elogiou o trabalho do tradutor do seu livro, Sleiman. “Ele entende meu processo poético mais do que eu”, falou. O brasileiro levou de seis a sete meses para concluir a tradução dos poemas. Sleiman contou que apelou ao poeta sírio apenas uma vez, quando mandou uma carta com dúvidas, prontamente respondida. Adonis afirmou que a tradução da poesia trata-se de uma criação e por isso ele não interfere no processo, deixa o tradutor livre para fazer seu trabalho. Como o próprio Adonis é tradutor, disse que ao traduzir do francês para o árabe, aprende mais o árabe. “Assim eu me traduzo ao traduzir”, falou, fazendo poesia.

O sírio escreve as suas poesias em árabe. Ele recitou, para os leitores brasileiros, algumas delas, como “O tempo”, “Amor”, “Espelho do Sono”, “Espelho do Século 20”, que estão no livro publicado no Brasil. A obra “Poemas” foi lançada pela Companhia das Letras e tem apresentação do romancista amazonense Milton Hatoum, que é descendente de árabes. A conversa de Adonis com o público foi realizado pelo Instituto da Cultura Árabe (Icarabe) juntamente com a Companhia das Letras e Livraria Cultura. O poeta também participou da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), com cuja realização o Icarabe colaborou.

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