11 de julho de 2012

PADRÕES DA LÍNGUA - Menalton Braff

Em sua famosa Carta às icamiabas, um dos capítulos de seu romance (ou rapsódia) Macunaíma, o autor da carta, o próprio Macunaíma, critica o fato de se falar uma língua e se escrever em outra. A aproximação entre a arte literária e a língua das ruas era uma das bandeiras do pessoal da Semana de Arte Moderna, em 1922. Hoje, depois dos estudos linguísticos e semióticos, depois de Saussure e os outros todos que se aventuraram a falar da língua cientificamente, tenho certeza de que o autor da carta teria outra visão dos fatos.

"Sois rei?", perguntou o taxista ao ver o fardão de Manuel Bandeira. Foto: Academia Brasileira de Letras
A presença física dos falantes tem um grau de riqueza na comunicação que jamais será alcançado pela escrita, por mais que se usem recursos como os sinais diacríticos, os recursos gráficos. A voz, suas intenções, os gestos (quem disse que mão não fala?), as expressões faciais, o mover dos olhos, enfim, uma infinidade de detalhes que enriquecem o ato da comunicação oral e que não são encontrados na língua escrita representam a comunicação direta, a mais antiga e a mais rica.

Li algures que um ator russo conseguiu dar quarenta e duas intenções diferentes a uma pequena frase. A escrita era uma só.

Além disso, sabemos que qualquer comunicação, escrita ou oral, assume formas diferentes para diferentes circunstâncias. Mas não só a linguagem sofre transformações. Todo o nosso comportamento. Ninguém vai ao casamento de um amigo vestido de bermuda e calçado de chinelinho-de-dedo. Não conheço ninguém que vá curtir um sol na praia vestido de fraque e calçado de sapatos de cromo alemão. O comportamento (e a linguagem) está certo quando adequado ao momento e ao lugar.

Já contei, mas não sei se foi aqui (por isso corro o risco da repetição), a história daquele motorista de táxi que, intuitivamente, sabia disso tudo. Quando Manuel Bandeira, trajando seu fardão para tomar posse de sua cadeira na Academia Brasileira de Letras, tomou um táxi, o motorista não parava de observá-lo pelo retrovisor. Na primeira oportunidade, ante um semáforo vermelho, virou-se para trás e, muito sério, talvez até majestoso, perguntou ao poeta:

‒ Sois rei?

Ah, meu caro motorista, com sua simplicidade você criou uma anedota, mas também nos passou uma lição que jamais esqueceremos.

Extraído do sítio CartaCapital

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