20 de julho de 2012

NICOLÁS GUILLÉN EM SEU 110º ANIVERSÁRIO - Mireya Castañeda

NICOLÁS Guillén (1902-1989) é considerado por sua obra como o Poeta Nacional. Em suas composições poéticas palpita algo próprio, particular, que reconhecemos como cubano.

Introduziu o tema negro na poesia em língua espanhola e soube interpretar, à plenitude, o espírito de luta dos seres humanos e sua esperança de conquistar uma sociedade melhor.

Foi um jornalista fecundo e incansável, desde os anos 20 do século passado, por exemplo no jornal El Camagüeyano, esteve a cargo de uma seção, "Pisto Manchego", onde misturava, com sumo gracejo, temas de atualidade nacional ou mundial com o anúncio de produtos comerciais. Nunca abandonou o jornalismo.

Desde sua juventude participou intensamente da vida cultural e política cubana, o que lhe custou o exílio em várias ocasiões. Já em Havana conheceu intelectuais como o espanhol Federico García Lorca (que tinha sido convidado por Fernando Ortiz para fazer conferências) e o grande poeta negro norte-americano Langston Hughes, cuja amizade e influência seriam sumamente importantes para Guillén.

Em 1930, escreveu seu "Motivos de son", que ao ser publicado no Diario de la Marina, lançaram o novel poeta a uma espécie de celebridade polêmica, mas de ampla ressonância popular. E no ano seguinte "Sóngoro cosongo; poemas mulatos", um livro da maior qualidade artística, com uma técnica muito mais perfeita, e de vocação reflexiva sobre a cultura cubana que inclui "Los Motivos". Este é considerado seu verdadeiro primeiro livro, que lhe abre as portas da consagração.

A "Sóngoro cosongo" precede um prólogo do autor: 

"Direi, finalmente, que estes são uns versos mulatos. Participam por acaso dos mesmos elementos que entram na composição étnica de Cuba, onde todos somos uma fruta.

Dói? Não creio. Em todo caso, é preciso dizê-lo ante de que o esqueçamos. A injeção africana nesta terra é tão profunda, e se entrecruzam em nossa bem regada hidrografia social, tantas correntes capilares, que seria trabalho de miniaturista desenredar o hieróglifo".

Para 1934, apresenta um novo livro de poemas "West Indies, Ltd", onde se adverte um crescimento intelectual, orientado para posições cada vez mais críticas sobre o desequilíbrio social e econômico de seu país.

Foi ao México, em 19 de janeiro de 1937, para participar do Congresso da Liga de Escritores e Artistas Revolucionários do México, e ali vinculou-se com artistas como Silvestre Revueltas, Diego Rivera, David Alfaro Sequeiros e outros. É nessa época que publicou um livro de poemas de forte entoação popular, "Cantos para soldados y sones para turistas", com prólogo de Juan Marinello.

Nesse mesmo ano, participa do 2º Congresso Internacional de Escritores para a Defesa da Cultura, em Barcelona, Valença e Madri, em plena guerra civil antifascista. Ali Manuel Altolaguirre lhe edita "España. Poema en cuatro angustias y una esperanza", e se relaciona com o mais destacado da intelectualidade espanhola e internacional: Antonio Machado, Miguel Hernández, Pablo Neruda, Ilya Ehrenburg, Rafael Alberti, César Vallejo, León Felipe, Juan Chabás, Octavio Paz, Tristán Tzara, Anna Seghers e Ernest Hemingway, que conhecera em Cuba.

Seguindo a data de publicação de seus poemas, aprecia-se essa rápida evolução para preocupações políticas e sociais, por exemplo "El son entero" (1947) e "La paloma de vuelo popular" (1958), compromisso com a Ilha e América, ou o próprio "España. Poema en cuatro angustias y una esperanza", escrito sob o impacto da Guerra Civil Espanhola e o assassinato de Federico García Lorca, ou "Elegia a Jesus Menéndez" (1951), em homenagem ao líder cubano, com quem manteve amizade e colaboração.

Ao triunfar a Revolução Cubana, Guillén se encontrava em Buenos Aires e imediatamente regressou a Cuba. Dois anos mais tarde, no 1º Congresso Nacional dos Escritores e Artistas de Cuba, foi eleito presidente da União dos Escritores e Artistas de Cuba (Uneac), onde se manteve até sua morte, em 1985.

Nessas décadas publicou "Tengo" (1964), "Poemas de amor" (1964), "El gran zoo" (1967), "Cuatro canciones para el Che" (1969), "La rueda dentada", "Diario que a diario" (1972), "El corazón con que vivo" (1975), "Por el mar de las Antillas anda un barco de papel" (1978), e "Elegías" (1977).

A propósito de celebrar-se o 110º aniversário de seu natalício, a Fundação Nicolás Guillén organizou um Colóquio no qual foram analisados aspectos sempre interessantes de sua obra e por isso esta publicação teve um breve diálogo, nos jardins da Uneac, com Nicolás Hernández Guillén, presidente dessa instituição.

A obra de Guillén tem muitas facetas, sua poesia negra, amorosa, as elegias. Qual o senhor crê que neste século 21 seria a mais acessível para os jovens?

"Talvez numa primeira leitura, a poesia amorosa. O amor é um sentimento que todo mundo sente nalgum momento e a poesia de Nicolás Guillén é impressionante, com muitos níveis de leitura, e alguns muito simples, que podem chegar a emocionar, impacta o sentimento das pessoas de maneira muito direta. De maneira que eu penso que, talvez, a poesia amorosa de Guillén pode ser uma leitura atraente para os jovens e, mais ainda, ao levar em conta que, durante muitos anos, foi uma zona de sua poesia pouco divulgada, pouco publicada.

"Mas penso que noutro momento, há uma leitura, com a poesia negra, e lhe confesso que o próprio Guillén nunca esteve muito conformado que se falasse de poesia negra, ao referir-se a sua poesia, na qual aborda assuntos relacionados com a presença do negro em Cuba. O que ele estava buscando era uma poesia cubana. Creio que as reflexões que a poesia Guillén faz do que é Cuba, têm uma extraordinária importância e que, numa leitura mais profunda, estou certo que chamará a atenção dos jovens pela sagacidade, profundidade com que captou as essências nacionais deste país. Não se trata, insisto, de poesia negra; Guillén sabia perfeitamente que a linguagem materializa o pensamento, que de alguma maneira, o modo em que alguém se expressa, condiciona e, reciprocamente, o modo em que alguém pensa, condiciona a maneira em que se expressa. Guillén pensava que não era possível uma poesia nitidamente negra, nitidamente africana, se se está expressando no idioma espanhol, e esse mesmo fato significa a presença em sua obra de uma herança, de uma influência, de uma cultura que se expressa nessa língua.

Por outra parte, o que tentava destacar era o caráter mestiço, nem negro num chinês nem índio, porque muitos outros componentes contribuíram à formação desse caráter. Guillén queria que essas duas correntes principais tivessem o mesmo tamanho, e começou a atuar num momento em que a corrente que vem da África era desconhecida, minimizada, subestimada pela cultura dominante e ele rompe lanças em favor do que era justo e necessário nesse momento. Sempre pensou numa poesia cubana, que expressasse a essência da nação".

Quanto ao evento?

"Foi dedicado ao 110º aniversário de seu natalício, refletimos sobre a herança do avô espanhol. Em abril, realizamos um evento no qual nos dedicamos principalmente ao legado do avô africano, porque coincidia este ano com dois acontecimentos relevantes, o bicentenário da Conspiração de Aponte e o centenário do protesto armado e o massacre dos Independentes de Cor, e aproveitamos para advertir sobre a persistência de preconceitos, discriminação e, inclusive, de violência, relacionados com a cor da pele, como é o caso dos EUA, onde há uns meses assassinaram o jovem Trevor Martin.

No encontro de julho tratamos sobre a herança espanhola, a partir da presença de Guillén na Espanha, em 1937, como um fato que ele incluiu entre os cinco acontecimentos que mais influência tiveram em sua vida: a presença dele na Guerra Civil Espanhola. Ali ingressou no Partido Comunista e depois permaneceu na Espanha vários meses e escreveu umas magníficas reportagens e crônicas sobre as lutas do povo espanhol contra o fascismo.

Os estudiosos se referiram a seu grande poema à Espanha, à herança que recebe da grande poesia espanhola do Século de Ouro, e a sua relação com intelectuais espanhóis, com Rafael Alberti, com o próprio Lorca, com Altolaguirre, com Miguel Hernández. Com todos manteve relações que, de um ou de outro modo, marcaram-no e o acompanharam, no caso dos que viveram uma longa vida, sempre, como o caso de Rafael Alberti.

E falamos também sobre a presença em Cuba de um numeroso grupo de intelectuais espanhóis que tiveram que fugir da Espanha, como consequência da vitória do fascismo e permaneceram em Cuba, talvez nem tanto como fosse desejável, porque eram homens bons, com enorme talento, mas por exemplo, numa das disposições de nossa Universidade (de Havana) se impedia a contratação de professores estrangeiros e estes homens não puderam ter um meio de vida, como lhes teria correspondido, de acordo com seus conhecimentos, seu talento. Perderam-se para a academia e foram parar no México, Argentina e outros países. De todas as maneiras, deixaram uma marca aqui, alguns no mundo editorial como é o caso de Manuel Altolaguirre".

Nicolás Guillén é o Poeta Nacional. Relacionada com a primeira pergunta... Considera que os jovens estão aproximando-se de sua obra?

"Penso que pouco a pouco vão aproximando-se. Creio que, depois do desaparecimento da União Soviética e do campo socialista, e como consequência de oscilações do pensamento para a direita, em nível global, Guillén foi um pouco esquecido, não por nós, claro. A Fundação foi constituída em 1991, coincidindo quase com o período especial, e que dúvida nós poderíamos ter da importância do enorme valor da poesia de Guillén para a nação cubana, mas creio que a sociedade cubana refletiu algo do que estava sucedendo mundialmente. Estávamos convictos que era um movimento pendular. Desde faz três edições, durante o Colóquio e o Festival de Música e Poesia, viemos celebrando uma sessão na Universidade de Havana. Neste ano, os assistentes escutaram estupefatos um painel de quatro estudantes, do quarto ano, sobre o "Diario que a diario". Foram brilhantes, originais. Por isso, creio que os estudos sobre Guillén estão garantidos. Não se vai deixar de estudar e apreciar Nicolás Guillén em Cuba, creio que seria de certo modo um suicídio cultural e estou convencido que isso não vai acontecer.

Nada melhor que Salvador Bueno (1917-2006), ensaísta, pesquisador literário e que foi diretor da Academia Cubana da Língua, para sintetizar o valor da obra de Nicolás Guillén: "Toda sua obra criadora está destinada à confirmação de uma autêntica poesia cubana de sentido popular. Afincado em nosso povo, homem do povo, concebeu por especial merecimento de seu trabalho, a produção de uma lírica feita de procedência espanhola e africana. Percebiam seus leitores, desde seus primeiros livros, aquele vibrante colorido, a musicalidade vibrante, o ritmo de fonte africana e os elementos folclóricos. Todos estes traços fundamentais não foram esquecidos, mas integrados arraigadamente em sua posterior poesia social. De tal modo, o poeta de Camagüey chegava a uma essencial poesia que sintetizava nossa nacionalidade..."

Extraído do sítio Granma

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os comentários serão moderados. Não serão mais publicados os de anônimos.