22 de julho de 2012

FERREIRA GULLAR TEM SUA OBRA TRADUZIDA PARA O SUECO E É UM DOS AUTORES COTADOS PARA RECEBER O PRÊMIO NOBEL - Ana Clara Brant

Além da literatura, ele fala sobre artes visuais, política e TV em entrevista.


“Um homem comum; de carne e de memória; de osso e esquecimento” que pratica caminhadas esporádicas no calçadão, vai ao cinema com a namorada, é fã de Woody Allen, dá uma espiada vez ou outra na novela das nove – gênero que chegou a escrever nas décadas de 1970 a 1990 –, e sobretudo, bebe na fonte da poesia e se alimenta de “pão de nuvens”. Considerado o maior poeta vivo do país, o maranhense José de Ribamar Ferreira, ou simplesmente Ferreira Gullar, recebeu a reportagem do Estado de Minas em seu apartamento na Rua Duvivier, em Copacabana, no Rio, onde falou sobre literatura, política, a influência de Drummond em seu trabalho, artes plásticas e sobre a expectativa do Nobel de literatura, prêmio que chegou a ser cotado no ano passado e, agora que sua obra foi traduzida para o sueco, ganha mais força. “Não vou dizer que não gostaria, mas não fico pensando nisso.Se acontecesse, e olha que eu acho uma coisa bastante difícil, para o Brasil seria uma coisa maravilhosa. E para minha cidade, São Luís, imagina o que não seria”, declara o autor do Poema sujo. Com alguns lançamentos previstos para este ano, entre eles livros sobre artes e um infantil, Gullar filosofa sobre a vida e ressalta que nunca planejou nada em seus 81 anos de existência. “As coisas vão acontecendo. É tudo meio no improviso. A vida, assim como a arte, é feita de acaso e necessidade”, acredita. E ainda faz uma revelação: “Levo 10, 12 anos para publicar um livro com 60 poemas. Não publico se não tem qualidade. Não escrevo por escrever. Meu último poema foi escrito em 2010 e nunca mais escrevi nada. E pode ser que nem escreva mais poemas”.

O Brasil celebra os 110 anos do nascimento e 25 de morte de Carlos Drummond de Andrade. Qual a importância que ele teve na sua poesia?

A minha visão era inteiramente outra da poesia, da poesia parnasiana, da poesia do fim do século 19. Então quando descobri a poesia moderna, descobri com certa surpresa e fui ler outros poetas. A partir daí, fui procurar entender do que se tratava, que poesia era essa, que nova maneira de fazer a poesia tinha surgido. Então, mais tarde, voltei a ler Drummond com outra visão e realmente se trata de um poeta excepcional, de grande qualidade e com o qual aprendi muito.

Tem uma crônica que o senhor fala dele. Chegou a conhecê-lo? 

Nunca convivi com o Drummond. Ele era uma pessoa bastante recatada e também não sou bastante folgado para me aproximar das pessoas, não tenho muita facilidade, então encontrei com ele poucas vezes. Nos esbarramos no elevador, nos cumprimentamos. Ele sempre muito tímido, reservado. Não tive essa aproximação maior com o Drummond. Porque não era da natureza dele. Essa coisa de convívio, como era o Vinicius, por exemplo, que acabou se tornando meu amigo, o próprio Murilo Mendes, com quem estive algumas vezes, e que era uma pessoa muito simpática, muito aberta, bem diferente do Drummond. 

Como é a sua relação com Minas, os artistas e escritores mineiros? 

Tive muitos amigos mineiros. O Amílcar de Castro, o Borjalo, o Otto Lara Resende, Hélio Pellegrino, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos. Quando fui trabalhar na Manchete, ela era dirigida pelo Otto Lara, então daí começou minha amizade com ele. E lá trabalhei com o Amílcar e o Borjalo e me tornei amigo deles para vida inteira. Conheço muitas cidades em Minas, mas não sou de fazer muita viagem. 

O senhor percorreu todas as vertentes da poesia. Concretismo, modernismo, cordel, parnasianismo. O que falta fazer?

Não se trata de passar por várias escolas. A minha experiência começou em São Luís, numa época em que todo mundo escrevia como os parnasianos. Ao descobrir a poesia moderna, começa uma aventura minha, como qualquer poeta tem a sua própria aventura. Que se inicia com A luta corporal, em que eu desintegro a linguagem. Não fiz aquilo com o objetivo de fazer vanguarda. O tipo de visão que passei a ter da poesia e da problemática poética me conduziu para aquilo. Acabei destruindo a própria linguagem poética. Então, a partir daquela destruição, nasceu a poesia concreta. Tendo destruído o discurso, o único caminho que sobrava era fazer uma poesia sem discurso. E a poesia concreta é uma poesia sem discurso. É uma justaposição visual das palavras. Ela não tem discurso. Não fui eu que inventei a poesia concreta. A poesia concreta foi resultado das discussões e das buscas do Augusto e do Haroldo de Campos, minha e de outros poetas. Mas a causa foi a destruição do discurso.

Como o senhor avalia a sua obra?


Não escrevi muita poesia. Tenho 60 anos de poesia e a minha obra completa não tem 600 páginas. Não escrevi muita poesia porque o que realmente tem que se fazer é o poema que seja realmente poesia. Escrever por escrever não tem sentido. Levo 10, 12 anos para publicar um livro com 60 poemas. Não publico se não tem qualidade. A minha exigência sempre foi essa. A tal ponto que pode ser que não escreva mais. Publiquei meu último livro em 2010 e não escrevi mais poemas depois disso. E acredito que talvez não vá escrever mais. Jamais vai acontecer que, por não estar conseguindo escrever a boa poesia que sempre procurei escrever, que resolva escrever qualquer coisa só para dizer que eu não parei. Esse rigor eu tenho comigo. E acho que alguns grandes poetas brasileiros não tiveram esse rigor. No final, principalmente, resolveram escrever só para escrever. O próprio Drummond não é o mesmo do começo de carreira. O grande Cabral do começo não é o mesmo do final. Esse tipo de concessão não pretendo fazer. 

A poesia não pode ser aquela coisa produzida. O senhor costuma dizer que ela surge do espanto.

É nisso que se cria a poesia. Nesse meu último livro, o primeiro poema, “Fica o dito pelo não dito”, numa hora digo: “É que só o que não se sabe é poesia”. Porque é o espanto. Não é uma grande revelação. Mas é algo que o tira do equilíbrio e mostra que aquilo é uma coisa que você não sabia e acabou de descobrir. É uma indagação. Costumava contar uma coisa. No dia em que me levantei e um osso da minha perna bateu em outro osso. Isso me deu um nível de realidade tal que me perguntei: Mas sou esse osso também? Sou esse cara que pensa, que sonha, ou sou esse osso? Aí nasce o poema. Não posso fabricar isso. Foi um acidente. Até o nome do poema é esse: “Acidente na sala”. As coisas são assim. Meu filho está descascando uma tangerina e aí vem o cheiro de tangerina. Então aquilo me toca e me faz pensar coisas que nunca tinha pensado antes. São coisas que o põem numa situação inesperada. 

"A vida é uma invenção"

Ferreira Gullar não entende sueco. Mas como acredita que a poesia é intraduzível em sua essência, brinca que gostou da versão de seus poemas para o idioma do país que concede o Nobel de Literatura. Mas o escritor sabe que, além da qualidade literária, trata-se de premiação que sempre carrega elementos políticos e ideológicos. Por isso não desdenha sua indicação, mas prefere chamar a atenção para a literatura brasileira como um todo. Em entrevista ao Estado de Minas, o poeta fala também de artes visuais contemporâneas e até de televisão. E, depois de filosofar sobre o sentido da vida, confessa que se diverte bastante com os filmes de Woody Allen.

Recentemente, foi lançada uma antologia de poemas seus em sueco. O que o senhor acha da tradução de poesia? Acha que ela perde muito o contexto, o sentido? 

Traduzir poesia é muito difícil. É quase intraduzível. Evidentemente, há pessoas que traduzem melhor do que outras, mas é sempre difícil. A rigor, estritamente, é impossível. O sentido está na linguagem. E não é só o sentido conceitual. É o sentido que está entranhado nos fonemas, na origem semântica de cada palavra. Um poema de Rilke não é só o que ele está dito conceitualmente. Ele é a relação fonético-semântica. E isso é intraduzível. O João Cabral é intraduzível. Porque a maneira como ele constrói a poesia dele, é uma poesia contra o fluxo da linguagem, uma poesia contra a espontaneidade de dizer. Então, em consequência disso, ele atrofia o verso, ele cria uma construção muito ligada à sonoridade agressiva; em vez da melodia, é antimelodia. 

O senhor gosta das traduções de seus poemas?

Gosto, sobretudo em sueco, que não entendo. Em russo, sueco, alemão… (risos) 

O senhor vem acumulando importantes prêmios nacionais como o Jabuti, o Machado de Assis, e internacionais, como o Camões, e existe a expectativa de que possa levar o Nobel de literatura. O senhor tem essa ambição?

É claro que não fico pensando nessa coisa de Nobel. Se isso acontecesse, e olha que acho uma coisa bastante difícil, claro que para o Brasil seria maravilhoso. E para minha cidade, São Luís, imagina o que não seria! Esse lado me fascina. A alegria que o prêmio daria para as pessoas. Inclusive, porque a literatura brasileira é injustiçada. A literatura portuguesa já teve, mas o Brasil não tem nenhum.

Esse prêmio é muito político?

É um pouco, porque a língua portuguesa não é muito conhecida, não é muito difundida. Uma das razões certamente é essa. E isso dificulta muito. E a tradução para o sueco. São coisas que dificultam. No último Nobel, as informações que me passaram é de que estava entre os 50 finalistas, e são milhares de selecionáveis. Não vou dizer que não gostaria, mas não fico pensando nisso. Mas seria um benefício para a literatura brasileira. Não tem sentido com tantos escritores, poetas, romancistas de alto nível, que a gente nunca tenha ganho. E o fator político, não digo que seja algo definitivo e determinante, mas existe. O Saramago, por exemplo, que já tinha sido candidato várias vezes, o que definiu sua premiação foi o fato de seu livro O evangelho segundo Jesus Cristo ter sido censurado. Tem um lado também de tomar posição diante de certas questões, como ocorreu com um escritor dissidente russo e com uma autora sul-africana. 

O senhor também dialoga com as artes plásticas. Como o senhor analisa o atual cenário das artes contemporâneas? Já esteve em Inhotim? 
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Imagina se vou em Inhotim. Tenho mais o que fazer. Ninguém vai me convencer de que casais nus no Moma (Museu de Arte Moderna de Nova York) é obra de arte. Isso não tem cabimento, é uma bobagem! Mas por que o Moma faz isso? Porque todo mundo tem medo de não ser moderno. Todo mundo tem medo de ser da retaguarda; todo mundo quer ser de vanguarda. Criou-se uma onda de tal natureza, que as instituições ficam temerosas de se opor àquilo. Ninguém quer repetir os equívocos da crítica que se opôs a Cézanne e aos impressionistas. Mas você não pode chegar a tal ponto de que, como uma vez uma vanguarda não foi entendida, agora você tem que aceitar tudo! Digo que essa arte é a caninha 51. É uma boa ideia. Porque o cara não tem que fazer nada. Só colocar casais nus no Moma. Há muito oportunismo nessa história. Arte muda, não progride. Ela é diferente. A escultura do Amílcar de Castro não é mais evoluída do que a escultura do Brancusi. Ela é diferente.

O senhor sempre esteve ligado às artes mais cultas, mas chegou até a escrever novelas de TV, como Araponga, O fim do mundo, Irmãos Coragem. Sente falta disso? Assiste às novelas?

Quando estava no exílio, meio necessitado de trabalho, e o Dias Gomes, que era uma pessoa muito legal, me chamou para trabalhar com ele na TV Globo, na colaboração de novelas, minissérie, especiais. Na primeira versão do Carga pesada ajudei como roteirista. Mas nunca gostei de fazer novela. Novela é um gênero absurdo, porque toda dramaturgia dura uma hora e meia. Toda peça dura uma hora e meia. Não há dramaturgia para seis meses. Uma coisa que dura seis meses está cheia de enchimento de linguiça e tem um monte de falsas histórias. 

Teve algum momento da sua vida em que o senhor pensou em ser outra coisa sem ser escritor?

Nunca pensei nisso. Não planejo nada. Minha vida é um improviso. Nunca imaginei que fosse ser poeta, ou jornalista, que ia escrever para a TV Globo. As coisas vão acontecendo e aceito ou não de acordo com as minhas necessidades. E com a minha capacidade. Nunca pensei em fazer uma carreira intelectual. Com os livros e os poemas também é assim. Eles acontecem por acaso. Com a Cláudia, minha companheira, também foi assim. Eu a conheci na Feira de Frankfurt, que ia homenagear o Brasil. Se não tivesse ido para a Alemanha, não teria encontrado a Cláudia e a minha vida seria outra. E a dela também. O acaso é muito importante na vida. A vida é acaso e necessidade, assim como na arte. 

Mas a vida tem sentido?

O sentido é inventado. A vida é inventada por nós. E o mundo é uma coisa inexplicável e maravilhosa. Estou escrevendo sobre o bóson (bóson de Higgs ou “partícula de Deus”). Dizem que o universo começou com o big-bang. Então, não havia nada e explodiu. Mas o nada explode? Não pode. Descobri lendo sobre o bóson, que só havia energia. Não é que não havia nada. A energia explodiu. E criou o universo. Mas quem criou a energia? Então, não tem explicação. E depois o universo é infinito, então ele não tem fora, só tem dentro. Mas se tiver fora é ele também. É o dentro sem fora. Tenho um poema com esse nome. “O dentro sem fora”. Parmênides, filósofo pré-socrático, falava assim: ‘O um é um e não é dois’. É isso (risos).

Que tipo de hobby o senhor tem?

Fico lendo, escrevendo, vendo televisão. Vou muito ao cinema com a Cláudia. Um dos nossos principais divertimentos é o cinema que é uma arte realmente incrível. O cinema é a grande arte moderna, a arte tecnológica. O cinema, criou uma linguagem que não existe no romance, na pintura, no teatro. É uma arte mesmo. No começo, nos primeiros filmes, ainda é um arremedo de teatro, mas com o desenvolvimento da linguagem cinematográfica criou-se uma linguagem que é própria do cinema. Que só ele tem. Isso é extraordinário.

Tem algum diretor que o senhor gosta?

Gosto muito do Woody Allen. Adorei o Meia-noite em Paris. Esse de Roma não é tão bom como o outro. É um pouco superficial, um pouco gaiato. Mas, no geral, acho ele um diretor extraordinário. Ele tem um senso de humor, uma ironia, uma autocrítica. É de fato um artista de muito nível.


Extraído do sítio UAI

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