16 de junho de 2012

TSVETAEVA E PASTERNAK: SEPARADOS POR DOIS PAÍSES - Elena Andrusenko

© Foto: ru.wikipedia.org
Um monumento a   Marina Ivánovna Tsvetáyeva (em cirílico Марина Ивaновна Цветaева) (Moscou, 26 de setembro de 1892 - Ielabuga, 31 de agosto de 1941), – foi este o presente que a Rússia ofereceu à França no ano em que se comemoram 120 anos do nascimento da grande poetisa russa. Uma escultura de bronze - obra do eminente escultor Zurab Tsereteli - foi inaugurada solenemente a 16 de junho na cidade balneária de Saint-Gilles-Croix-de-Vie.


A escultura em bronze de cerca de dois metros de altura foi instalada num parque na avenida marginal na cidade de Saint-Gilles-Croix-de-Vie. A poeta passou o verão de 1926 nesta cidade pequena na costa do Oceano Atlântico. A escultura representa Tsvetaeva sentada no banco, segurando uma rosa na mão com vários livros ao lado.

Genial e terrena, imensamente livre na sua obra... O famoso escultor russo Zurab Tsereteli procurou encarnar Tsvetaeva tal qual e a viu na correspondência que manteve com Boris Pasternak, um colega dela. Eles mantiveram o contato por escrito durante os 17 anos que Tsvetaeva passou na emigração, sobretudo, na França. O seu retorno ao país de origem em 1939, no auge de repressões stalinistas, foi para ela fatal: o seu marido foi fuzilado e a filha condenada à prisão em campos de concentração. Incapaz de resistir aos golpes do destino, Tsvetaeva pôs termo à sua própria vida.

Durante a emigração, Tsvetaeva teve que renunciar praticamente à poesia. “A emigração fez-me prosadora,” - dizia. "A propósito, ela escrevia de maneira igualmente talentosa em russo e em francês,” - apontou na entrevista à Voz da Rússia o eminente eslavista francês Jorge Niva.

"Por exemplo, Pushkin, vertido em francês, não impressiona. Não é Pushkin, - diz o investigador. – Mas Tsvetaeva em francês é a mesma Tsvetaeva. Um francês excecional, a mesma energia, a mesma originalidade."

Muitas pessoas achavam que no ambiente de eventos trágicos dos princípios do século XX - a Primeira Guerra Mundial e o nascimento do nazismo - a poesia lírica era um anacronismo. Rainer Maria Rilke, o maior poeta alemão, que tinha então 50 anos, sentia agudamente a crise da poesia e encontrava a consolação no contato epistolar com os seus colegas mais novos – Marina Tsvetaeva e Boris Pasternak. Espalhados por diversos países eles procuravam compreender em conjunto os novos ensejos da arte acima de barreiras. Jorge Niva prossegue:

"Depois deu-se o seu encontro em Paris, aonde Pasternak tinha ido por ordem de Stalin a fim de assistir a um congresso de antifascistas. Ele tentou dar a entender a Tsvetaeva que não devia retornar à Rússia stalinista. Mas a uma pessoa como Tsvetaeva era impossível impor algo. Ela voltou e acabou por se suicidar. Pasternak sobreviveu, teve morte natural na sua própria cama, embora tivesse sofrido as perseguições das autoridades até ao fim de seus dias. Posso dar uma opinião a este respeito, conheci Pasternak e as suas relações com Tsvetaeva. Sei que ele a ajudou muitas vezes, sei que ajudou a filha quando esta estava num campo de concentração, mandava-lhe dinheiro, encomendas postais. Pasternak ajudava muitas pessoas."

Marina Tsvetaeva passou o verão de 1926 na pequena cidade balnear francesa de Saint-Gilles-Croix-de-Vie, no litoral atlântico. É aí que vai ficar o seu monumento. Foi precisamente nesta época que começou a correspondência entre os dois poetas, que inspirou mais tarde o escultor Tsereteli. Ele criou um díptico: Marina Tsvetaeva e Boris Pasternak estão sentados em dois bancos, perto um do outro. Mas a parte da escultura de Pasternak ficou em Moscou, enquanto a parte de Tsvetaeva está em França. Estão separados por uma distância real - da mesma maneira que na época em que escreviam um ao outro. A figura da poetisa embeleza a principal alameda de Saint-Gilles-Croix-de-Vie. A propósito, nesta cidade balnear já viveram muitos russos eminentes – o compositor Serguei Prokofiev, o poeta Konstantin Balmont, e outros. O escultor está pronto a instalar nas proximidades da estátua de Tsvetaeva outros monumentos a personalidades eminentes da cultura russa do século XX, cuja vida esteve ligada à França – Soljenitsin, Vissotski e Brodski.


As outras margens de Marina Tsvetaeva

© Foto: ru.wikipedia.org 
O Caderno Vermelho – é o nome de um livro de originais da poetisa Marina Tsvetaeva, publicado pela editora suiçaa Editions des Syrtes. Se trata de um dos cadernos manuscritos da grande poetisa russa, cujo laboratório poétic” foi durante muitos anos um mistério. O livro foi apresentado ao público em Genebra, a 19 de janeiro.

– É um caderno de capa vermelha, de folhas quadriculadas, como se usava na escola. Marina Tsvetaeva tinha vários destes cadernos. Quase todos já foram publicados, totalmente ou parcialmente. Este agora editado na Suíça é o último, que acompanhou a poetisa nos anos 1920-1930, durante os 17 anos de emigração. Em Praga, Berlim e Paris, Tsvetaeva escreveu os seus poemas, obras em prosa, ensaios sobre escritores clássicos russos e os seus contemporâneos: os poetas Vladimir Mayakovsky e Boris Pasternak. O Caderno Vermelho contém inúmeros textos que viriam a integrar as últimas obras de Tsvetaeva numa altura decisiva do seu destino, antes do seu regresso à URSS em 1939, onde ela já não iria escrever nem poemas nem outros textos. A execução do marido, o exílio da filha… Não tendo resistido a estes golpes do destino, a poetisa acabaria por se suicidar.

O Caderno Vermelho sobreviveu: ficou em Paris.

O último dos seus proprietários foi o conhecido especialista francês em Estudos Eslavos, Georges Nivat, e tal não aconteceu por acaso: para o conhecido professor de diversas universidades europeias, a Rússia e a literatura russa não são apenas um objeto de investigação mas a paixão de toda a sua vida. Ele conheceu pessoalmente Anna Akhmatova, foi amigo de Boris Pasternak, traduziu Aleksandr Soljenitsin.

"O caderno de Marina Tsvetaeva foi-me entregue pelo escritor e publicista Marc Slonim – uma figura importante da literatura russa na emigração", disse Georges Nivat à Voz da Rússia.

– Eu perguntei-lhe para que me estava dando o caderno, qual seria o meu papel e ele respondeu: “Não lhe dou quaisquer instruções, faça como entender. Só acho que ele está melhor consigo do que comigo porque eu posso morrer de repente”.

Para além disso, Marina Tsvetaeva e Marc Slonim tinham tido um caso amoroso, um dos muitos romances amorosos de Marina que, como sabemos, tinha paixões tanto com homens como com mulheres. Estas paixões nunca demoravam muito tempo. Os amantes, regra geral, acabavam por fugir dela. Ela era tão exigente em relação a si e aos outros que tornava a vida quase impossível.

“Mudar de margem e mudar de mundo - é isto que Marina Tsvetaeva, a enamorada, a caçadora, a  'leprosa', permanentemente faz, mudando de margem e escolhendo sempre a porta mais sinistra” – escreveu Georges Nivat no prefácio do Caderno Vermelho. Os heróis preferidos de Marina são Janna d'Ark e Orlionok, como chamavam ao filho do deposto Napoleão, ou seja, as suas simpatias estão sempre do lado dos excluídos e o Caderno Vermelho mostra precisamente isso.

– Será que deveríamos ter publicado estes rascunhos manuscritos de conhecidos textos? Sim, deveríamos se queremos entrar na forja e ver o ferro fundido no fogo.

Em todo o caso, esta edição não mostra faces escondidas da poetisa ou quaisquer pormenores íntimos, diz Georges Nivat. Estão lá rascunhos de cartas que não chegaram a ser enviadas, não se sabe a quem. Aliás, a poetisa encarava as cartas como encarava os artigos, alterando-as constantemente. Não se conhecem os destinatários destas cartas ou talvez fossem destinatários imaginados, não sabemos. O principal é que vemos como Marina Tsvetaeva trabalhava: acumulando palavras, experimentando várias opções. Ela juntava as palavras como moedas, juntava as variantes à volta de uma palavra – em russo e em francês. Isto nos dá a possibilidade de espreitar para a sua oficina verbal. Por isso, esta publicação é, como direi, uma publicação estética. Nós vemos a sua letra, a sua maneira de escrever, a sua maneira de encher a página. É um livro bonito.

"A edição é uma reprodução em facsimile do original, complementada por transcrições impressas, mostrando na totalidade como a poetisa escrevia os seus cadernos: de um lado em russo, do outro, em francês. “Desta forma, o manuscrito permite compreender a 'margem francesa' do caudal poético de Marina Tsvetaeva”, afirma Georges Nivat.

– Este é um dos raros exemplos em que as duas margens” estão muito próximas. Por exemplo, foram editados os textos em francês dos poetas russos do século XIX, incluindo Aleksandr Puchkin. Puchkin em francês não nos impressiona muito. Agora Tsvetaeva é Tsvetaeva. Ela escreve num francês dorido e angustiado, tal como é dorido e angustiado o seu russo. Às vezes, os seus textos em francês soam de forma espantosamente nova, com a mesma energia, a mesma originalidade.

A seguir à edição suiça, o livro deverá ser editado na Rússia, espera Georges Nivat. Para isso, diz ele, já está tudo pronto.


Extraído do sítio Voz da Rússia

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