2 de junho de 2012

"GETÚLIO É O PERSONAGEM MAIS IMPORTANTE DO BRASIL EM TODOS OS TEMPOS" - Fernando de Oliveira

Logo depois de entregar à Companhia das Letras os originais do livro Padre Cícero, no fim de junho de 2009, o jornalista cearense Lira Neto se debruçou – com o aval de seu editor, Luiz Schwarcz – sobre o projeto mais ambicioso de sua carreira como biógrafo: conceber uma trilogia sobre a vida do ex-presidente Getúlio Dornelles Vargas.

Decorridos quase três anos, o primeiro volume, Getúlio – Dos Anos de Formação à Conquista do Poder (Companhia das Letras), acaba de chegar às livrarias. Nele, Lira narra, com maestria, a trajetória do biografado de 1882, quando nasceu em São Borja, a 1930, quando assume o poder.

O segundo volume, previsto para ser lançado em 2013, abordará o período entre 1930 e 1945, que cobre a Era Vargas. E o terceiro, a ser publicado em 2014, compreenderá o exílio de Getúlio em São Borja e a volta à presidência pelo voto popular, até o suicídio em agosto de 1954.

Para falar sobre essa obra monumental, Lira Neto, prestes a completar 49 anos, conversou com o repórter do Diário no café do Master Grande Hotel, em Porto Alegre, na segunda-feira. Eis os principais trechos de nossa prosa.

Lira Neto (esquerda), durante a entrevista
Diário Regional – O que mais lhe atraiu na vida de Getúlio Vargas?

Lira Neto - Eu acho que desde o meu primeiro livro, Castello: A Marcha Para a Ditadura (2004), o Getúlio vinha me rodeando. Em 2012, eu faço 49 anos, então já estava na hora de eu trazer Getúlio para o centro da cena com essa trilogia, que vai me tomar seis anos de trabalho.

DR – E como é estar envolvido num projeto dessa dimensão?

Neto - É um trabalho que exige dedicação exclusiva. Hoje eu acordo e durmo com Getúlio. Então minha vida hoje é dedicada a buscar fazem um retrato fiel de Getúlio, que é o personagem mais importante do Brasil em todos os tempos.

DR – Getúlio Vargas era acusado por seus detratores, sobretudo Carlos Lacerda, de participação em dois assassinatos: de um estudante paulista e de um índio. No livro, você prova que nos dois casos ele era inocente. Considera essa uma das principais desmistificações que faz em torno de Getúlio no primeiro volume?

Neto - No caso do assassinato do estudante paulista, em Ouro Preto, os conjuntos dos autos desse processo permaneciam ainda inexplorados. Estive na cidade e localizei a íntegra do processo. E através da leitura desses autos, fica claro que Getúlio não teve nenhuma participação no crime. Já o nebuloso caso do assassinato do índio, em 1920, também fica definitivamente esclarecido. Aqui no Rio Grande localizei os autos desse segundo caso e descobri que o assassino era um homônimo (Getúlio Dornelles de Vargas).

DR – Você fez pesquisas em países como Estados Unidos e Inglaterra. De que maneira Getúlio é visto lá fora?

Neto - Minha pesquisa no exterior tinha como intenção ver como os governos desses países viam a ascensão de Getúlio ao poder. E o que fica bastante claro é que o Getúlio chega num momento em que a Inglaterra deixa de ser o grande capitão da economia mundial e os Estados Unidos começa a fazer um movimento pela hegemonia mundial. O Brasil era um país estratégico para esses países…

No segundo volume, tem uma série de documentos que mostram como Hitler e Mussollini cogitavam a hipótese de atrair Getúlio e o Brasil para o seu eixo. E aí, confrontando esses documentos com os documentos do governo norte-americano, você percebe toda a articulação política que fez com que o Brasil ao invés de ir para um lado foi para o outro.

DR – Como situar o pensamento e o modo de governar de Getúlio na atual política nacional?

Neto - O Getúlio ainda é motivo de controvérsia porque o seu legado para a história política, econômica e social do Brasil foi tão relevante que até hoje existem os getulistas ferrenhos e os antigetulistas radicais. Isso mostra a profunda atualidade desse homem.

Quando Fernando Henrique assumiu à presidência, ele disse no discurso de posse que estava na hora de “virar a página da Era Vargas”. Aí vem o presidente Lula e oficializa Getúlio como herói da pátria. Ou seja, até hoje Getúlio provoca discussões. Portanto, ele está mais vivo do que nunca.


DR – Nesse sentido, a ascensão do Brasil no cenário internacional é fruto do trabalho de Getúlio?

Neto - A história brasileira é um processo. Getúlio estabeleceu um processo que iria ser aprofundado e questionado nas décadas seguintes. Toda a questão do trabalhismo tem início na Era Vargas, porém não podemos esquecer que o trabalhismo varguista não pode ser entendido como uma concessão do poder às classes trabalhadoras. Isso significaria anular todo o esforço de arregimentação anterior dos trabalhadores. Eu não tenho a mínima dúvida de que Fernando Henrique e Lula serão referidos, daqui algumas décadas, como uma coisa só. Ninguém pode se arvorar como alguém que mudou a história do Brasil para sempre.

DR – Diria que Getúlio foi o mais emblemático presidente da história do Brasil?

Neto - Não só pelo fato de Getúlio ter sido o homem que passou mais tempo à frente do poder republicano, mas pelas transformações que ele possibilitou. O Brasil antes de Getúlio era um grande latifúndio e as modificações propostas pelo getulismo conduziram o País para a emergência de uma sociedade urbana.

DR – Isso atenta para o fato de que Getúlio, apesar de ser um homem surgido no meio rural, não contemplou o campo.

Neto - Sua preocupação com o movimento sindical e os trabalhadores fez com que o campo se tornasse uma lacuna deixada pelo getulismo. Getúlio produz as transformações que vão tornar o Brasil agrário no Brasil urbano. Essas contradições são apaixonantes no personagem.

DR – Por que a biografia ainda é um gênero pouco explorado no Brasil?

Neto - Dos anos 80 para cá começaram a surgir grandes biografias modernas no Brasil. Nesse processo de modernização do gênero no País, dois nomes se destacam: Fernando Morais (Chatô) e Ruy Castro (O Anjo Pornográfico). Em razão da contribuição deles, esse gênero hoje transita, inclusive, no ambiente acadêmico, em que era visto com certo preconceito antes.

DR – Três das seis biografias cerzidas por você trazem a palavra “Poder” no título. Você também já enfatizou que “o poder é meu objeto de interesse essencial”. Qual a razão do fascínio pelo tema?

Neto - O poder é meu único personagem. Na verdade, eu tenho me dedicado a biografar o poder nas suas mais diversas manifestações. Então, como o poder sempre foi meu foco central, eu não poderia deixar de biografar Getúlio, que foi o homem que encarnou o poder de forma tão longeva e tão decisiva para a história brasileira.

DR – Qual é o papel do biógrafo?

Neto - É tentar oferecer ao leitor contemporâneo uma compreensão sobre o passado histórico. Os biógrafos de hoje estão contando a história do Brasil de uma forma muito vigorosa e sedutora. Então, o biógrafo tem essa dupla obrigação: ter um profundo rigor na apuração da pesquisa e aliar a esse rigor uma narrativa fluente.

DR – Como está a pesquisa para os dois próximos volumes de Getúlio?

Neto - A pesquisa é um processo. No primeiro um ano e meio, fiz uma espécie de revisão bibliográfica do que já se escreveu sobre Getúlio. Ao mesmo tempo, fiz um esqueleto dos três livros. Hoje estou produzindo simultaneamente o segundo e o terceiro volume.

DR – Você já vendeu os direitos de Getúlio para cinema e TV à produtora RT Features. Como imagina a trilogia Getúlio adaptada para esses suportes?

Neto - Eu não imagino! Também vendi os direitos de Padre Cícero para a mesma produtora, mas prefiro não interferir.


Extraído do sítio Sul21

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