4 de junho de 2012

JOHN LENNON E YOKO ONO: TUDO PODERIA SER DIFERENTE - Marcos Aurélio Ruy

Sai em livro entrevista do jornalista David Sheff com o casal mais famoso do rock. Mal poderia imaginar que seria a última entrevista do ex-beatle.

Fidel Castro inaugura a estátua de Lennon em Havana, Cuba, em 2.000
Quando me deparei com o livro A última entrevista do casal John Lennon e Yoko Ono, não acreditei que o livro pudesse estar tão facilmente à minha disposição. Mas estava e foi atração à primeira vista. Aí se pôs o segundo dilema: compartilhar ou não essa leitura? 

David Sheff dá uma lição de jornalismo, de como deve proceder um bom repórter, mesmo tendo, à época, apenas 24 anos de idade. Mostra no livro o caminho percorrido até conseguir chegar ao edifício Dakota onde morava o casal e passar com eles vários dias e aprofundar a entrevista para mostrar o momento que viviam em 1980, depois de Lennon passar cinco anos longe dos holofotes cuidando do filho Sean. E ensina também que numa entrevista o importante é a palavra do entrevistado.

Logo na apresentação do livro, Sheff denota a importância que essa entrevista adquiriu ao afirmar que “é fácil se tornar pessimista quando um herói como Lennon é assassinado. Mas, em 1980, John e Yoko diziam, e Yoko continuava dizendo em 2000, que existe uma outra forma de ver a vida”. Segundo o jornalista norte-americano a maior lição do casal nesta entrevista é a máxima: “faça pelos outros sempre o que puder. Embora seja fácil viver de olhos fechados, devemos lutar contra esse impulso. Se não gostamos do que vemos, precisamos mudar. Pelo menos tentar. Celebrar a vida. Imaginar um mundo melhor. Isso é tudo o que eles dizem”.

Lennon e Yoko dão uma lição de vida quando escancaram seus pensamentos e abordagens para que isso sirva como uma forma de ajudar as pessoas a entender melhor a vida.

Ao deixar o fenômeno Beatles e partir para carreira solo, Lennon mostra sua coerência em favor de sua arte, abrindo mão de milhões de dólares que certamente viriam se o grupo continuasse. Chegou um momento para o ídolo em que “era mais importante olhar para nós mesmo e encarar a realidade do que continuar uma vida de rock ‘n’ roll ligada ao show business, subindo e descendo ao sabor dos ventos, tanto do próprio desempenho quanto da opinião do público sobre nós”. Lennon diz que saiu da banda por sentir-se preso a um proposta que não lhe cabia mais. “A ideia de ser um músico de rock ‘n’ roll de certa forma se adequava a meus talentos e mentalidade, e a liberdade era maravilhosa. Então, percebi que não era livre. estava encaixotado”, disse. Para ele, “toda a ideia dos Beatles, é que você deve fazer o que quer”, a proposta de “faça o que bem entender desde que não machuque ninguém”. Por isso conclui “essa é a viagem artística... Por isso mesmo você segue em frente, sempre tentando fazer com que a próxima seja melhor”. 

Com muita clareza, Lennon define toda sua vida e expõe a vontade de viver longos anos ainda para produzir muito mais. Critica ferozmente o capitalismo e se define como um “socialista por instinto”, colocando-se ao lado dos trabalhadores e da vida. “Talvez, dentro de alguns anos, estaremos sentados sem nos mexer outra vez, Porque eu presumo que a vida seja longa”, diz o artista, para quem “a semente foi plantada nos anos 1960, mas as verdadeiras mudanças demoram a acontecer”. Por isso, reafirma: “a guerra acabou, os anos 1960 terminaram, os Beatles também, e é tudo a mesma coisa”.

A estátua de Lennon, em Havana (Cuba)

A luta pela paz e por um mundo melhor é tão intrínseca à obra de Lennon que ele, em toda sua carreira, enfrentou inúmeras controvérsias. E amealhou milhões de fãs, do Tibete ao Brasil, do Vietnã aos Estados Unidos, do Japão a Cuba, pessoas de todos os credos e cores amavam os Beatles e acreditavam (e continuam acreditando) nas palavras mágicas de John Lennon.

Nos idos dos anos 1960, minha professora do antigo primário, dona Elvira, dizia que os Beatles eram sujos, cabeludos, vagabundos. Na inocência de meus oito anos, acreditava nela. Mas a cultura é fundamental na vida e a música dos Beatles era a bandeira de uma juventude ávida de liberdade e por isso ela continua atual. Eles universalizaram o rock e transformaram a música no mundo com sua irreverência, e conteúdos ligados à vontade de superação de uma vida contida. John Lennon, com os Beatles e depois na carreira solo lutou pela paz, contra o racismo, pelos dos trabalhadores, como fez na música I'm the greatest (Eu sou o maioral), inspirada na frase do boxeador Muhammad Ali, como um brado de sou negro e sou lindo, e igual a vocês brancos. Por tudo isso, Beatles e Lennon fazem parte da história da cultura do mundo com trajetória ímpar. Portanto, dona Elvira, fico feliz em dizer: a senhora estava completamente errada.

No transcorrer da entrevista, Lennon mostra uma gana e vontade de viver e produzir mais obras de modo incrivelmente lúcido, dando maior carga emocional à entrevista. Numa de suas respostas ele se mostra perplexo com a violência que assola o mundo. Ele mesmo confessa-se violento, principalmente com as mulheres e precisava de uma parada para refletir sobre tudo o que tinha feito.

Uma de suas respostas diz tudo. “Mahatma Gandhi e Martin Luther King são grandes exemplos de fantásticas personalidades não violentas que morreram de forma violenta. Não consigo entender isso. Somos pacifistas, mas não sei o que significa ser tão pacifista a ponto de levar um tiro. Jamais conseguirei entender uma coisa dessas”, disse. 

Sheff conta que Yoko lhe telefonou no dia 7 de dezembro para dizer que o casal tinha ficado muito satisfeito com a entrevista, “que chegara às bancas no dia anterior”. No dia 8 de dezembro John Lennon morreu alvejado por quatro tiros. Realmente não dá para entender. Talvez tudo pudesse ser diferente se todos dessem uma “chance à paz”, como apregoou o maior ídolo pop do século 20.

Livro: David Sheff, A última entrevista do casal John Lennon e Yoko Ono. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2012

Imagine (Lennon, 1970)

Extraído do sítio Portal Vermelho

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