9 de junho de 2013

NOBEL DE LITERATURA EM 2012, MO YAN REGISTRA O FIM DA ERA MAOISTA - Alcino Leite Neto

Uma acirrada polêmica envolveu a escolha do escritor chinês Mo Yan para o Nobel de Literatura em 2012. Os principais ataques vieram de seus próprios conterrâneos, como Ai Weiwei e Liao Yiwu, que o acusaram de estar a serviço do governo chinês e de condescendência com as diretrizes autoritárias do Partido Comunista.

Fora da China, continuaram as denúncias, e até mesmo o escritor Salman Rushdie condenou Mo Yan por apoiar a censura e não assinar uma carta aberta pedindo a libertação do escritor Liu Xiaobo (Nobel da Paz em 2010), preso desde 2008.

Entre seus raros defensores, surgiu o ótimo escritor alemão Martin Walser, que declarou à revista "Der Spiegel": "Se alguém deseja falar sobre a China hoje, primeiro precisa ler os romances de Mo Yan, que, para mim, alcança o nível de Faulkner".

Escritor chinês Mo Yan (esq.) que enaltece em livro o líder Mao Tsé-tung (1893-1976), retratado na estátua.  Associated Press/AFP 

O leitor brasileiro, no entanto, terá de aguardar um pouco mais até que cheguem às livrarias, no próximo ano, alguns dos principais romances "faulknerianos" de Mo Yan, como "Sorgo Vermelho", fonte do celebrado filme de Zhang Yimou.

Enquanto isso, pode se regalar com uma impecável narrativa, em parte autobiográfica, que a Cosac Naify publica neste mês: "Mudança".

O livro nasceu de uma encomenda da coleção "What Was Communism", dirigida por Tariq Ali, escritor e intelectual de esquerda. O foco de Mo Yan, portanto, é o passado comunista da China e a transformação ali ocorrida ao final da era maoista, época de sua infância e juventude.

"Nem em sonho imaginávamos que o presidente Mao morreria um dia, mas acontecera. Acreditamos, naquele momento, que a morte dele seria o fim da China. Dois anos mais tarde, o país não apenas sobrevivera como melhorava a cada dia", diz o narrador.

Para contar essa inesperada e gigantesca mudança, Mo Yan dispensa, porém, toda ênfase e dramaticidade, construindo seu livro num registro despretensioso e irônico, com situações triviais e personagens comuns, entre os quais ele se inclui, chegando a tratar como "imerecida" a sua reputação de escritor.

Nos novos tempos da China não há lugar para ideais nem heroísmos: o pragmatismo impera, e os antigos colegas de escola rural do narrador tentam se virar como podem, enquanto negócios privados brotam "como bambu após chuva de primavera".

Uns se arranjam nas fábricas, outros na livre iniciativa e há os que ainda se escoram no exército ou no partido, esvaziados da ambição revolucionária, como o escritor, que faz de tudo para escapar da "última camada da sociedade", sentenciando: "Se falta dinheiro, então não se pode nada".

O controverso Mo Yan acompanha os seus anti-heróis com interesse e generosidade, como costumam fazer os grandes escritores. Não está interessado em julgá-los, mas em cumprir esta função propriamente literária, que é observar e descrever a vida no mesmo plano em que ela se manifesta, como fruto do acaso "que ata as pontas do destino".

E faz isso sem perder de vista o conjunto da vida social, deixando emergir, nas entrelinhas das histórias miúdas, o discreto mas vigoroso relato do ocaso de uma utopia.

MUDANÇA. Mo Yan. Tradução: Amilton Reis. Editora Cosac Naify. R$ 30 (122 páginas).

Extraído do sítio Folha de S. Paulo

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