17 de junho de 2013

MARCELA SERRANO: " A DESIGUALDADE É MAIOR PECADO CHILENO" - Núbia Silveira


Terra de poetas e ganhadores do Prêmio Nobel (Pablo Neruda e Gabriela Mistral), o Chile contemporâneo lega ao mundo duas grandes narradoras: Isabel Allende e Marcela Serrano. A trajetória de vida e a literária de uma não tem muito a ver com a da outra, a não ser pelo fato de terem ido para o exílio durante a ditadura Pinochet, e feito grande sucesso ao lançarem seus primeiros livros. Casa dos Espíritos, de Isabel Allende, foi traduzido para 30 idiomas e virou filme. O premiado Nós que nos amávamos tanto, de Marcela Serrano, é encontrado em 36 línguas.

As semelhanças acabam por aí. O universo ficcional de Marcela passa longe do de Isabel, que por muito tempo integrou o grupo do realismo fantástico. Marcela Serrano foca sua obra nas mulheres. Fala sobre o mundo sob a ótica feminina, com grande criatividade. As histórias, situações e mensagens nunca se repetem. Há sempre novidade. Depois de publicar Dez Mulheres em 2011, ela acaba de lançar pela Alfaguara espanhola Dulce enemiga mía, que já se encontra entre os mais vendidos na Espanha. Para lê-lo, os leitores brasileiros de Marcela Serrano precisam esperar 14 semanas, o tempo mínimo em que livrarias como a Cultura entregam o exemplar em espanhol sob encomenda.

Nascida em 1951, em Santiago, filha de um escritor (Horácio Serrano) e de uma ensaísta (Elisa Pérez Walker), quarta de cinco irmãs, Marcela cursou Belas Artes. Recebeu o principal prêmio do Museu de Belas Artes do Chile com um trabalho sobre as mulheres, que estão em extinção na Patagônia chilena. Ao chegar em casa, colocou o prêmio sobre uma mesa, dizendo-se: “Até aqui cheguei. E nunca mais (voltarei a fazer isso). Acabou-se”. Aos 38 anos, passou a dedicar-se à literatura, depois de ter vivido exilada na Itália, onde passou frio e fome. O Chile, afirma, atualmente vive uma democracia plena. E lamenta: seu único pecado é a desigualdade.

Sua irmã Margarita Serrano, que a entrevistou em 1999, lembrou que Marcela, quando jovem, não era uma intelectual. Sim, concordou, não era. Mas, recordou que todas viviam num ambiente intelectual: “Tínhamos pais escritores, inteligentes, inquietos e, portanto, tínhamos grandes estímulos. Se eles viam o filmeHiroshima mon amour, nós éramos obrigadas a nos inteirar sobre ele e falar sobre o tema à mesa durante um mês. Lembre-se que levavam livros para, obrigatoriamente, lermos no campo e que cada viagem deles à Grécia, à China ou ao Congo eram comentadas conosco”.

À sua irmã, Marcela revelou também como via seu papel na família . “Suponho que era o de boba”, disse aos risos. “Não por ser boba, mas por ser rebelde. Fui a única a ser expulsa do colégio, enquanto vocês eram premiadas”. Lembrou também que enquanto suas irmãs “eram muito sérias”, ela “se divertia, se divertia e se divertia”. Além do mais, ao contrário das irmãs, deixou de ser católica. Apesar das diferenças, elas nunca brigaram, porque, segundo Marcela, exercitaram a tolerância. “Hoje” – disse ela a Margarita – “já não me sinto diferente de vocês, mas na adolescencia, sim. Sentia-me julgada, mas sabia que não deixaria de ser o que era”. Casada pela segunda vez, tem duas filhas – Elisa e Margarita – e vive em Santiago.

Sua obra já foi objeto de estudos e ao colocar o nome Marcela Serrano no Google surgem, em menos de 30 segundos, mais de 4,5 milhões de resultados. O sucesso, no entanto, ainda não lhe garante exposição nas livrarias brasileiras. Ao contrário dos livros de Isabel Allende, sempre colocados em primeiro plano, os de Marcela precisam ser garimpados nas estantes atulhadas de velhos e novos lançamentos.

Ao ser consultada sobre a possibilidade de dar uma entrevista ao Sul21, Marcela foi rápida na resposta positiva, com apenas uma exigência: a de que as perguntas lhe fossem enviadas em espanhol – ou, pelo menos em portunhol. Deu-se um prazo para respondê-las por e-mail e a escritora o cumpriu fielmente.

Sul21 – Seu endereço eletrônico não traz seu nome. É “a casa do gato”? Por que isso? Fiquei curiosa.

Marcela Serrano – Os únicos habitantes permanentes da minha casa somos meu gato e eu. Meu marido vive no andar de baixo e minha filha entra e sai do país. Portanto, esta é sua casa, a casa do gato.

Sul 21 – A senhora começou a escrever perto dos 40 anos. Ser filha de um escritor e de uma ensaísta foi determinante para esse começo tardio?

Marcela Serrano – A verdade é que comecei a escrever já na infância. Mas decidi escrever “seriamente” aos 38 anos. Talvez tenha tardado, porque, como todos escreviam na minha casa, para mim, escrever não tinha nada de novidade ou de marcante. Lembro, também, que durante os anos 1980 vivíamos em uma ditadura, sob censura, e era impensável publicar. Quando houve a redemocratização, senti que já podia escrever. Além do mais, já havia tido os maridos e os filhos que deveria ter e respirava uma certa estabilidade.


Sul21 – Muitos críticos dizem que a senhora escreve para mulheres. Algo que a senhora classifica de sexismo. A verdade, porém, é que em seus livros só se escuta a voz das mulheres e, em raras ocasiões, como em “O Albergue das Mulheres Tristes”, um homem expressa seus sentimentos. Qual a diferença entre o mundo masculino e o feminino?

Marcela Serrano – A diferença é tão grande que precisei de nove novelas para explicá-la. E como a história da literatura está tomada por vozes masculinas, não vejo onde está o pecado de eu não fazer o mesmo.

Sul21 – Em “O Albergue das Mulheres Tristes” e em “Dez Mulheres”, as histórias das protagonistas são costuradas por uma psiquiatra. Para a senhora, a terapia é a melhor maneira de resolver nossas inquietudes, dúvidas e sofrimentos? Ou a amizade que une as protagonistas de “Nós que nos amávamos tanto” é o melhor remédio?

Marcela Serrano – Estou convencida dos benefícios da terapia. Ainda que a amizade entre mulheres ajude muito, a terapia é insubstituível. Os seres humanos carecem das ferramentas necessárias para uma verdadeira introspecção e só se troca realmente de conduta se tivermos mergulhado profundamente em nosso interior. Além do mais, acredito nas palavras, nas modificações que podem surgir ao se verbalizar o que se sente.

Sul21 – C.L. Ávila, personagem de “Nossa Senhora da Solidão”, abandona tudo para viver uma outra vida. Alguma vez a senhora pensou em abandonar o seu mundo e viver isolada? Onde a senhora gostaria de viver isolada?

Marcela Serrano – Muitas vezes pensei nisso e, por isso, tive que escrever essa novela. Viveria isolada em alguns desses povoados de frente para o mar que existem no Uruguai, próximo a Montevidéu.

Sul21 – Em determinado momento, a personagem Carmen Ávila escreve: todos pensam que os livros de ficção refletem a realidade do(a) autor(a). Seus sentimentos e experiências estão em sua obra?

Marcela Serrano – Uma novela não precisa ser autobiográfica para que expresse os sentimentos do(a) autor(a). Escreve-se sobre o que se percebe, o que se observa e, finalmente, sobre o que se sente. Não tenho dúvidas que, ao escrever, se deixa transparecer muito do que somos. Por isso, estamos sempre tão expostos.


Sul21 – México e Chile são dois países muito presentes em sua obra. Para escrever “Lo que está en mi corazón”, a senhora viveu por um período em Chipas, no México, onde surgiu o Movimento Zapatista, um dos temas do livro. Para escrever seus livros, a senhora, em geral, faz pesquisas, tratando de compreender melhor os lugares onde vivem seus personagens? Ou “Lo que está en mi corazón” foi um caso especial?

Marcela Serrano – Não. Aquela não foi a única novela que me levou a lugares onde ela se passa. Para escrever Antigua vida mía, vivi na cidade de Antigua, na Guatemala. E também em Oaxaca ao escrever Nossa Senhora da Solidão. Acredito que só se pode escrever sobre o que se conhece. No livro que estou publicando agora – Mi dulce enemiga –, todos os relatos se passam em lugares onde estive e não os uso meramente como cenários, mas como lugares em que as imagens me inspiraram algo.

Sul21 – A senhora viveu exilada na Itália e, em sua obra, a senhora se refere, em vários momentos, à ditadura chilena. Diria que hoje o Chile vive uma democracia plena, a qual serve de exemplo aos países latinoamericanos?

Marcela Serrano – Certamente vivemos em uma democracia plena. E, por Deus, muito nos custou chegar a ela. Nosso problema é a desigualdade. Esse é o grande pecado chileno. Nesse sentido, não somos exemplo para ninguém.

Sul21 – Nos seus livros, a senhora costuma citar outros escritores e filmes chilenos e estrangeiros. Por mais de uma vez, a senhora citou o movimento NO, que derrotou a ditadura Pinochet. A senhora viu o filme “NO”, de Pablo Larraín, com Gael García Bernal? Qual a sua avaliação sobre ele?

Marcela Serrano – Claro que vi o filme e me emocionou o fato de ele disputar o Oscar. Gostei muito. A época está muito bem recriada. Minha única observação para Larraín: parece – sob seu ponto de vista – que ganhamos o plebiscito contra Pinochet graças à publicidade. E é evidente que não foi assim. A classe política de então não era integrada pelos tontos que aparecem no filme. Foi um movimento político espetacular, valente, criativo e muito generoso na hora de fazer alianças.

Sul21 – “La Llorona” trata do tráfico de bebês. A senhora acredita que ajudou a tornar o problema mais conhecido e a conscientizar os governos sobre a necessidade de medidas mais fortes contra esse crime?

Marcela Serrano – Oxalá! Mas não tenho conhecimento disso.


Sul21 – A senhora acaba de publicar “Mi dulce enemiga”, pela Alfaguara espanhola. Quando teremos o livro em português? Poderia fazer um resumo para seus leitores brasileiros?

Marcela Serrano – Já assinei contrato com uma editora brasileira. Portanto, suponho que o livro logo será lançado aí. São vinte relatos. É a primeira vez que publico um livro só de relatos. É um gênero novo para mim e o desfrutei muito. Há mulheres, homens, cachorros, gatos. Mas, quase sempre, a voz central é a feminina.

Sul21 – A escritora mexicana Ángeles Mastretta disse que quanto menor é a história mais universal ela se torna. A senhora pensa o mesmo? Por isso suas novelas são pequenas?

Marcela Serrano – Minhas quatro primeiras novelas foram grandes. Um dia as vi todas juntas e me disse: nunca mais. Me cansei só de vê-las. Hoje aspiro à síntese. Minha maior ambição seria escrever uma dessas novelas muito curtinhas como as de Baricco (Alessandro Baricco, autor italiano), por exemplo, que não passam das 100 páginas. Por essa razão, os relatos curtos de Mi dulce enemiga me deixaram feliz.

Sul21 – A senhora já está preparando um novo livro? Pode dizer o que prepara e para quando?

Marcela Serrana – Este mês publiquei meu último livro e, por isso, estou exausta neste momento. Devo me dar uma pausa. Mas a minha mente não obedece muito às minhas racionalidades e já está, lentamente, gestando uma nova novela. Veremos se chega a se concretizar.

Extraído do sítio Sul21

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