25 de junho de 2013

A COSTURA DA MEMÓRIA - Xandra Stefanel

No momento em que a Comissão da Verdade completa um ano, o Arquivo Nacional lança três livros que tratam do período da ditadura.

Em um dos livros, conta-se a história de José Xavier Cortez, que, expulso da Marinha por ter participado da rebelião, mudou-se para São Paulo e começou a trabalhar e morar em um estacionamento perto da PUC. De lavador de carros a estudante bolsista naquela universidade, foi uma questão de tempo. Anos mais tarde, Cortez lançaria uma editora que leva seu sobrenome

“Só a memória costura tudo.” A frase, de Caio Fernando Abreu, nos desperta para a dimensão da memória. Esta nos dá sentido, enquanto indivíduos e enquanto grupo. Costura o que fomos, o que somos, o espaço e o tempo em que vivemos. Através dela nos reconhecemos, nos reinventamos; é a referência que nos permite enxergar e interpretar o que nos rodeia. Enquanto elemento significativo da teia social, a memória é também espaço de conflitos: desperta divergências, paixões, controvérsias, sentimentos e ressentimentos. Traz à tona lembranças, desencobre dores, expõe o que muitos prefeririam deixar na escuridão... É matéria-prima para pensar a história – a nossa e a do mundo.

O período acima abre um dos capítulos do livro O Terror Renegado, de Alessandra Gasparotto, e sintetiza o intuito de outras duas obras também lançadas pelo Prêmio de Pesquisa Memórias Reveladas, do Arquivo Nacional. O projeto é um concurso bianual de monografias que publica trabalhos com base em fontes documentais referentes ao regime autoritário no Brasil. A memória que os três livros trazem à luz são fatos de um período sombrio que ainda tem muito a ser revelado, como mostram os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, que completou um ano em 16 de maio.

O que aconteceu com militantes que foram forçados, por meio de tortura física e psicológica, a se retratar publicamente, renegando convicções políticas? Ou ainda: qual era a função, os desdobramentos e a macabra metodologia dos interrogatórios preliminares feitos nos porões do regime? E quanto à esquecida atuação dos marinheiros contrários a ditadura e, depois, pela anistia? São essas as memórias reveladas em O Terror Renegado e também em No Centro da Engrenagem, de Mariana Joffily, e Todo o Leme a Bombordo, de Anderson da Silva Almeida.

Os “arrependimentos” de que trata Alessandra Gasparotto não podem ser considerados pelo sentido que a palavra tem no dicionário, já que não foi espontaneamente que a maioria dos cerca de 30 militantes apresentaram seus depoimentos que renegavam seus ideais e exaltavam o regime. Ao contrário. As retratações apresentadas em gravações, entrevistas e em cartas foram, em geral, conseguidas por meio de tortura.

“A história e a memória desses ‘arrependidos’ nos remetem a questões centrais da história brasileira contemporânea, tanto daqueles tempos de ditadura quanto de nossa época atual. Suas experiências evidenciam práticas nefastas da propangada oficial e da ação psicológica do regime, assim como a colaboração e a participação das principais empresas de comunicação em tais estratégias”, relata a autora. “É importante resgatar essas memórias porque, primeiro, durante muito tempo elas ficaram esquecidas. Não fazem parte nem da memória ‘oficial’ da ditadura, nem da memória de esquerda, porque esses militantes ficaram muito marcados como traidores”, completa Alessandra, professora do Departamento de História da Universidade Federal de Pelotas (RS).



Extraído do sítio Rede Brasil Atual

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