12 de junho de 2012

DOCUMENTA, UM DOCUMENTO - João Guilherme



Entre aposentados grisalhos, marchands grisalhos e milionários ingleses também grisalhos, arma-se nas ruas de Kassel a primeira manhã da Documenta. A tradicional exposição está entre as mais importantes da arte contemporânea e acontece só a cada cinco anos. Suas grandes "rivais" são as bienais de Veneza e São Paulo.

Basta fazer algumas contas para se ter uma ideia da expectativa com a qual a Documenta é esperada. Em um intervalo de dez anos, podem acontecer cinco bienais de São Paulo, cinco bienais de Veneza ou dez festivais de cinema de Cannes. São entregues dez levas do prêmio Nobel e a população humana aumenta em 200 milhões de pessoas. De 2002 para cá, completamos no Brasil, por exemplo, uma década de Flip's (a Festa Literária Internacional de Paraty). Assistimos duas Copas e dois Jogos Olímpicos. Rubens Barrichello abandonou 26 corridas, surgiram Neymar e Ganso. Nesse mesmo período, houve apenas duas Documentas, fora esta que começa hoje.

As ruas de Kassel, na manhã ensolarada e fria deste 9 de junho, vão se enchendo lentamente de pessoas coloridas e extravagantes, algumas alegres, outras nem tanto. Em frente ao Fridericianum, o palco central da mostra, é grande a quantidade de pessoas. Os tipos variam entre a vestimenta impecável e o estilo "não uso pente".

Para o estilo "não uso pente", o ferro de passar é também uma excrecência do século XX. Alguns, nesse, grupo parecem também pouco afeitos ao banho diário, na extremidade oposta dos impecáveis e "hiperperfumados". Mantendo a convenção já consagrada, brasileiras se destacam na paisagem pela enorme quantidade de jóias e argolas, preferencialmente as douradas. Preferem também os cabelos reflexos, de pontas também douradas, na cor dos brincos. É frequente a chapinha e o alisamento. O que não existe é meio termo.

Estatisticamente falando, as filas dos grandes museus europeus reiteram a impressão caricata de que os franceses continuam amando as barbas, italianos continuam falando alto e partilhando suas emoções em público, espanhóis parecem sempre estar brigando, mesmo quando trocam elogios. Essas filas dão também a sensação de que há um flagrante baby-boom na Alemanha. Alemães, aliás, sobretudo os mais jovens, nutrem hoje uma inegável admiração pelos cabelos espetados. Ainda assim, continuam penteados, mesmo que penteados em direções múltiplas, e preferem as camisas para dentro da calça. Isso nos faria confundí-los com com os milaneses, não fosse pelo fato de que, dentre as infinitas de cores que o olho humano é capaz de perceber e distinguir, os lombardos só conhecem quatro: o azul marinho, o caqui, o cinza e o preto. De Milão para baixo, no mais, parece que as calças amassam e os cabelos se enrolam em cachos.

Aqui, em Kassel, o olhar que percorre os passantes navega das roupas de seda fina às calças surradas. Os ternos de verão estão presentes entre os homens, combinados a camisas azuis ou brancas. Há quem use o costume com tênis (poucos, felizmente). Gravatas são raríssimas, muitas vezes substituídas pelo lenço de pescoço. Esses lenços dominam a cena também em Veneza. Nos museus e galerias venezianas, existe uma inegável relação de coincidência entre vestir um terno, amarrar no pescoço um lenço e manter as mãos às costas. Há também relação direta entre o saldo bancário da pessoa e a distância que ela mantém das obras.

Outra figura visível, tanto aqui quanto em Veneza ou Paris, é o careca de terno preto. Em geral, usa óculos. Elegante, esse tipo é mais raro e denota geralmente envolvimento profissional mais sério com a produção de arte. De qualquer modo, em Kassel não faltaria assunto para um Balzac, um Rubem Braga ou um Paulo Mendes Campos. Muito menos para um Fitzgerald, tantos belos e malditos reunidos nas mesmas salas.

Extraído do sítio Yahoo

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