10 de junho de 2012

JORGE MAUTNER: "OU O MUNDO SE BRASILIFICA, OU VIRA NAZISTA" - Camila Brito

Jorge Mautner nasceu um mês após seus pais chegarem ao Brasil, austríacos judeus fugindo da Segunda Guerra Mundial. Aos 3, frequentava terreiros de candomblé. Aos sete, passava tardes com Dorival Caymmi nas rádios de São Paulo onde seu padastro trabalhava. Aos 15, escreveu seu primeiro livro “Deus da chuva e da morte”. Aos 19, recebeu o Prêmio Jabuti pelo livro de estréia. Dez anos depois, embarcava para Londres, onde conhece Gil e Caetano e juntos começam a mudar a cara da música brasileira. "Minha vida sempre foi um poema mitológico. Eu sou abençoado pelo Brasil. E sempre com a preocupação de que a gente tem que impedir o nazismo de ressurgir, seja neonazismo, pré-nazismo, tudo que existe e é tão importante esse momento porque, ou o mundo se 'brasilifica', ou vira nazista", defende. Convidado da última edição do “Conversas Plugadas”, realizado no Teatro Castro Alves na última segunda-feira (4), ele bateu um papo com a Coluna Entrenimento. Confira a entrevista exclusiva para o Bahia Notícias.


Bahia Notícias - Quais temas você escolheu para esse show?

Jorge Mautner - Vou falar do Brasil colocando música popular ao lado de literatura, música de letra caipira, e o show de hoje vai ser o que eu estou fazendo na TV Brasil, que é baseado na definição de José Bonifácio de Andrade Silva, em 1823: “Diferente dos outros povos e culturas, nós somos a amálgama, esta amálgama tão difícil de ser feita”. Então nossa história é original por mil circunstâncias que eu vou narrar. Faz meio século que eu faço shows, sempre contando histórias, então já é uma coisa natural. Sou escritor também e músico, então as músicas são literaturas. Então eu vou contar sobre os ancestrais indígenas, alta literatura dos mitos – que são orais, mas são geniais – depois a mitologia africana, o candomblé que se reinventou aqui e finalmente, Portugal, com a escola de Sagres, que só começou a existir porque Portugal acolheu os templários que estavam sendo queimados vivos como heréticos na frente das igrejas. E Portugal os acolheu e mudou de nome, Cavaleiros de Cristo, que é Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, todos, todos eram Cavaleiros de Cristo. Isso aí e também vou falar sobre a história do Brasil e novidades sobre a Amazônia, que é um jardim plantado pelos índios, por canais de irrigação e navegação, o que se descobriu há pouco tempo. E uma homenagem ao Nelson Jacobina.

BN - O que te inspira?

JM - O que sempre me inspirou. Eu nasci um mês depois que meus pais chegaram [ao Brasil], eu sou filho do Holocausto, e minha mãe por não ter condições de ficar comigo, eu ficava com minha babá, filha de santo, do 1 aos 7 anos. Três dias por semana eu ia pro candomblé com ela e eu ia também pra igreja católica. O meu pai sempre me influenciou a ler, depois meu padastro, quando se separaram, que tocava violão no Teatro Municipal e fazia bicos nas rádios. Então, quando minha mãe se separou eu tinha sete anos e fui morar em São Paulo. Dos 7 aos 14 anos eu ia com meu padrasto pras rádios e ficava junto com Araci de Almeida, Isaura Garcia, Dorival Caymmi, todo mundo que se apresentava, e ao lado disso, literatura do mundo e do Brasil. Minha vida sempre foi um poema mitológico. Eu sou abençoado pelo Brasil. E sempre com a preocupação de que a gente tem que impedir o nazismo de ressurgir, seja neonazismo, pré-nazismo, tudo que existe e é tão importante esse momento porque, ou o mundo se "brasilifica", ou vira nazista. E isso fica mais claro porque o norueguês que matou 77 pessoas deixa bem claro que o inimigo dele é o Brasil, "este terrível lugar multicultural". É o medo da "brasilificação" do mundo, mas o mundo só vai se salvar se ele se brasilificar.


BN - Como você vê Salvador atualmente?

JM - A cidade está cada vez mais... Esse aqui é um dos pontos cruciais do planeta de inspiração, dos direitos humanos, é "Jesus de Nazaré e os tambores do candomblé" e o mundo quer isso. E essa é a mensagem do Brasil. Fora meus amigos pra sempre, Gilberto Gil e Caetano. Na Europa, durante o exílio, nos encontramos no primeiro dia e continuamos nos falando e compondo até hoje em dia. O mundo quer aqui, tanto nas Olimpíadas, campeonato mundial [Copa do Mundo], a juventude católica com o Papa, o Rio+20, do qual eu vou participar, onde vou falar sobre os neurônios saltitantes.

BN - O que tem ouvido de música nova, de novas gerações?

JM - Olha: muita música de garotada nova, que são geniais, e o disco do Caetano que a Gal gravou, que é maravilhoso, genial. E ouvindo muita coisa nova, porque eu recebo muitos discos, não só o pessoal que já apareceu, mas que ainda vai aparecer. Então, o Brasil é essa fusão. Até o tropicalismo havia essa diferença, se era bossa nova, outra só música clássica, outro era outra coisa. O Jorge Ben não tinha lugar, e quem o recebeu foi o Roberto Carlos, você imagina? [risos]. Mas o tropicalismo rompeu isso e isso é a amálgama, que chegou finalmente. E eu vou contar hoje no show também o porquê disso. Porque até 1945 essa amálgama era clara para todos os escritores, pintores, músicos, artistas, poetas do Brasil, mas pra castigar Getúlio [Vargas]. Começaram a surgir tanto medo do stalinismo, que viria como algo novo, encaixotando e comprimindo as ideias, mas também para os Estados Unidos, com medo de uma explosão, não sei, mas pra castigar Getúlio. Então surgiram os cronistas que jogavam água gelada sobre o Brasil, dizendo "não, o Brasil não é nada disso, vocês têm o exemplo dos ingleses, isso aqui é lugar pior do mundo, de produto nacional basta eu". E isso foi até agora. Mas é muita coisa, uma campanha imensa de meio século de atividades, ou mais e isso tudo agora está na plenitude. Vocês vão pegar a melhor época do mundo e do Brasil.


Extraído do sítio Bahia Notícias

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