1 de março de 2013

A LÍNGUA PORTUGUESA TAMBÉM SE ESCREVE COM CARACTERES CHINESES - Ana de Freitas

Num território que é um lugar de cruzamento entre o Oriente e Ocidente quebra-se a distância entre duas línguas: português e chinês. A segunda edição do Rota das Letras – Festival Literário de Macau conta com mais de 30 autores lusófonos e chineses, da literatura ao cinema passando pela música e artes plásticas.

A iniciativa permitirá concretizar um dos objectivos do festival: a “aproximação entre chineses e lusófonos, do ponto de vista cultural, nomeadamente na literatura”

A segunda edição do Rota das Letras – Festival Literário de Macau chega a 10 de Março com a concretização de uma promessa que vem de trás: a criação de um espaço comum para escritores e artistas da China e dos países de língua portuguesa. Em 2013 essa promessa vai até mais longe: o convite foi estendido a jornalistas, tradutores, editores e organizadores de festivais literários.

À semelhança da primeira edição, contará com a presença de cineastas, músicos e artistas plásticos. No total estarão presentes mais de 30 autores, entre os quais Bi Feiyu, Dulce Maria Cardoso, Han Shaogong, Hong Ying, João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata, José Eduardo Agualusa, Mauro Munhoz, Paloma Amado, Paulina Chiziane, Ricardo Araújo Pereira, Rui Zink, Valter Hugo Mãe, Camané, Dead Combo, Wang Gang e Xi Murong.

Ricardo Pinto, director do festival, contou ao PÚBLICO que embora exista um “núcleo duro” composto por autores da China e Lusofonia, a ideia é “abrir, gradual e pontualmente, o festival a outros espaços, nomeadamente a outros pontos da Ásia e países latinos”. Aos autores lusófonos e chineses juntam-se este ano os franceses Antoine Volondine e Claude Hudelot, que possuem afinidades com Macau, China e o espaço lusófono.

O festival, fundado em 2012 pelo jornal Ponto Final, conta com a colaboração da Fundação Macau e do Instituto Cultural de Macau. O seu vice-presidente, Yao Jing Ming, é destacado por Hélder Beja, vice-director do festival, como “grande conhecedor da literatura chinesa”. Assumindo a função de director-adjunto do Rota das Letras, Yao Ming angariou um “grande número de autores, como Bi Feiyu e Hang Shaogong, tradutor de Fernando Pessoa”. Para Hélder Beja, são “autores que antes de Mo Yan ganhar o Nobel já estavam no grande patamar da literatura contemporânea”.

Beja diz estar bastante satisfeito, aliás, com os autores chineses presentes nesta edição: Bi Feiyu, vencedor do Asian Man Booker Prize, Hang Shaogong, Hong Ying (uma das autoras chinesas mais reconhecidas na cena internacional), Yi Sha, figura controversa na poesia chinesa contemporânea, assim como Sheng Keyi, Qiu Huadong, Pan Wei, Wang Gan, Haung Lihai, Li Shao Jun. A poetisa taiwanesa Xi Murong é outro dos nomes influentes que estará presente.

A representação de Portugal será assegurada pelo escritor Valter Hugo Mãe, por Dulce Maria Cardoso e pela romancista Deana Barroqueiro. No painel dedicado à literatura e humor, Rui Zink e Ricardo Araújo Pereira farão as honras da casa. O convite feito à jornalista e escritora Alexandra Lucas Coelho e ao jornalista e editor Carlos Vaz Marques resulta da iniciativa de “convidar jornalistas que tivessem uma actividade para além dos jornais, quer pela tradução, quer pela autoria”.

Vindos de outros espaços da lusofonia, temos o angolano José Eduardo Agualusa, Luís Cardoso, em representação da literatura timorense, Paulina Chiziane, moçambicana, e Vanessa Bárbara, que integra a “lista dos 20 escritores brasileiros mais influentes e escreve para a Folha de S. Paulo, representando o Brasil na categoria de escritora/jornalista”, explica Hélder Beja. Do Brasil destacam-se ainda o poeta Regis Bonvicino, o director-geral da Festa Literária de Paraty, Mauro Munhoz, assim como Paloma e Cecília Amado, respectivamente filha e neta de Jorge Amado (1912-2001). O festival apresenta, este ano, uma homenagem ao autor brasileiro na sequência do centenário do seu nascimento, que foi comemorado em 2012. Embora chegue com “pequeno atraso”, a retrospectiva homenageará Amado através da projecção de um documentário e do filme de ficção Capitães da Areia e de uma exposição biográfica que encerra aqui a sua itinerância.

Livro de contos, o pilar

Um dos pontos altos é, segundo os organizadores, o lançamento de um livro de contos e ensaios. Este projecto combina textos de convidados da primeira edição - Lolita Hu, João Paulo Cuenca, Jimmy Qi, Rui Cardoso Martins, Xu Xi ou José Luís Peixoto – com textos dos vencedores de um concurso literário lançado na mesma altura pela organização. Para Ricardo Pinto este livro é uma “combinação interessante de autores consagrados e autores anónimos, de grande talento, alguns a viver há muito tempo em Macau, outros que estiveram em Macau de passagem”.

A iniciativa permitirá concretizar um dos objectivos do festival: a “aproximação entre chineses e lusófonos, do ponto de vista cultural, nomeadamente na literatura” e a possibilidade de “deixar um legado literário que ultrapasse o efémero” - palavras de Ricardo Pinto. O livro reflectirá a essência do festival e procura responder a uma lacuna na cena literária de Macau. “Escreve-se pouco sobre a Macau contemporânea e sobre Macau, em geral. Logo à partida, quando pensámos no festival a ideia era convidar os autores a escrever sobre Macau”. O livro é, assim, “pilar central de tudo o que o festival poderia vir a representar e do contributo que poderia dar à cena cultural destes países”.

O facto de ser publicado em três línguas, português, chinês e inglês, permitirá o acesso a todos, autores e leitores. Esse esforço de aproximação é, também, posto na legendagem dos concertos programados para 15 e 16 de Março no Casino Venitian. O primeiro, protagonizado pela cantautora taiwanesa Joanna Wang, será traduzido para português e inglês, enquanto o segundo, com as interacções entre Dead Combo e Camané, será legendado para inglês e chinês.

No cinema, um dos destaques é a ante-estreia da longa-metragem A Última Vez que Vi Macau em solo chinês, antes do filme seguir para o Festival Internacional de Hong Kong. Aos realizadores João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata será dedicada uma retrospectiva com a exibição de China-China e Alvorada Vermelha, curta que nasceu durante a rodagem de A Última Vez que Vi Macau e que foi consagrada no IndieLisboa como melhor curta portuguesa. Será, também, estreada em solo chinês a curtaNa Escama do Dragão, de Ivo Ferreira, encomenda de Guimarães Capital Europeia da Cultura.

O realizador Miguel Gonçalves Mendes regressa a Macau para apresentar parte da série documental Nada Tenho de Meu, iniciada na primeira edição do festival em parceria com os escritores brasileiros Tatiana Salem Levy e João Paulo Cuenca. Este projecto pode ser entendido como o reflexo da troca de experiências destes autores com artistas do Extremo do Oriente - Macau, Hong Kong, Vietname, Cambodja e Tailândia.

Gonçalves Mendes aproveitará a presença de Valter Hugo Mãe para dar início a um novo projecto documental. De acordo com revelações ao PÚBLICO, em Novembro de 2012, o escritor será uma das sete “personagens reais” com quem Miguel, o protagonista que representa o alter-ego do realizador, se vai cruzar durante a sua viagem por cinco países: Portugal, Brasil, Islândia, Inglaterra e Japão.

Outra novidade da edição deste ano é o facto de o festival não se fechar num local específico, como aconteceu o ano passado com todos os eventos programados para o Instituto Politécnico de Macau. A organização elegeu “alguns dos lugares mais dignos de Macau para que os convidados possam conhecer esse lado de Macau que vai para além dos casinos". “Durante o dia os convidados estão na cidade e ao fim da tarde estão programados encontros em bibliotecas, livrarias, sedes de associações, na Casa do Mandarim”, conta Ricardo Pinto.

Extraído do sítio Público.pt

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