12 de agosto de 2013

BONS ARES, BONS LIVROS, CAPITAL ARGENTINA UNE VIAGEM E LITERATURA - João Correia Filho

Conhecida por sua veia cultural, Buenos Aires é das poucas cidades no mundo que podem se gabar de ter tão profunda relação com seus escritores.

Plaza San Martín

Entre os muitos caminhos possíveis a trilhar numa cidade com a riqueza histórica e cultural de Buenos Aires, estão os roteiros inspirados na vida e na obra de mestres como Julio Cortázar, Jorge Luis Borges e Ernesto Sábato, ou ainda de estrangeiros como Federico García Lorca e Antoine Saint-Exupéry, ambos com passagens marcantes pela capital argentina.

A geografia literária de Cortázar inclui locais como a Plaza de Mayo, a Galería Güemes e as grandes avenidas do centro, presentes em livros como Bestiário, Histórias de Cronópios e de Famas e O Jogo da Amarelinha, este tido como sua obra-prima. Uma das grandes joias arquitetônicas da cidade, a Güemes é o cenário do conto “O Outro Céu”, lançado em 1966, no livro Todos os Fogos o Fogo. Nele, o personagem entra pela bela galeria portenha e é lançado à Galeria Vivienne, em Paris, cidade que também foi morada do escritor por muitos anos. Inaugurada em 1915, no número 165 da Calle Florida, a Güemes é um dos notáveis exemplos de art nouveau da cidade, e foi bastante frequentada por Cortázar durante as décadas de 1930 e 1940, a ponto de ele dizer que era “sua pátria secreta”.

Café da livraria El Ateneo Gran Splendid

A Güemes é também marcante na história do famoso escritor francês Antoine de Saint-Exupéry, autor do best-seller O Pequeno Príncipe. Exupéry morou no sexto andar do edifício, entre 1929 e 1930, e foi ali que escreveu Voo Noturno, livro publicado em 1931, inspirado em suas aventuras como aviador da Companhia Geral Aeropostal, empresa francesa pioneira no ramo de correio aéreo com filial em Buenos Aires.

Livraria El Ateneo Gran Splendid

Bem próximo dali está outro lugar secularmente ligado à literatura. Inaugurado em 1858, o Café Tortoni ainda preserva o clima dos grandes cafés literários, que durante o final do século 19 e meados do 20 abrigaram reuniões de grupos de escritores e artistas. Além da decoração requintada, que divide espaço com obras de arte e homenagens a frequentadores famosos, o Tortoni preserva uma programação de shows de tango que estão entre os mais tradicionais da capital.

Seguindo na toada literária, valem a visita dois edifícios localizados na Avenida de Mayo, na região central. Um deles é o Hotel Castelar, no número 1.152, que teve como hóspede o poeta espanhol Federico García Lorca, quando visitou Buenos Aires para conferências, de 1933 a meados de 1934. O hotel ainda preserva o quarto tal como estava quando recebeu um dos maiores nomes da literatura e da dramaturgia espanhola.

O outro é o Palazzo Barolo, construído em 1923, cuja arquitetura remete ao livro A Divina Comédia, de Dante Alighieri. Construído pelo arquiteto italiano Mario Palanti, divide-se em três partes – inferno, purgatório e céu –, tal como o grande clássico italiano do século 14, além de muitas outras referências à obra. Localizado no número 1.370 da Avenida de Mayo, está aberto apenas com visitas guiadas e somente à noite. O percurso literário termina no alto de um farol construído no topo do palácio, que ilumina a cidade de forma inspiradora.

Literalmente importantes

Galería Güemes
Alguns bairros também são literalmente importantes na capital argentina. É o caso de Palermo, na região nordeste da cidade, que tem Jorge Luis Borges como seu grande representante. “As imagens podem ser cordilheiras, pantanais com andaimes, escadas em caracol que desaparecem em porões, areais cujos grãos devo contar, mas qualquer dessas coisas é uma embocadura precisa para o bairro de Palermo”, escreveu Borges no livro Atlas, lançado em 1985, um ano antes de sua morte.

Um passeio pelo universo borgiano pode começar no coração desse bairro que hoje é sinônimo de cafés, restaurantes e livrarias, muitas destas com bons cafés e extensa programação cultural.

Dois bons exemplos são a Libros del Pasaje e a Eterna Cadencia, que merecem ser visitadas mesmo que você não leia nada em espanhol. Ambas possuem atividades culturais, saraus e ambientes aconchegantes, onde você pode ler seu autor preferido e passar horas rodeado de livros e de gente interessante. Ficam bem perto da antiga Calle Serrano, hoje

Jorge Luis Borges, em homenagem ao morador do número 2.135, onde há uma placa discreta que indica ter passado ali sua infância. Com uma obra arrebatadora, que inclui clássicos como O Aleph, Ficções e Livro dos Seres Imaginários, Borges escreveu poemas antológicos sobre sua cidade, como “Fundação Mítica de Buenos”, no qual declara em sua última estrofe “Para mim só na lenda começou Buenos Aires: entendo-a tão eterna como a água e como o ar”.

Livraria Eterna Cadencia

Seguindo pela Calle Borges, chega-se ao coração verde de Palermo, o Parque 3 de Febrero, uma grande área com lagos e jardins que costumava ser visitada pelo escritor. Ele era visto principalmente no Rosedal, um pitoresco jardim com cerca de 18 mil roseiras, de centenas de espécies diferentes, de várias partes do mundo. Fica ali também o Jardim dos Poetas, com estátuas de escritores como Shakespeare, García Lorca, o cubano José Martí, Alfonsina Storni e, claro, Jorge Luís Borges.

Livraria Clássica y Modern

Já o bairro de San Telmo pode ser visitado sob o olhar de Ernesto Sábato, autor de Sobre Heróis e Tumbas, lançado em 1961. Uma caminhada ao Parque Lezama pode seguir os passos de Martín e Alejandra, personagens dessa intrigante novela que se encontravam num banco defronte à estátua de Ceres, no centro do parque.

Sábato também leva ao bairro do Retiro, mais precisamente na Plaza San Martín, cenário importante em seu livro O Túnel. Descreve com maestria lugares como o edifício Kavanagh e o Relógio Inglês, que se destacam na paisagem urbana da região.

Nos arredores da Plaza San Martín, na Calle Maipu, o número 994 marca o local onde Borges viveu durante 41 anos. Há apenas uma placa no lugar, mas você pode aproveitar para visitar a livraria La Ciudad, localizada na Galería del Este, número 971. Era frequentada por Borges e por seu grande amigo Adolfo Bioy Casares, autor do antológico A Invenção de Morel. Hoje a livraria funciona também como antiquário e mantém exposta a pequena mesa usada pelos nobres frequentadores.

Buenos Aires é exemplar, aliás, em ofertas de livrarias. Em meio a tantas opções, uma dica é 50 Livrarias de Buenos Aires, da jornalista Adriana Marcolini,com uma excelente seleção das mais representativas. Entre elas está a El Ateneo Gran Splendid, no bairro Recoleta, considerada uma das mais belas do mundo. Foi montada num antigo e luxuoso teatro, cujos lugares destinados ao público foram tomados por estantes de livros. Onde antes havia o palco, há um charmoso café, paradeleite dos visitantes. A imponência da El Ateneo é um símbolo da real importância das livrarias na vida cultural da capital argentina. Formam uma teia literária que envolve o leitor, tal como um livro bom. 

Serviço

Cortázar em destaque. Este ano, uma vasta programação toma conta de Buenos Aires para comemorar os 50 anos de lançamento de O Jogo da Amarelinha, um dos livros mais importantes do escritor argentino Julio Cortázar. Ao mesmo tempo, iniciam-se os preparativos para a comemoração do centenário do escritor, em 2014, que promete sacudir a vida cultural da cidade. 

Ao pé da letra. Um livro que pode ajudar muito os aficionados por literatura que têm um pouco mais de intimidade com o espanhol é Al Pie de la Letra – Guía Literaria de Buenos Aires. Escrito pelo jornalista argentino Álvaro Abós, é bastante organizado e completo (com mapas e gráficos), abordando um grande número de escritores, dos mais variados estilos e época.

Eterna Cadencia: Calle Honduras, 5.574, Palermo
www.eternacadencia.com

Libros del Pasaje: Calle Thames, 1.762
www.librosdelpasaje.com.ar

El Ateneo Gran Splendid: Avenida Santa Fe, 1860
www.tematika.com.ar

Extraído do sítio Rede Brasil Atual

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