6 de janeiro de 2013

GRUPO INDEPENDENTE QUER TRANSFORMAR CIDADE BAIXA EM DISTRITO CULTURAL - Rachel Duarte

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Com mais de meio século de história, o bairro adotado pela boemia porto-alegrense exala cultura por todos os poros. Ou ao menos, exalava. Característico pela arquitetura antiga, com prédios históricos e casario da época das baronesas, escravos e italianos que viviam no Rio Grande do Sul, a Cidade Baixa está sendo gradativamente modificada pelos interesses do mundo moderno. As principais consequências são apontadas pelos comerciantes, produtores culturais e frequentadores do bairro. Alguns indignados com o horário de fechamento dos bares, com a venda de casarões para a construção de espigões comerciais e com a modernização dos estabelecimentos comerciais que destoam dos tradicionais botecos e botequins do bairro reivindicam o tombamento do local como Distrito Cultural.

O movimento pela legislação municipal que garanta ao bairro gaúcho o mesmo título de patrimônio histórico e cultural que tem a Lapa, no Rio de Janeiro, iniciou durante as eleições de 2012. Em meio aos debates sobre a cidade com as candidaturas à Prefeitura de Porto Alegre e a Câmara de Vereadores uma frequentadora assídua da Cidade Baixa passou a articular amigos e expor a necessidade de um projeto de lei neste sentido. “O movimento foi muito espontâneo. Sou frequentadora do Bar Zelig há pelo menos 26 anos. Acompanhei os reflexos da imposição da Lei do Silêncio pelo antigo secretário (Valter Nagelstein) no ano passado e percebo o quanto as coisas mudaram depois daquilo”, conta a aposentada Clarisse Muller.

Organizadora da tradicional festa da literatura em Porto Alegre, a FestiPoa, Clarisse não se conforma com as mudanças ocorridas no bairro. “Nós não temos nem como levar os convidados e visitantes do evento para apreciar a música ao vivo e toda a pluralidade cultural que a Cidade Baixa oferece. Quando as palestras e atividades encerram, já é próximo da meia noite. Hora de recolher no bairro”, comenta Clarisse, que também fundou o movimento de resistência ao fechamento dos bares no bairro Bom Fim na década de 80.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Apesar da flexibilidade do horário de fechamento ter sido estendida até às 02 horas após sucessivos protestos dos músicos e comerciantes do bairro em 2012, o regramento rígido sem a devida orientação de regularização aos proprietários contribui para intimidar reivindicações por parte dos donos dos bares, acredita Clarisse. “Depois daquilo, não sei se teve algum acordo com a Smic (Secretaria de Produção, Indústria e Comércio). Todos estão acomodados com a situação e esperando que a Prefeitura se esqueça de pressionar para o funcionamento da lei. Não está certo. Eu quero a Cidade Baixa de volta. Músicos, compositores, enfim, tudo que há de melhor na cultura gaúcha nasceu e nasce neste bairro. Não podemos matar isso com o prejuízo ao sono de meia dúzia como desculpa”, alega.

Co-organizador do FestiPoa, Fernando Ramos compartilha do desejo de tornar a Cidade Baixa um distrito cultural e foi um dos primeiros adeptos do movimento. “É um lugar importante culturalmente para a cidade. Não somos uma organização ou entidade. Nem temos interesse partidário algum. Estamos agindo por cidadania”, afirma.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Movimento esfriou ao se deparar com inconsistências do Plano Diretor

O Movimento Cidade Baixa Distrito Cultural esfriou em poucos meses devido à redução no entusiasmo dos idealizadores diante das dificuldades burocráticas e políticas encontradas no caminho. O primeiro movimento do grupo foi se informar a respeito do Plano Diretor de Porto Alegre e estudar a forma de proposição adequada. “Uma surpresa foi descobrir que o Plano Diretor da cidade não existe em papel. É uma colcha de retalhos de anexos onde é possível, por exemplo, ver três conceitos diferentes sobre o que poderia ser a garantia de preservação da cultura em áreas da cidade. Muitos vereadores não souberam explicar”, conta Clarisse.

Por quatro vezes foi necessário o deslocamento à Câmara Municipal para obter informações sobre o Plano Diretor, conta Clarisse. O grupo foi recebido pelos vereadores Sofia Cavedon (PT), Adeli Sell (PT), Carlos Comassetto (PT), Pedro Ruas (PSOL) e Fernanda Melchionna (PSOL). A mais empenhada na causa pareceu ser Melchionna, que levou o grupo para expor o projeto na 58ª Feira do Livro de Porto Alegre e explicou sobre as possibilidades legais para o Distrito Cultural Cidade Baixa.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

“Um dos artigos incorporados no Plano Diretor prevê Área de Interesse Cultural na cidade. A Prefeitura tinha prazo para fazer o levantamento e a inclusão de quais seriam estas áreas e não o fez. Há uma luta de muitos produtores da cultura e sociedade civil para o tombamento das casas históricas do bairro, bem como os museus, e uma orientação sobre a regulação dos bares com permissão de atividades culturais, aos moldes do que ocorreu na Lapa, no Rio de Janeiro”, explica a vereadora Fernanda Melchionna.

A falta de atitude do poder público e de adesão ao movimento não significa que os responsáveis estejam parados. O interesse permanece entre os atores do bairro boêmio da capital gaúcha. “Esta é uma reivindicação antiga de alguns bares como o nosso, que foi o primeiro a surgir na Rua João Alfredo. Esta rua é referência em arquitetura e música ao vivo. Achamos este projeto muito interessante. Queremos o bairro institucionalizado dentro dos limites de funcionamento das casas, não queremos irregularidades também. Mas a tradição temos que preservar”, disse Estevão Zalazar proprietário do Paraphernália Bar.

Ele disse que uma boa ideia para o Distrito Cultural Cidade Baixa é fechar as principais ruas históricas para entrada de automóveis em dias de maior movimentação no bairro. “Fazer algo como já ocorre no Rio de Janeiro, na Bahia. Acredito que tem ambiente para prosperar um projeto destes. Basta todas as partes cederem um pouco”, fala.

O projeto

Outra sugestão do grupo é reativar a vida na Rua República, uma das principais atingidas com o rigor da Lei do Silêncio. A ideia do movimento é trazer para a capital gaúcha o modelo similar ao da Lapa, no Rio de Janeiro. Hoje reconhecido como Distrito Cultural, o bairro carioca possui projetos de restauração de prédios e preservação do patrimônio histórico-cultural. Os comércios locais devem incluir em sua agenda mensal, no mínimo, quatro apresentações culturais, além de ações de fomento à diversidade e cultura. Em contrapartida, o governo mobiliza esforços para garantir segurança, iluminação pública e estímulo à regularização dos estabelecimentos, entre outras ações para a manutenção do espaço e da vida noturna.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

“A similaridade da Lapa com a Cidade Baixa se manifesta em vários aspectos. Em termos de arquitetura, inspiração artística, patrimônio. Precisamos de mais do que o Movimento Cidade Baixa em Alta faz hoje, em promover atividades culturais sazonalmente. Não podemos ficar a mercê dos gestores”, afirma Clarisse Muller.

Este tipo de iniciativa garante opções de lazer e entretenimento à população local, bem como aos turistas da cidade. Hoje, os horários de funcionamento de estabelecimentos na Cidade Baixa são considerados pela classe artística como incompatíveis com suas demandas. Da mesma forma, o bairro, que já foi conhecido pelo seu grande movimento cultural, tem condições de oferecer aos visitantes opções legítimas de cultura brasileira e promoção da cidade como um todo.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Todos os frequentadores estão convidados a discutir sobre o assunto e aderir ao Movimento Distrito Cultural Cidade Baixa, diz a idealizadora Clarissa Muller. “Precisamos constituir um Fórum plural, previsto no Plano Diretor, para poder ter legitimidade a proposta na Câmara. Todos vão ganhar reconhecendo a Cidade Baixa como patrimônio sem ter ingerências que firam a sua natureza. A Cultura não pode ser vista como acessório”, defende.

Extraído do sítio Sul21

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