27 de janeiro de 2013

NO BRASIL, BIBLIOTECAS INOVADORAS CONVIVEM COM QUADRO DE DESCASO - Paula Adamo Idoeta

Nova, a Biblioteca de São Paulo fica no local do antigo presídio do Carandiru

No térreo da Biblioteca de São Paulo, ouve-se o burburinho de crianças brincando nos computadores, jogando jogos de tabuleiros ou circulando entre as estantes de livros infantojuvenis até se acomodarem em algum dos pufes com as obras que escolheram.

No andar de cima, adultos leem livros de papel ou em Kindles, teclam em seus laptops ou assistem a DVDs nos computadores comunitários.

Nos arredores, há uma lanchonete, um grande parque, uma escola técnica e a estação de metrô do Carandiru, lembrando os visitantes que ali funcionava antes o famigerado presídio paulistano.

A Biblioteca de São Paulo, inaugurada em 2010 na zona Norte da cidade, é um dos exemplos de bibliotecas brasileiras que acompanham novas tendências internacionais, de criar espaços de convivência modernos - em vez de apenas espaços de leitura.

Outro exemplo vem das bibliotecas-parque no Rio de Janeiro, como a de Manguinhos, montada em um antigo armazém da zona Norte, para servir 16 comunidades carentes com acervo, espaços culturais, sala de reunião, laboratórios e cursos.

"O modelo oferece vários serviços de uma vez só, como literatura, artes, teatro e cinema", diz à BBC Brasil Vera Saboya, superintendente de leitura do Estado do Rio, destacando que a biblioteca-parque não é um "projeto social" e vai ser expandida para bairros de classe média.

"Mas há uma pequena revolução (ao redor dela) nos lugares mais pobres. Quando vejo crianças de 5 anos entrando no lugar, imagino que daqui a dez anos ela terá passado por experiências muito determinantes em sua vida cultural dentro da biblioteca", agrega.

A biblioteca de Manguinhos recebe cerca de 120 mil pessoas ao ano. A Mario de Andrade, em São Paulo, viu seu público mais do que dobrar (para 217,8 mil) desde a reforma e reinauguração, em 2011. Suas atrações são, além do acervo e da coleção circulante, a programação cultural mensal (incluindo ciclos de leitura e escrita, de história da arte e do conto latino-americano).

Déficit de bibliotecas

Mas iniciativas inovadoras, reformas e modernização do acervo convivem, no Brasil, com déficit de bibliotecas nas escolas, baixos índices gerais de leituras, exemplos de descaso e queixas do setor.

O Censo Escolar 2011 (o mais recente), do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), aponta que, de 146 mil escolas do ensino fundamental, apenas 52 mil têm bibliotecas (cerca de 36%). No ensino fundamental, de 26,9 mil escolas, 19,6 mil têm bibliotecas (73%).

Levantamento divulgado nesta semana pelo movimento Todos Pela Educação, a partir do Censo, afirma que o Brasil precisaria construir 128.020 bibliotecas escolares até 2020 para cumprir a lei 12.244/2010, que dispõe sobre a universalização de bibliotecas.

"Para isso, seria necessária a construção de 39 unidades por dia (34 na rede de ensino pública e 4 na rede privada)", diz comunicado do movimento.

Entre as bibliotecas públicas em funcionamento, enquanto as citadas no início desta reportagem viram seu público crescer, outras permanecem às moscas grande parte do tempo.

Pesquisa de 2011 do Instituto Pró-Livro e do Ibope aponta que em média, os brasileiros leram 4 livros no ano, incluindo as obras indicadas aos estudantes pelas escolas (em 2007, quando a pesquisa tinha outra metodologia, essa média era de 4,7 livros lidos por ano).

Para efeito comparativo, pesquisa de 2012 do centro Pew, nos EUA, diz que um americano médio de 16 anos ou mais leu 17 livros nos 12 meses anteriores ao estudo. (O número é puxado para cima sobretudo pelos leitores de 65 anos ou mais, que leem em média 23 livros/ano).

Desinteresse?

Seriam os números uma evidência do desinteresse do brasileiro pelo livro?

Adriana Ferrari, coordenadora da unidade de bibliotecas da Secretaria da Cultura paulista, discorda. "Não acho que há desinteresse. Acho que o brasileiro não conhece o livro. Que vivência e que cultura temos de biblioteca? Nenhuma", opina.

Biblioteca de Manguinhos engloba atividades socio-culturais

"Na Biblioteca de São Paulo, recebemos 30 mil visitantes por mês, pessoas que têm algum relacionamento com o livro. Mas no Brasil, montam-se três estantes e chamam de biblioteca. É preciso qualificar as bibliotecas para que as futuras gerações estejam expostas (ao livro)."

Para Antonio Miranda, professor da Universidade de Brasília e consultor para bibliotecas, "começamos tarde e estamos muito atrasados em implementar bibliotecas no país".

Há avanços, como o Plano Nacional do Livro e da Leitura, programa do Ministério da Cultura que prevê investimentos de R$ 373 milhões em acesso e fomento à leitura e incentivos à cadeia criativa e produtiva do livro.

Mas gerou polêmica o fato de o programa ser centralizado pela Fundação Biblioteca Nacional, instituição que enfrenta problemas. Seus funcionários entraram em greve neste mês de janeiro alegando más condições de trabalho, já que o prédio da instituição enfrentou vazamentos, curto-circuitos e foi alvo de críticas pelos cuidados com o acervo histórico.

Algumas bibliotecas consultadas pela BBC Brasil se queixaram da atuação da FNB e de favorecimento à cadeia produtiva do livro em detrimento das bibliotecas.

A FBN afirma, porém, que o eixo de democratização do acesso à leitura - que engloba, entre outros itens, a implementação de mais de 400 bibliotecas de diferentes tipos e a revitalização de outras 434 - é o que terá a maior parte dos recursos do Plano Nacional do Livro (R$ 254,6 milhões, do total de R$ 373 milhões).

Segundo a assessoria da FBN, também foram firmados em 2012 sete convênios, de um total de R$ 1,35 milhão, para modernizar 82 bibliotecas públicas em sete Estados (São Paulo, Mato Grosso, Pernambuco, Minas Gerais, Ceará, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal; só em Pernambuco o valor ainda não foi pago).

Extraído do sítio BBC Brasil

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